domingo, fevereiro 26, 2006

23.ª etapa


A Volta a Portugal-2005 ainda não foi homologada.

Não está em risco a vitória do russo Efimkin, nem as classificações, nem os prémios. Nada disso está em causa e não iria, como todos os de bom senso aceitarão, a mas importante corrida do nosso calendário ficar pendurada por um mero... pro forma. Falta uma deliberação do Conselho de Justiça. Um corredor, apanhado nas malhas do doping, será castigado (a pena seria a irradiação, mas ele, atempadamente, colocou um ponto final na carreira) e a classificação obtida no final do crono de Viseu (retirando-se-lhe o tal ciclista) será rubricada. Que não se construam, de um lado moínhos contra os quais marchar, marchar; nem do outro histerismos injustificáveis.

Lamente-se apenas (mesmo sabendo que as análises levam tempo; que, surgindo um positivo é preciso partir-se para a contra-análise, que ambém leva tempo; que, depois é preciso instruir um processo disciplinar e toda esta trama habitual) que a Federação Portuguesa de Ciclismo, seis meses depois do terminus da Volta ainda não tenha despachado o assunto.

Mas o caso homologação da Volta morre aqui... Não vale a pena incomodar o espírito de Miguel de Cervantes querendo aparecer a brincar aos dons Quixotes.

Outro tema que aqueceu a última pré-temporada foram os casos dos corredores que faltaram aos controlos fora de competição da iniciativa do CNAD.
Aqui convém vincar uma coisa: todas as instituições, nas quais há um elemento preponderante (em vez de um colégio democrático onde, entre as cabeças pensantes, haja uma ou duas que refreiem a tendência para a prepotência do indigitado-mor) caiem no vulgar (naquilo que o termo tem de pernicioso) de quererem dar nas vistas.
O CNAD tem "ene" possibilidades de mostrar serviço (e até nem precisa porque todos reconhecem a competência dos seus técnicos) sem enveredar por uma inexplicável perseguição ao ciclismo. Como se a modalidade albergasse, em exclusivo, todos os batoteiros do desporto nacional. Mas em frente.

Eu sei que no futebol as brigadas do CNAD se apresenta num treino de uma qualquer equipa com nomes pré-definidos (não me falem e sorteios que não me posso rir...) e, se um deles não se encontra, justificadamente, nesse mesmo treino, rapidamente escolhem outro. Nem se chega a saber. Porque é que no ciclismo, escolhidos 10, 12 ou 18 nomes, falhando um deles se parte para a marcação em cima? Das duas, uma: ou já saem com algumas certezas... ou existe uma manifesta má-fé.

Foram 16 (não dez ou 11, como se falou na altura) os corredores que o CNAD não conseguiu encontrar. Treze deles, comparecendo à convocatória do Conselho de Disciplina da FPC, levavam consigo elementos suficientes para justificarem o facto de não terem sido encontrados nos locais em que, supostamente, deviam ter sido encontrados. Aos outros três foram, porque as justificações não pegaram, levantados processos disciplinares.

E porque é que as justificações destes três corredores não pegaram? Vivemos num Estado de Direito, as Instituições têm que observar determinadas regras e, a verdade, é que nós, jornalistas, temos direito ao livre acesso à informação. Não no-lo nega a FPC e qualquer profissional (mesmo profissional, não arremedos disso, que polulam por aí às paletes) que se identifique como tal pode consultar os processos.

Não cito (porque não quero mesmo) passagem alguma desses processos que já vi. A instrução é clara e, não fora o erro grosseiro e indesculpável da própria FPC, os prevericadores estariam agora a cumprir castigo. O que aconteceu então? Foi provada a má-fé dos três atletas em causa, mas a FPC deixou que fosse o Conselho de Justiça a instruir os processos que depois iria julgar. O Direito é das coisas mais turtuosas que existe, mas quem se move à vontade no meio conhece todos os atalhos.

Para quem se deu ao trabalho de me estar a ler, avanço com um exemplo simples e simplista, que vemos em qualquer filme policial norte-americano da Série B. Mesmo apanhado em flagrante, se ao detido o polícia se esquecer de lhe ler os direitos qualquer estagiário de advocacia torna a prisão nula (eu avisei que o exemplo era simplista). O que aconteceu é que o instrutor do processo não pode ser o órgão que vai julgar o caso. Foi o que aconteceu e isto, e só isto, permitiu aos três atletas em causa sairem limpos da coisa.
A sua própria conscência os julgará. E o público em geral deve disto ter conhecimento. Safaram-se não porque estivessem inocentes mas porque o processo foi mal conduzido.

Entretanto, a Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais, perante uma notícia num jornal, qual virgem ofendida apressou-se a reagir na defesa dos batoteiros. Ainda assim, houve o bom senso de o não fazer Urbi et Orbi... apenas um pedido de espaço ao abrigo da Lei de Imprensa. Se a APCP tem algum advogado a trabalhar com ela, certamente não o consultou e avançou parvamente (eu sei exactamente qual o peso que cada palavra tem). Foi-lhe dada uma oportunidade de ficar quietinha, ao menos nestes casos que fique quietinha, e que os seus responsáveis consigam dormir descansados sabendo que se sabe que tentam defender o indefensável. Volto ao exemplo dos filmes de tribunal. Quem é que não sente asco pelos advogados que defendem aqueles que sabemos são culpados? Mas os advogados não podem recusar a defesa seja de quem for. Já uma associação de Classe não se lhe pode perdoar que queira enganar a opinião pública com argumentos mais que esfarrapados.

E foi asim que a temporada 2006 arrancou. Esperemos que os verdadeiros artistas, na estrada, consigam salvar o que ainda há para salvar no nosso ciclismo. E é ja tão pouco...

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