quinta-feira, novembro 24, 2005

10.ª etapa


Deixei aqui atrás, há alguns dias, um post no qual, quem quisesse percebê-lo, poderia ler a minha relutância quanto ao positivo de Roberto Heras a 24 horas de vencer a sua 4.ª Vuelta e marcar lugar na história do ciclismo espanhol e mundial, por ser o 2.º homem a conseguir ganhar por três vezes consecutivas aquela que eu considero a 2.ª maior corrida do Mundo, mas, mais importante ainda, por ter sido o primeiro a ganhá-la por 4 vezes.

Foi uma opinião apaixonada. Confesso-o.

Serei tudo menos ingénuo. Lembro-me de velhos ditos, género... não é só com bifes que se ganha na Torre... bifes!... Ser naïf também tem os seus encantos.

É evidente que não tenho queda para fingir de avestruz. Não enterro a cabeça na areia, faço mesmo questão de andar mais ou menos a par das novidades. Sei como é (esta outra confissão pode custar-me caro, mas quero que, quem me lê, perceba que este espaço é de honestidade) e como se faz...

Mas - parece-me ouvir a voz de quem, lendo isto fique (verdadeiramente) espantado... - o ciclismo é tudo mentira? Afinal são mesmo todos um grupo de mamados. Não!

Não, não, não e não!...

Não é tão fácil falar de ciclismo como o é de... futebol, por exemplo. Não tem nada a ver. E se querem exemplo de desporto onde a batota vinga, quase sempre e cada vez mais, de forma impune, pior... suportada por autênticas equipas de rectaguarda que juram, são testemunhas e garatem a angeliqueidade dos sujeitos... olhem para o futebol.

Seriam precisas mil corridas de bicicleta para ver um corredor agarrar o seu adversário de forma a que este não chegasse antes dele...

Seriam precisas mil corridas de bicicleta para ver um verdadeiro profissional encenar uma lesão, de forma a, na conversão da penalidade prevista nos regulamentos, o adversário ser (indecorosamente) lesado...

No ciclismo, quando se cai é a sério... não é a fingir. E não é sobre o fofo de 7 centímetros de relva. E não chega uma maca para carregar o corredor à beira da estrada, com a corrida parada... para logo voltar à estrada são que nem um pero.

Esta parte toda para justificar que é muito diferente, porque os elementos dos quais partimos e sobre os quais assentamos a nossa opinião, não têm nada a ver...

Não me perdi nos argumentos. Estou a falar do caso-Roberto Heras.

Escrevi aqui, há uns dias atrás, o quão difícil seria aceitar que um atleta fora do comum, quando, com o seu objectivo à vista e praticamente garantido, pudesse cometer um erro tão grave como o de... deixar-se apanhar nas malhas do doping.

Escrevi-o em consciência. Dei exemplo de médias, de quilometragens, de corredores que em dias sucessivos e em condições que qualquer especialista reputaria de inadequadas... fizeram corridas exemplares.

E carreguei na tecla do não acreditar que Roberto Heras pudesse ter caído em tão primário erro.

Entretanto, com toda a gente a clamar a inocência do corredor, parte-se para a decisiva contra-análise.

Não seria a primeira vez que esta negava a evidência dada à luz pela primeira análise, mas aconteceu tão poucas vezes...

E somavam-se outras parcelas nesta conta que não admite ser de subtraír... é só somar!

O corredor em causa é, só... o chefe-de-fila de uma das mais importantes equipas do pelotão principal...
Essa equipa é dirigida só... por um dos mentores do projecto ProTour...
Este projecto, que no seu primeiro ano pouco mais foi que um fiasco (no que ao próprio projecto diz respeito), que continua preso por arames (leia-se: no fio da navalha até as três principais organizações quererem acabar com ele) e que só veio contribuir para um anunciado desmoronamento do ciclismo, pelo menos o europeu, tal como o viamos até ao ano passado... não poderia encaixar um escândalo deste tamanho...

Como a organização da Vuelta, apesar de tudo.

Apesar de estar no outro lado da barricada, no que respeita ao braço de ferro com o ProTour, não quereria ficar com essa... mancha.

E, por razões puramente corporativistas... este caso vai dar em nada.

O senhor Manolo Sáiz vai esquecer os princípios de ética que, em Maio, o levaram a despedir liminarmente e sem direito a defesa, um corredor que, provar-se-ia, estava - pelo menos daquele crime - inocente...

A púdica UCI, respira de alívio e começa, como é habitual, a assobiar para o lado, retomando o agradável passeio à beira do Lago Leman...

O próprio Roberto Heras, deixar-se-á cair estrondosamente no sofá da sua sala e prometerá a si próprio que nunca mais correrá riscos deste calibre...

... e eu avanço que o Roberto Heras nunca mais ganhará qualquer corrida importante.

E há ainda mais uma coisinha... quando, em França, se rebusca nos baús do tempo uma ponta de fio que seja para matar o mito Armstrong... em Espanha e com o beneplácito da UCI (e da AMA, ah, pois é... e da AMA, seja directa ou indirectamente) saca-se das labaredas da actual inquisição que faz uma marcação cerrada ao ciclismo... a mais importante marca norte-americana que está a investir no ciclismo. É bonito!...

Eu é que fiquei completamente baralhado! Sabia-os capazes de truques género brincadeira para animar um serão entre amigos, agora... magias de fazer o Luís de Matos mero aprendiz de ilusionista... isso vai-me custar a aceitar.

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