quinta-feira, dezembro 22, 2005

14.ª etapa


Depois da pequena história de Natal... e no dia em que percebi haver muita gente bastante admirada, quase diria chocada, por não constar nenhuma equipa portuguesa na lista das Profissionais Continentais, o que só cimenta a ideia que tenho de que, nem 1% dos que pretendem falar sobre ciclismo estão minimamente preparados para isso (e bastava lerem os jornais), vamos então tentar dissertar sobre o tema.

Comecemos exactamente por aí...

O ano passado (quero dizer, a época passada, que termina no final deste ano), numa decisão de todo disparatada - porque impensada - o pelotão português teve uma equipa no segundo escalão hierárquico do ciclismo internacional. Sei que a ideia não nasceu cá. Foi parida em Espanha. Mas nem o "génio" - que é mais um "sempre-em-pé" (nunca lhe acontece nada, apesar de à sua volta o chão ruir, as paredes caírem e os telhados virem abaixo - nem as "extensões" na Charneca ou em Manique, perceberam que era idiotice.

Os regulamentos são claros (mas há tanta, tanta, tanta gente que não conhece os regulamentos... que começo a ter sérias duvidas de se, mesmo gente com responsabilidades os conhecem) e nunca duas equipas com as mesmas cores e o mesmo patrocinador poderiam correr juntas numa prova... ora, se para a portuguesa o mais fácil seria correr em Espanha, que é aqui ao lado, e a outra é espanhola (e tinha também interesse, não só em mostrar o patrocínio, mas por a rolar alguns dos 24 corredores do seu grupo de trabalho... qual das duas ia ficar de fora?

(Diz-se, nos "mentideros" que a equipa mãe é que ficou de pagar a inscrição da... afilhada, como Profissional Continental e que nunca o fez. Que esta também não o fez e que ainda se negoceia nos corredores do faraónico complexo de Aigle, na rica e neutral Suíça, de forma a que se esqueça... o incidente.)

E, desde o meio da temporada que se sabia que na próxima época essa mesma equipa se inscreveria apenas como Continental. Os encargos são, significativamente, menores, os ganhos pessoais os mesmos; a divulgação da equipa só se faz mesmo por cá (até porque o seu chefe de fila exigiu - e viu esse desejo cumprido - ter no contrato uma cláusula que o liberta de todo e qualqur escalonamento que o seu director-desportivo faça para, seja que corrida for, que ultrapasse as lusas fronteiras), logo... as idas ao Chile e mais tarde a França... foi mais para disfarçar. Este ano já não acontecerão.

ESTAMOS, POIS, REDUZIDOS AO 3.º PELOTÃO INTERNACIONAL!...

É verdade. E com um excessivo número de equipas, diga-se. As dez que se apresentaram foram aceites pela Federação Portuguesa de Ciclismo. Algumas não inscreveram mais de 9 corredores e já dá para perceber que um, e só um objectivo, as mantém na estrada: a Volta a Portugal. Se na Volta podessem alinhar só com 5 elementos, muitas não teriam inscrito mais.

Estamos, posso dizê-lo,sem passar por papagaio porque ando nisto há década e meia... a um nível que fica ligeiramente abaixo daquilo que o ciclismo português era em... 1990. É a realidade.

Regredimos assustadoramente no tempo, mas também há explicação para isso.

A pequena "História de Natal" que vos deixei atrás, não é a única razão.

Para se ser ciclista - e para começar por baixo - é necessária, pelo menos, uma de duas qualidades. gostar-se muito do que se faz (e por isso não se olha a sacrifícios), ou ter-se de si próprio a (não vejo mal nisso) perspectiva de que pode vingar pela qualidade. Neste segundo grupo, actualmente, e tirando os três emigrantes, no pelotão doméstico chegam-me os dedos de uma só mão para os identificar. Os outros são tarefeiros, com o maior dos respeitos, porque muitos são chefes de família e têm de sustentar a casa; outros querem-no ser em breve e... a razão é a mesma. E ainda vai sendo mais fácil ganhar 300 contos por mês numa equipa de ciclismo do que numa de futebol, da 2.ª Divisão B para baixo. E a Internet acabou com os caixeiros viajantes.

Em 80% dos casos de ciclistas portugueses estamos, não tenham dúvidas, na presença de situações de sobrevivência. Acreditaram... e agora já não conseguem um lugar na Função Pública. Mas o espírito é o mesmo: cumprir apenas os servíços mínimos. Não há Caixas, nem baixas... mas se se diz que há uma lesão... descansa-se (mas ganha-se)... Dos esticadinhos 40 dias de competição que podiam fazer por ano... fazem-se 20... e no fundo do coração, sempre a esperança de que, na próxima temporada, caído em desgraça na actual equipa, haverá sempre outra que lhes estenderá a mão...

Com ciclistas desta estirpe... que ciclismo poderíamos ter?

Falta ambição, falta capacidade de sofrimento, falta dedicação... há casos de desonestidade. Digo-o eu!

E quase podia, agora, aqui, arrancar para outra História de Natal... esta versando sobre algumas "curiosas" actividades pararelas que dão a alguns mais dinheiro do que própriamente cumprir os mínimos que o patrão que os contratou lhes paga honestamente... apesar de, de quando em vez, aparecerem as tais "lesões" e até desistências muito a propósito porque há férias atempadamente marcadas (se calhar não contando terem sido chamados para aquela determinada prova)...


Vou continuar o tema noutra "etapa" para que isto mão fique demasiado longo...

obrigado por estarem a ler.

3 comentários:

José Carlos Gomes disse...

Estreio-me a comentar no seu blogue dizendo que concordo com o essencial do que escreve. Só há um aspecto em que tenho do que deixou aqui nesta etapa que não perfilho: a crítica à falta de conhecimento da realidade por parte daqueles que falam sobre ciclismo.
Concordo que haverá pouca gente a saber o que se passa no mundo velocipédico, mas a culpa não é de quem está de fora e gosta. É de quem faz parte do meio e não informa suficientemente aqueles que gostam de ciclismo, mas que estão de fora.
Apesar de ter só 27 anos, há mais de 15 que acompanho de tão perto quanto posso o ciclismo. Só que sei muito pouco da modalidade porque não tenho familiares no ramo e tenho reparado que a velocipedia portuguesa (pelo menos esta) é um mundo fechado sobre si mesmo, que passa de pais para filhos, sobrinhos, netos e primos e que ao grande público cabem umas migalhas de conhecimento do que realmente acontece.
Eu também sou jornalista, mas nas redacções por aonde passei nunca vi grande interesse na modalidade e quando havia era sempre dos mesmos que queriam continuar a ser sempre eles a cobrir as provas, mais pelo folclore lateral, pelos conhecimentos e pelas jantaradas do que pela modalidade. Que resulta daqui? Resulta que o público depende dos jornalistas para saber o que se passa, mas os jornalistas dependem das boas relações no meio para usufruirem do pós-etapas. Logo, o que vem a público é muito pobre e quase sempre elogioso.
Assim, mais o felicito pelo que aqui tem escrito. Espero que continue e que, com isso, ajude a revelar mais do nosso ciclismo.

mzmadeira disse...

Caro José Carlos Gomes, se o amigo tem 27 anos, tinha 12, quando eu me estriei no pelotão. Como nunca mais de lá saí... quem será o Jpsé Carlos Gomes?

Mas vou responder-lhe da forma mais honesta possível (e reconfesso-me extremamente agradado por ter um colega aqui, a participar)...

Zé Carlos, isso de serem sempre os mesmos... (jornalistas) a fazerem força para serem eles a cobrir as provas (as principais, pelo menos) não encaixa com a realidade. De forma alguma, antes pelo contrário... e, com a minha própria excepção e talvez a do João Santos (excelente companheiro e grande conhecedor, ele também), nos últimos 5 anos, NENHUM jornal, rádio ou televisão repetiu equipas, nomeadamente na Volta a Portugal, porque nas outras corridas... quantas houve que só eu cobri... (infelizmente, acrescento, porque fico ytriste com a ideia)...

Depois, e em relação ao folclore lateral, sinto-me perfeitamente ilibado. A não ser que considere que, na única competição desportiva que, claramente de raíz popular, reportagens sobre o povo que vê, que gosta e sustenta o espectáculo... seja folclore. Tem esta parte sido aquela a que as equipas, que tenho chefiado nos últimos três anos, se têm dedicado...

Quanto às jantaradas... ah!... confesso que tenho saudades, sim. Mas daquelas que EU apanhei, há década e meia, não as anteriores (quando o jornalismo, nomeadamente em termos de pressão de fecho - os jornais desportivos saiam 3 vezes por semana - nada tinham a ver como que acontece hoje. Hoje, eu chego à sala de imprensa 2 horas antes da corrida acabar e saio de lá cinco horas depois. Jantaradas? Felizmente tenho tido companheiros cinco estrelas, que me respeitam como mais velho, em idade e em experiência, mas que não é só por isso que ficam comigo... é porque fazemos mesmo uma equipa coesa.

Há 15 anos (e não reduzamos isso mais do que três ou 4 anos) é que eram as grandes jantaradas, mas não no sentido que, creio, usou a expressão.

Era quando eu, que não tenho pai, nem tio, nem irmão, nem cão nem gato qur alguma vez tenha andado de bicicleta, ficava (muito caladinho, ao contrário dos rookies de agora, que já sabem tudo), embevecido a tentar aprender tudo o que nomes ENORMES do nosso jornalismo velocipédico (eu digo alguns: José Neves de Sousa, Dias Neves, Guita Júnior, Boaventura Bonzinho, Martins Morim, Fernando Correia, Ribeiro Cristóvão, Costa Santos, Fernando Emílio, Abel Figueiredo) ficavam a discutir, à mesa do restaurante, mesmo que a conversa se prolongasse até às duas, três horas da manhã...

Não eram jantaradas de jarro de vinho. Era o normal jantar de quem tinha, tarde e a más horas, acabado de enviar o serviço para as respectivas redacções. E depois, sim, com um enorme respeito por parte dos recém chegados (eu, por exemplo) e uma inigualável solidariedade de quem já levava muitos milhares de quilómetros de estrada que acontecia aquela simbiose, quase perfeita. E foi onde aprendi quase tudo o que sei. Claro que, como me apaixonei pela modalidade (e se o amigo também gosta dela) acrescento que, quando ainda não havia internet e as notícias e informações à distância de um click... eu gastava um terço do meu ordenado a comprar jornais, revistas anuários e tudo, mas mesmo tudo para que, na Volta seguinte, quando os meus camaradas mais antigos falassem de um tal Vladimir Belli eu já saber na ponta da língua a cidade onde nascera, a data do nascimento, as equipas que representara e as vitórias que conseguira...

Hoje, tenho muitas vezes sentados a meu lado nas salas de imprensa da Volta quem não distinga as cores das camisolas das diversas equipas porque nunca fez, nunca quiz fazer, não gosta de fazer e, embora o mandem à Volta a passear assim como um prémio por se ter portado bem durante o ano... ainda assim aquilo não lhe diga nada!

Tive a felicidade de conhecer os últimos dinossáuros da imprensa (e rádio, que a TV naquela altura ainda era insípida no que respeita à cobertura da Volta) que se dedicavam a esta modalidade que aprendi a amar.

Hoje sei que, mais ano, menos anos, chegará a minha vez de ficar de fora. E tenho a certeza que, se falhar a Internet na Sala de Imprensa, não sobrará um colega que, em 5 segundos, diga quem foi o vencedor da Volta de há 10... ou mesmo 5 anos... ou que tenha na sua pasta de trabalho um canhone onde, noutros 5 segundos descobrirá quem foi o primeiro corredor que... há 55 anos venceu pela primeira vez uma chegada àquela mesma localidade.

Finalmente, o público não depende dos jornalistas. Nós existimos apenas em função daquilo que o nosso público precisa. Querem saber novidades de ciclismo? Temos de ser capazes de lhas dar. Segundo... as nossas informações dependem das boas relações no meio?
Mas não é essa a definição de JORNALISTA? Um jornalista tem de ter boas relações no meio sobre o qual escreve... tem de ter fontes, tem de saber conquistá-las, ganhar-lhes a confiança e fidelizá-las.
Os outros "jornalistas" são os que copiam os telexes das agências, copiam os press-release das empresas ou não são mais que "pés-de-microfone"... limitando-se a gravar o que a outra parte quer dizer e transcrever ipsis-verbis para o papel... mas isso não são "jornalistas"... qualquer pessoa pendura um gravador à beira da boca de outra e depois, "religiosamente" transcreve palavra por palavra o que ficou registado... (quando não faz ainda o favor de retocar uma ou outra frase que a outra parte, entretanto, telefonando ao aprendiz de escriba, lhe diz que seria melhor "que saísse assim e não assado"...

Voltando ao princípio, e renovando a minha sincera alegria por estar a trocar impressões com um colega mais jovem (que eu gostaria de conhecer, pelo menos saber quem é), Zé Carlos Gomes... ser jornalista é a profissão mais bonita do Mundo. Ganhar-mos um lugar a partir do qual sejamos ouvidos (ou lidos) e respeitados, deverá ser o nosso grande, único mesmo, objectivo... com uma única condição: sermos honestos para aqueles que são a verdadeira razão da nossa existência: os nossos leitores (ouvintes).
Por muito melhor que estejamos... integrados no meio. Isso serve para sabermos as notícias, nunca para as escondermos do nosso público.

No Cyclolusitano tens forma de me contactares em privado, ou com uma mensagem, ou por e.mail... que está lá indicado. Gostaria de saber quem és, e de falar sobre estas questões contigo.

Um grande abraço e... UM BOM NATAL!
Bem Hajas!

José Carlos Gomes disse...

Já entrei em contacto, através das mensagens privadas do cyclolusitano.