terça-feira, novembro 01, 2005

5.ª etapa


Muitas vezes, quando falo com amigos, de uma forma ou outra ligados à modalidade, já me têm dito: «Era preciso dar algum destaque às escolas de ciclismo, do esforço de algumas das Associações, de muitos carolas, para por os miúdos (e miúdas) a aprenderem, não a andar de bicicleta, mas a aprenderem o ciclismo.»

É quando me lembro que, de facto, há escolas de ciclismo, quase todas sustentadas pelas Associações. E às vezes não consigo disfarçar alguma ternura quando me mostram fotos e os vejo, pequeninos, quase mais pequenos que as bicicletas e com os capacetes que parecem enormes nas suas pequenas cabeças a (imaginando o movimento que falta nas fotos) pedalarem ziguezagueando de forma a contornar os pinos, aprendendo a passar por baixo de uma barra colocada a 60 cm do chão para apanharem alguma coisa do solo sem perder o controlo da bicicleta...

Um destes dias deixei escapar um reparo do qual logo me arrependi, meio comprometido.

«Ainda bem que as Associações assumiram esta parte da formação», disse eu, adiantando para esse amigo: «Se começam para aí a nascer escolas de ciclismo a pagar, como há já algumas dezenas de escolas de futebol...»

Fui interrompido pela sonora gargalhada desse amigo, acompanhada de uma bem assentada palmada nas costas que quase me fez dobrar os joelhos.

«Tudo isto são miúdos que os pais, antigos corredores, ou amantes do ciclismo, nos fazem aqui chegar. Não digo que os não tragam a pensar fazer deles Ullriches ou Armstrongs, mas estão bem cientes de que o ciclismo é algo diferente. Nessas escolas de futebol para miúdos, pagas, os putos vão a sonhar poderem vir a ser o Sá Pinto, o Nuno Gomes, o Vítor Baía... e os pais a sonharem que eles sejam o Cristiano Ronaldo. Não porque joguem bem à bola, mas para que aos 17 anos garantam o sustento de toda a família até ao fim dos seus dias com dois ou três contratos de 3 ou 4 anos... De preferência antes que eles decidam tomar o seu destino nas suas próprias mãos .»

Disse isto e mudámos de assunto. Contudo, eu fiquei a pensar.

Sei de quem pague 250, 300... 500 euros por mês para por um miúdo de seis anos numa das muitas "academias" de futebol (quase todas com ex-figuras da modalidade à frente, a ajudar a vender a ideia de que isso do futebol é como aprender a tocar viola: começa desde pequenino e, por muito tosco que seja, na pior das hipóteses aos 17 toca um arremedo do Concerto de Aranjuez tão bem como o Joaquin Rodriguez...)

Mais do que (independentemente da vaidade pessoal) querer dar ao miúdo algum prazer [o que o pai pretende] é tentar descobrir se tem ali uma pepita de ouro que lhe garanta uma velhice confortável.

Nas escolas de ciclismo, mesmo que os miúdos vão mais por vontade dos pais do que por vocação ou jeito nato, pelo menos a mais negativa das imagens que podem carregar seria a da escusada vaidade (dos pais). O lado mercantilista e o horrendo de se poder pensar que estão a investir dinheiro a pensar que, se der certo, podem reformar-se aos 35 para gerir a carreira do rebento... isso, garantidamente, está perfeitamente fora da realidade das nossas escolas de ciclismo.

2 comentários:

Jorge-Vieira disse...

Caro amigo Madeira:

Desde já o felicito por este blog que é dedicado à modalidade que eu mais gosto.
Como amante do ciclismo, como ex-director que fui de uma equipa profissional de ciclismo, como conhecedor de algumas realidades das escolinhas de ciclismo, e tendo algumas amizades com antigos ciclistas e actuais corredores e tendo neste momento um cargo numa associação que promeove o ciclismo/cicloturismo, não posso desde já deixar de concordar consigo no que escreve, dado que muitas dessas ideias já me vieram à cabeça como dirigente associativo e praticante, e não só, também em conversa com alguns treinadores das escolinhas e pessoas do meio (mecanicos, medicos....), já quase que fizemos varias tertulias sobre isso. Mas, como estamos em Portugal, o futebol domina, e todos os miudos sonham em ser os Figos, os Ronaldos, os Zidanes... e muitos outros que por aí andam.
Se compararmos o trabalho e esforço que um futebolista tem, mediante um atleta do ciclismo, o futebolista tem vantagem, pois não deve fazer a metade que um ciclista faz..... já para não falar em ordenados, que indiscutivelmente o futebolista leva vantagem.
É preciso também não esquecer que nessas associações que dão formação (eu tenho conhecimento de algumas), muitos dos custos com equipamentos e bicicletas são suportados pelos pais, o mesmo já não se passa na formação do futebol, por isso enquanto isto não mudar, enquanto não tivermos mais ciclismo na TV/Jornais e radios, isto dificilmente pode evoluir.


Jorge-Vieira

mzmadeira disse...

Obrigado Jorge Vieira, sobretudo por ter participado.