segunda-feira, dezembro 26, 2005

1.ª neutralização


Conheçia-o de há anos e não me sai da cabeça aquela vozeirão... Não consigo ignorar aqueles seus modos quase bruscos, a sua figura, diria... imponente. Metia respeito mas, depois que o conhessecemos, revelou-se-me um dos últimos sonhadores do jornalismo sem concessões. Ou era, ou não era... Sem padrinhos a quem obedecer... Com o à vontade de quem há décadas tratava, principalmente as modalidades (que eram chamadas de amadoras) por tu. Nomeadamente o basquetebol. Estou a falar do Vítor Hugo que nos fez a tremenda desfeita de nos deixar órfãos dos seus imensos conhecimentos, neste Natal. Atleta, treinador, cronista, colunista... Conhecedor respeitado, tanto que até um dos Governos da Nação o agraciou com a Ordem de Mérito Desportivo...
O Vítor olhou-me de alto a baixo a primeira vez que se deparou comigo como editor da secção Modalidades, mas logo funcionou uma certa empatia. Pelo lado dele, nunca o soube. Por mim... era um dos grandes nomes que já conhecia da rádio e lia, nomeadamente n'A BOLA.
Estando eu muito estreitamente ligado ao ciclismo, surpreendeu-me que o Vítor, há dois ou três anos, em conversa comigo, tenha dito, mais ou menos isto: «Ainda gostava de fazer uma Volta a Portugal!... mas faz-me falta aquele espírito quase de "cigano", de levantar as malas todos os dias e partir para outro lado...»
Soltei uma gargalhada. É quase o mesmo motivo que me faz apaixonado pelo ciclismo. E disse-lhe (atendendo ao estatuto que, afinal de contas, tinha): «Vítor, ainda vou arranjar maneira de encontrar uma função para si. Ainda faz uma Volta comigo!...»
Já não faz. Nem volta a escrever mais nenhuma das suas colunas. Nem a lamentar (e se ele tem - porque não deixa de a ter, só porque nos deixou - razão!): quão diferente é este jornalismo assente nos dados estatísticos da Internet. Sem que não se sinta o cheiro do suor dos atletas, se perceba a euforia dos triunfos e a profunda tristeza das derrotas. E, lá de cima, da tribuna, o Vítor era capaz de as diferenciar... Porque já antes as vivera.
Nos últimos tempos, o Vítor andava um pouco desanimado.
Ligou-me. Também eu estava, por motívos de saúde, fora do jornal. Disse-me que ia ter de ser operado ("Já é a 7.ª ou 8.ª que faço... mas um tipo quando se deita ali... nunca sabe se volta a levantar-se!..."). Parecia que estava a prever um desfecho menos feliz!
Vítor... houve uma coisa que não lhe disse, e agora lamento-o.
Uma pessoa com a sua experiência e conhecimentos nunca poderia estar errada. Aceitemos que cumpriu a sua parte, enquanto esteve connosco. Vou tentar que as suas ideias prevaleçam por mais algum tempo. Pelo menos... aquele que eu por cá me mantiver.
Até sempre, Vítor Hugo...

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