quinta-feira, novembro 17, 2005

9.ª etapa


Para os que acham os meus texto demasiado... enleados, dando voltas e voltas para ir ter a um sítio que até se percebe desde o início, abro o jogo: vou falar do caso Roberto Heras.

Não, não acho que venha atrasado. Acho, isso sim, que há assuntos que merecem algum cuidado quando os tratamos. E não venho tomar partido. Tenho a minha opinião, provavelmente expo-la-ei nos próximos dias. Nem venho, nesta etapa, acusar seja quem for.

Salvaguardo que não é nada de pessoal, porque até nem conheço a pessoa em causa. Sei é que, em 15 anos de ciclismo... nunca o vi. Nem de perto, nem de longe. Não obstante isso, permite-se opinar sobre uma questão que, obviamente, não pode perceber porque não faz a menor ideia da realidade da modalidade.

Mais ou menos, e depois de achar que isso dos ciclistas é trigo limpo que andam todos mamados, o especialista em causa alicerçou todos os seus argumentos num facto que ele, na sua fraca preparação, pensou inabalável...
Como foi possível o Roberto Heras ter cumprido um contra-relógio à média de 56 km/hora ??? (até falou em motoretas!)

Primeiro, não citou sequer, porque não sabe, que o Roberto Heras não ganhou esse contra-relógio. Logo, alguém, andou ainda mais depressa do que ele.
Logo aqui, neste ponto, em vez de dizer que é impossível um corredor fazer, de bicicleta uma média destas... devia (se soubesse do que escrevia) acrescentar... principalmente se for apanhado num controlo anti-doping.

Até hoje, o vencedor desse crono está fora desta história. Porquê? Aceitando como válido o raciocínio do tal escriba... não percebo.

Porque é que Fulano, só recorrendo ao doping , quando já tinha a Vuelta ganha, poderia fazer uma média daquelas... e Cicrano, que ainda fez melhor, tanto que ganhou essa etapa, nem sequer é mencionado, quanto mais olhado, por mais de soslaio que fosse, como também, eventualmente suspeito. Que ignora uma das partes (a de que Heras NÃO ganhou o contra-relógio...) é perceptível, que se limitou a apanhar a onda e gastar uma página de jornal para bater num atleta só porque, no caso, é ciclista... é evidente.
(Tantos casos de doping que há... porque é que só o ciclismo parace gerar apetências?)

E depois há vários outros perigos quando nos aventuramos a palpitar (no sentido de dar palpites - que não opiniões, em definitivo... não) sobre disciplinas que não conhecemos, quanto mais pretendemos dominar.

1.º - Estava lá? Reconheceu o percurso? Sabe quantas curvas, rotundas, quantas subidas e descidas tinha o traçado entre Guadalajara e Alcalá de Henares? Percebeu, no local, de que lado soprava predominantemente o vento? Sabe se a cota a que se situa Guadalajara é mais alta ou mais baixa do que a de Alcalá? Em suma... tem a mínima ideia de como era o contra-relógio?

2.º - Sabe que, hoje em dia, uma bicicleta de contra-relógio, cujo preço se aproxima, se é que não ultrapassa, a de um carro tipo utilitário, onde se montam cassettes de mudanças que, em condições ideais, qualquer corredor de categoria mediana faz, sem se esforçar muito, médias de 44 ou 45 km/hora? (Eu disse em condições ideais.)

3.º - É claro que não sabe. A ideia que tem do ciclismo pouco mais avançada andará do que aquela da pasteleira e do corredor com duas câmaras-de-ar cruzadas no dorso...

Mas, sinceramente, o que mais me tocou, foi o facto de toda a trama do comentário assentar no facto de um corredor - no caso o Heras, que até terá sido apanhado nas malhas do doping (mas ignorando olimpicamente, que o Heras foi segundo no crono, logo, que outro corredor andou mais rápido do que ele) - ter rolado a mais de 56 km/hora.

Só por causa disso, vou recordar algumas situações que, tivesse o tal cronista conhecimento delas - e bastaria ter lido diariamente o seu jornal - ficaria, definitivamente baralhado...

Não acusaria ninguém, porque não me parece do género de acusar, mas ahhhh!!!... que eram suspeitos eram...

Recordemos, então! (Estamos a falar da Volta a Espanha).

4.ª etapa, corrida entre Ciudad Real e Argamasilla de Alba. 232,3 km. A mais comprida das etapas da última Vuelta. Estamos no coração de Castilla-la-Mancha. Temperatura do ar: cerca de 44º centígrados (as etapas começam entre o meio-dia e a 1 da tarde e terminam por volta das 5). Quase 250 quilómetros em cima de uma bicicleta debaixo de um forno onde chegava a ser difícil respirar, o vencedor da etapa fez uma média de 41 km hora!

5.ª etapa, Alcazar de San Juan-Cuenca, mais curta - 176 km - temperatura... igual! Uma contagem de montanha a 12 km da meta e a 1100 metros de altitude, um zig-zag de doidos pelos mais de 30 arruamentos da cidade por onde a parte final da etapa decorre... chega um grande grupo, a chegada é discutida ao sprint. Média: 47,6 km/h... mais de 30 minutos de adiantamento sobre o horário previsto...

6.ª etapa, Cuenca-Valdeliñares, 217 km, meta a 1970 metros de altitude. Média final: 39,8 (!) km hora.

8.ª etapa, contra-relógio em Lloret de Mar. 48 km. Uma contagem de 3.ª categoria para o prémio da montanha, a meio. O Mar Mediterrâneo no horizonte, os ventos habituais quando em terra a temperatura teima em superar os 42º centígrados. Média do vencedor: 47,3 km/hora.

Último e definitivo exemplo (partindo do princípio que, quem ler isto, viu a etapa na TV).

15.ª etapa, Cangas de Onis-Alto de Pajares. Enganam muito os míseros 1500 metros de altitude. Sucedem-se as rampas de 17%, temperatura a partir do início da subida, inferior aos 10º. Temperatura no alto: 4º centígrados. Chuva. Nevoeiro. Vento cortante. Extensão da etapa: 191 km (quase 200). Média feita pelo vencedor da etapa que, 40 km antes tinha tido uma outra contagem de montanha (esta de 1.ª categoria) e que já era a 4.ª da jornada, antes derradeira até ao alto de Pajares... 39 km/hora (!)...

Apontar como principal factor de suspeita de que Roberto Heras podia estar dopado, o facto de ter cumprido um contra-relógio perfeitamente plano, sob uma temperatura amena, entre o ceu aberto e a amaeça de chuva, com o vento a favor e... supermotivado com o aproximar do final da corrida, e da conquista, para si, do recorde de vitórias na prova... isto sem contar com as possibilidades técnicas, ao nível da máquina que montava, que estavam à sua disposição, só demonstra uma coisa...

... o articulista em causa não percebe nada de ciclismo. Ninguém o avisou que as bicicletas já não levam bombas para encher pneus e que com duas rodas pedaleiras e uma cassete de 10 carretos, as máquinas têm, para todos os efeitos, 4 vezes mais desmultiplicações de velocidades que qualquer vulgar carro.

Mas o que interessava naquele artigo era cruxificar mais um ciclista. No mesmo jornal, aliás, como em todos os outros, os milhares de caracteres que vi sobre o caso Abel Xavier foram quase só para tentar explicar a presumível inocência do atleta. E depois... confirmado o uso de produto proíbido... fechou-se a loja.
Não mais se voltou a falar no assunto.

Quem quer apostar que na para a próxima terça-feira todos os jornais (incluindo o meu) já têm prevista uma página para tratar do positivo confirmado do vencedor da Volta a Espanha?

Sem comentários: