"ALENTEJANA" RECUPERA
O CONTRA-RELÓGIO INDIVIDUAL
Está definida a 25.ª edição da Volta ao Alentejo em bicicleta, prova do calendário do Circuito Europeu da UCI (corrida 2.2). A Alentejana, como há muito foi cognomizada, cumpre este ano as suas Bodas de Prata e conseguiu manter, ao longo das 24 edições já disputadas, uma característica que - não o posso garantir, mas aceito como correcta - é única no mundo velocipédico: nenhum corredor logrou repetir um triunfo. 24 edições, 24 vencedores diferentes. Será desta vez que a tradição vai ser quebrada?
Este particular leva, ano após ano, à repetição do sentido de textos em todos os OCS, exactamente porque não é normal acontecer. Será este ano? voltará, quase de certeza, a ser usado como título numa das primeiras peças de todos os enviados ao Alentejo, se não prevalecer a moda que vai pegando de seguir a corrida via internet em vez de se o fazer lá, no terreno.
Estreei-me na Alentejana em 1995, há 12 anos, na edição em que o russo Asiat Saitov vestiu a camisola amarela na 1.ª etapa, em Beja, e a levou até ao fim. Fiquei a devê-lo ao meu editor, na altura, n'A Capital, o José Manuel Delgado - hoje companheiro na redacção d'A BOLA que, a muito custo, lá convenceu a direcção do jornal que a Alentejana era uma corrida para ser coberta no terreno.
Apanhei, portanto, ainda a parte final de toda uma outra tradição que, entretanto se foi perdendo, a dos longos convívios pós-trabalho, que juntavam ao jantar toda a gente à mesma mesa, dos presidentes de Câmara aos homens das barreiras, passando pelos jornalistas. Noites de estórias que se somavam, onde eu, recém chegado, ia, avidamente, somando informações. Conversas de igual para igual, entre os trabalhadores não-diferenciados que, voluntariamente, montavam e desmontavam pódios e barreiras, que marcavam a estrada - ainda era a balde de tinta e trincha na mão, marcando a branco o negro do asfalto escaldante - e os doutores e engenheiros, representantes dos municípios. Sempre com os jornalistas enviados de Lisboa a sentirem-se, dia-após-dia, também eles alentejanos.
Eu sou alentejano e os sentimentos eram diferentes. Sentir, por exemplo, que os melódicos cantes dos grupos corais, que os cheiros das searas, molhadas duante a noite por inesperados orvalhos, ou o das terras de barro do meu Baixo Alentejo, mexiam comigo. Que me faziam sentir que aquela era e será sempre a minha terra.
As noites abafadas, nas quais havia sempre ainda uma horinha ou duas para nos juntarmos em pequenos grupos, em qualquer lugar que estivesse ainda aberto, ouvindo as anedotas do Teixeira Correia que nos levava às lágrimas de tanto rirmos...
No ano seguinte, em 1996, nova experiência arrebatadora. A presença do rei Miguel Indurain que se apresentou no Alentejo como o primeiro homem a ganhar cinco Tour consecutivos. O meu espanto ao vê-lo fazer, de bicicleta, o percurso hotel-partida. A sua enorme paciência e disponibilidade para, de cinco em cinco metros parar, fosse para dar um autógrafo, fosse para que um qualquer pai baboso tirasse uma fotografia do seu rebento ao lado do Indurain. Sem uma recusa, sem que aquele seu sorriso, meio fechado, é verdade, mas era mesmo assim, se apagasse. Um rei plebeu, que se sente bem entre o povo, escrevi eu na altura nas páginas d'A Capital.
Depois fui somando voltas ao Alentejo atrás de voltas ao Alentejo.
O crono quase suicída de Cechu Rubiera, num dia de chuvada monumental, que lhe valeu o triunfo. As quatro etapas (em cinco) ganhas por Manuel Sanroma, que viria a falecer muito pouco tempo depois, na sequência de uma queda, na chegada de uma etapa da Volta à Catalunha. A estreia do Cabeço do Mouro (Portalegre) como final de etapa, ou aqueloutra chegada bem no alto da Serra de São mamede, junto às antenas das televisões e outras de telecomunicações. 400 ou 500 metros finais de cortar a respiração...
Os almoços à pressa na Gruta (Portalegre) do meu grande amigo Felício, e os jantares prolongados no Rolo (também em Portalegre) ou, mais recentemente, no Quarta-Feira, de outro grande amigo, o Zé Dias, em Évora. As sucessivas estadias no Hotel D. Fernando, ainda em Évora, onde todos os empregados já me tratam pelo nome... Histórias mil, que não cabem, nem nesta página que não está sujeita a limites de caracteres.
Em ano de Bodas de Prata, a organização agendou este ano uma série de eventos paralelos, como uma homenagem a todos os 24 vencedores da prova...
A BOLA já havia publicado um trabalho do Fernando Emílio (outro alentejano) sobre a próxima Alentejana, mas há bocado o Teixeira Correia (alentejano também, claro!) chamou-me a atenção para o seu artigo no site da Rádio Voz da Planície (www.vozdaplanicie.pt), rádio que o ano passado conseguiu transmitir a parte final da derradeira etapa a partir de... um helicóptero da Força Aéria!
Naquela página há mais novidades, deixo só aqui o quadro de etapas, sublinhando o facto de Serpa, a minha terra natal, voltar a receber uma chegada de etapa. Quero lá estar.
ETAPAS
11 de Abril: Santiago do Cacém-Odemira
12 de Abril: Zambujeira do Mar-Alcácer do Sal
13 de Abril: Moura-Serpa (1.º sector)/Salvada-Beja (cri, 2.º sector)
14 de Abril: Redondo-Portalegre
15 de Abril: Évora-Évora
6 comentários:
caríssimo Manel
gostei de ler a sua peça sobre a "alentejana" de onde transborda emoção e alguma saudade. Adivinhei?
Na Volta deste ano houve também alguns dos momentos que falou na sua crónica.
Se bem que não envolveram toda a comitiva da volta, os jantares deste ano juntaram todas as noites quase todos os elementos da Comunicação Social (pelo menos o dos meios maiores) e, obviamente, eu e o Zé! Foi muito gratificante percorrer o país liderados pelo saber do Fernando Emílio. As suas estórias, tiradas e expressões só não marcam quem não o conhece!!
O Manel teve oportunidade de experimentar um desses jantares (lembra-se?). Se bem que foi na Portugália, em Lisboa, aquele ambiente repetiu-se ao longo de todas as outras etapas.
Caso se repita a nossa ida à Volta este ano, espero vivamente voltar a contar com a sua presença.
um abraço para o Amigo Manel!!
Pedro Caetano
Caro pedro, já não aparecias há algum tempo.
Sentiste emoção ali, porque ela está lá... há coisas que não se explicam. Sentem-se apenas.
Em 1995, quando fiz a minha primeira Alentejana eu não ia ao Alentejo para aí há uns dez anos.
Saíra menino de 10 anos e voltava homem feito para, na verdade, pela primeira vez conhecer outras cidades e outras vilas que não Serpa.
No fundo, Pedro, acho que senti - e continuo a sentir, embora agora as visitas sejam bem mais amíude - aquilo que os emigrantes sentem quando regressam à sua terra.
Mas, nessa altura, experimentei mesmo essa estranha - e impagável - sensação de que voltava ás minhas raízes.
Isto só pode acontecer no Ciclismo. Porque envolve sempre deslocações de, pelo menos, cinco dias. Não é ir e voltar.
E estas estórias, que durante algum tempo merecem honras de "embargo" - termo perfeitamente em desuso, hoje em dia - que significa termos acesso a uma informação mas, por compromisso, termos de aguardar pelo momento certo para a divulgar.
Há estórias que têm que ser "minhas" durante algum tempo, antes de as revelar a quem as possa vir a ler...
Calhou agora.
E em relação ao Ciclismo, tenho a sorte de ter um Director que também por lá andou. Filho, aliás, de um dos nossos melhores cronistas, o Homero Serpa.
E, já aconteceu algumas vezes, eu e o Vítor Serpa ficarmos alguns minutos a falar das nossas experiências no Ciclismo.
E, por mais de uma vez, o Vítor escreveu no jornal que, para que um jornalista se imponha enquanto cronista tem, indispensavelmente, que passar pelo Ciclismo. Pela Volta a Portugal.
Infelizmente - é o reverso da medalha - hoje em dia, espaços nos jornais, timmings (antigamente os desportivos saiam só três vezs por semana) e mais um punhado de factores tornam quase impossível uma sucesão de boas estórias extra-ciclismo. Mas eu não tenho razão de queixa. O Miguel cardoso pereira, que bem conheces, é um jovem exímio contador de estórias e já fez excelentes trabalhos na Volta...
E, de repente, sem ter nada a ver com isto, lembro-me de uma canção de um grupo que, se não me trai a memória, se chamava Bangles (ou qualquer coisa parecida) que, no início dos anos 80 do século passado pôs cá fora um disco que dizia "Video killed he Radio Stars"...
Hoje, a internet está a matar, devagarinho mas a matar, o jornalismo.
Mais perto do que nunca do Mundo, no seu global... estamos cada vez mais distantes - usando parte de um slogan da TSF - do fim da nossa rua...
E a reportagem pura vai perdendo terreno e espaço...
Mas pronto, isto foi mais um desabafo.
Um grande abraço para ti Pedro. E, já agora, faço-te portador de um outro para o Zé.
Não vos quero fazer inveja... mas, sendo importantíssimos e muito úteis, em termos de uma aproximação e troca de experiencias, os encontros de hoje já não são como o eram nos meus primeiros tempos.
Dizendo de outra forma - e o caso do Fernando Emílio, com mais de 25 Volta feitas será excepção - as estórias que vocês me ouviram contar, por exemplo, já eram estórias que eu tinha ouvido contar.
Ao menos que esta cadeia de transmissão de velhas estórias sirva para "prender" ainda alguma gente ao Ciclismo.
Ah!... Vou estar na próxima Volta. De certeza. Desde que tenha cuidado a atravessar a estrada para não ser atropelado!... (brincadeira mesmo!...)
ehehe....é óptimo saber que o "velho" manel estará de Volta!
Provavelmente não se recordará tão bem como eu, mas por ter falado no seu director houve uma história que me veio à memória.
2ª etapa da edição 2005. Chegada à Figueira da Foz. Vitória de Cândido ao sprint. A sala de imprensa dessa etapa foi no Casino da Figueira..
Quando o meu trabalho acalmou e tive um tempo livre para ler A Bola, às tantas fiquei deliciado ao ler o texto do Director. Nele exaltava as virtudes do Ciclismo e afirmava que para que um jornalista se pudesse afirmar como tal necessitava de, pelo menos uma vez, acompanhar a Volta a Portugal.
Assim que vislumbrei uma oportunidade (neste caso uma pausa para um cigarro), abeirei-me do Manel e do Pedro Figueiredo e, timidamente, perguntei-vos se já tinham lido o texto do vosso Director. Recordo-me bem da vossa reacção... gratificação da sua parte e enorme alegria e orgulho por parte do nosso Fígas (afinal era a sua estreia)!
Quem diria que nesse mesmo dia, no final da jornada de trabalho, iriamos partilhar a mesa de jantar e dar início a uma bela Volta?
Um abraço!!
Um traçado muito bonito, e mais do que isso, inovador...
Meu Caro Manel
O Pedro cumpriu bem as suas funções de portador do abraço que me enviaste e, como tal, não podia deixar de dar aqui um salto e:
1) Deliciar-me com a tua escrita, sempre cativante, na sua vivacidade e, e traço meu preferido, mordacidade, por vezes.; e
2)Vir cá de viva voz mandar-te o meu forte abraço e dar-te conta da minha alegria por saber que a Volta volta a contar contigo este ano.
Como se não bastassem todos os outros, fiquei com motivação acrescida para voltar a ir.
Um enorme abraço do teu amigo Zé Leitão
Zé, meu Caro Amigo,
fico contente por ter notícias tuas. Um grande abraço e... até um dia destes, numa qualquer Sala de Imprensa, em qualquer sítio deste país.
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