A notícia saltou-me à vista, crua, dolorosa, como sempre que ficamos a saber que perdemos mais um dos nossos, hoje de manhã quando abri os jornais.
Não sabia que o Serafim Ferreira estava doente, por isso o choque foi ainda maior.

Como toda a gente que trabalha para deixar obra feita, Serafim Ferreira foi um homem fractuante. Teve - e acredito que manteve sempre - os seus seguidores fiéis, mas também teve muitos detractores.
Há um meio termo, e não o "invento" agora só para nele me incluir. Houve coisas que, alavancadas por ele fizeram crescer o nosso Ciclismo, como houve outras que tardaram a chegar e, muitas vezes eu escrevi que por "culpa" dele. Não é essa culpa. Espero que me compreendam. Vou tentar explicar-me...
Iniciei-me na cobertura, enquanto jornalista, do Ciclismo no já longíquo ano de 1991. Nesse mesmo ano "fiz" a minha primeira Volta a Portugal. Tive o meu primeiro contacto com Serafim Ferreira. Que durou até ao ano 2000, quando a, entretanto criada "SportNotícias" foi criada. Era a Empresa Jornal de Notícias quem organizava a Volta.
Apesar de a "SportNotícias" ter aglotinado toda a estrutura anterior que já vinha a organizar a Volta, foi a primeira experiência a sério - e perdoem-me todos os outros Homens de Boa Vontade que, desde 1927 organizaram a principal corrida portuguesa - na profissionalização de uma estrutura fixa. Claro que a Volta só ficou a ganhar com isso. E Serafim Ferreira foi o rosto dessa mudança.
Em 1993, a Volta "cresceu" ao conseguir o estatuto de Corrida Internacional. Ganhou a "SportNotícias", ganhou Serafim Ferreira mas que não venham agora querer reeescrever a História. De 1992 para 1993 Serafim Ferreira recebeu uma "nova corrida" mas não foi ele quem a promoveu. Concedo que, a criação da tal estrutura - há pouco escrevi profissional, mas agora emendo para semi-profissional (também posso explicar isso) - terá ajudado. Ajudou de certeza, mas por essa altura já o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo Artur Moreira Lopes conquiatara espaço nos corredores da toda poderosa UCI e foi ele, e só ele, quem "meteu" a Volta no Calendário Internacional.
Voltando atrás para começar a explicar-me...
Escrevi, ali em cima, que a Volta a Portugal, já internacional, levou muito tempo a crescer e não cresceu muito no consulado da "SportNotícias". Culpa de Serafim Ferreira? Não creio, por isso também escrevi que não era... "essa culpa". Sempre me inclinei mais para uma estratégia da empresa.
Assumiram apresentar pequenas novidades, ano após ano, a aventurar-se numa verdadeira "revolução" e aí estou totalmente de acordo. Aquela equipa, liderada por Serafim Ferreira, de quem nunca fui amigo mas que integrava um grande e verdadeiro amigo, infelizmente também já desaparecido, e refiro-me ao Armando Santiago, tinha tudo para dar dois, três passos em frente ao invés de, timidamente, avançar aos palminhos.
Excesso de confiança, escrevo-o agora, passados todos estes anos, por parte da "SportNotícias". A dada altura tomaram como certa a "posse" da Volta para todo o sempre, por isso teriam tempo.
Mas havia quem rapidamente tivesse percebido que a Volta tinha e podia avançar mais depressa e assumir-se como a quarta grande do Calendário Internacional, o que só aconteceu mais tarde, quando, em vez das equipas de segundo plano, espanholas e italianas, chegámos a ter as gigantes ONCE, Banesto, Kelme ou Telekom no pelotão...
Mas não soneguemos a importância que teve, no criar de infraestruturas, a figura de Serafim Ferreira, verdadeiro "patrão" da Volta ao ponto de, nunca, dutante o seu consulado, ter admitido - ignorando olimpicamente os regulamentos - ceder a quem quer que fosse o lugar de "figura principal" do pelotão. E a Volta "patinou", escorregou, tropeçou todos os anos. Os relatórios do Comissário Internacional sempre vincavam a inaceitável secundarização, dentro da corrida, do Árbitro em detrimento do "presidente do clube". Não sei se Serafim Ferreira nunca chegou a perceber isso, ou se simplesmente não ligou às chamadas de atenção.
De qualquer modo, ninguém duvidou nunca e ninguém jamais duvidará o quanto ele amava a modalidade e o quanto, mesmo que à sua maneira, tantas vezes pouco ortodoxa, fez por ela.
Estamos outra vez de luto. Toda a família do Ciclismo.
Descanse em paz Senhor Serafim Ferreira, o seu nome, e a sua obra, têm lugar garantido na História da modalidade, sobretudo na Volta.