terça-feira, fevereiro 16, 2010

ANO V - Etapa 33

A SEMANA ALGARVIA

Arranca amanhã mais uma edição da Volta ao Algarve que, tal como acontecia antes das directivas da UCI reduzirem as provas internacionais a cinco dias - a única excepção era a Volta a Portugal, e isso temos que o agradecer ao dr. Moreira Lopes (eu não estou aqui só para 'dizer mal') -, tinha uma semana de duração daí ter sido cognomizada de Semana Algarvia.

Hoje, rectificando... de há quase uma década para cá, a mais importante, pelos nomes que atrai ano após ano, Corrida realizada em território português.

Ainda é cedo para pensar em escrever as minhas memórias, mas tenho muitas estórias para contar. Nomeadamente em relação à Volta ao Algarve. Creio que a primeira que cobri ainda era presidente da Associação de Ciclismo do Algarve o malogrado Zeca Teixeira...

Homem amante da modalidade a quem o Ciclismo algarvio muito ficou a dever mas que, à boa maneira portuguesa herdou um modelo de corrida e o único objectivo era o de manter viva a Corrida. Não andava, nem para a frente, nem para trás... Cumpria-se.

Como se cumpriam as voltas ao Alentejo, a Alentejana, ou ao Minho. O Grande Prémio Abimota ou o Troféu Joaquim Agostinho tendo sido esta - é sempre bom recordar, para não dizer revelar às novas gerações - a primeira Corrida portuguesa inserida no Calendário Europeu, numa altura e que este ainda se dividia entre dois: profissional e amador.

Foi a equipa de Francisco Manuel Fernandes a primeira a trazer, de facto, nomes sonantes do Ciclismo europeu a Portugal, campeões de outros países. Os 'amadores' das antigas URSS e RDA.
Mas esta é outra história.

A FASE MEGALÓMANA DA PAD

Depois de ter sido criada em 1998 para concorrer com a então 'senhora' das principais Corridas, a SportNotícias 'braço para a organização de provas' do, também então, maior jornal português, o JN, a PAD, que só em 2001 ficou com a Volta dada a cláusula de preferência que a SportNotícias accionou para ainda organizar a Volta de 2000, a nova empresa - e na altura eu, entre vários outros jornalistas de Ciclismo, alertei para o erro que estavam a cometer - decidiu pegar em tudo o que mexesse. E tomou conta da Volta ao Alentejo, da Volta ao Minho... e da Volta ao Algarve. Que, ironia das ironias, foi a primeira que deixou cair.

Creio que isto coincide, mais ou menos, com a chegada do meu caríssimo amigo Rogério Teixeira à presidência da ACA. Mês e meio, dois meses antes de a corrida ter de ir para a estrada, não só não estava nada delineado como a PAD anunciava o seu desinteresse pela prova.

Atenção, esta PAD de que falo ainda não era a de João Lagos e Joaquim Gomes!

Mas nessa altura já a Semana Algarvia dava a todos nós, que vivíamos o Ciclismo por dentro, a certeza de que era a corrida portuguesa com maiores potencialidades em termos internacionais.


O 'finca-pé' de que a Volta a Portugal TEM que ser em Agosto por causa da visita à nossa terra dos nossos emigrantes - ainda há quem não tenha percebido que os anos 60 do século passado já levam mais 50 em cima -, nem com a passagem da Vuelta, em 1994, de Abril para Setembro, convenceu, e creio que ainda hoje não perceberam, que a Volta, para se regenerar, precisa encontrar outra data.

Claro que não em Fevereiro.

Mas a Volta ao Algarve, mesmo com a Volta à Andaluzia, aqui ao lado, em Espanha, essa tinha que agarrar esta data.

E sabem quem a salvou?
O homem que aguentou a 'velha' PAD até ao fim.
Esta Volta ao Algarve existe porque Francisco Nunes, já fora da PAD e quando a empresa deixou cair a Corrida foi, graciosamente, dar uma mão à ACA, do Rogério Teixeira.
Eu estava lá.

Eu estiquei cabos telefónicos e extensões eléctricas, montei cavaletes e pus-lhe tampos em cima para servirem de secretárias para os colegas jornalistas trabalharem.

Eu chegava ao local da sala de imprensa e dava com... nada. Ligava ao Rogério, ele ligava aos responsáveis locais e, muitas vezes, só em cima da hora as coisas eram montadas. Acredito que muitos dos colegas que acompanharam essa volta nem se tenham apercebido, mas o Rogério sabe que foi assim.

A SORTE HÁ QUE SABER MERECE-LA
(E TRABALHAR MUITO POR ELA!...)

Ultrapassada essa edição crítica - foi, não foi Rogério? - a Volta ao Algarve, quase sem precisar de grandes manobras de bastidores (embora haja quem sempre vá defender que teve papel preponderante) cresceu.

Porquê? Porque às primeiras equipas de plano médio que cá vieram - e estou a ser... brincalhão, porque a ONCE de Alex Zülle ou a Telekom de Andreas Klöden eram das maiores do pelotão internacional - lhes agradou a corrida.

Etapas para rolar, montanha de média dificuldade, um crono sempre bem desenhado, tudo isto sob o 'chapéu de chuva' de um clima ameno, pese embora tenha havido históricos dias de invernia monumental, nomeadamente nas chegadas ao alto da Fóia e, posteriormente, ao alto do Malhão. Mas o Algarve sempre ofereceu, por exemplo, condições de alojamento para as equipas muito acima da média. Mesmo, ou neste caso específico, até, às oferecidas pela Andaluzia. Tudo isto junto compunha um bouquet perfeito.

Os responsáveis pelas equipas que cá vinham falavam com outros e, de repente, fosse isso possível e a Volta ao Algarve teria albergado todo o pelotão do então ProTour.

A vinda de Lance Armstrong, quando se preparava para atacar o hexa no Tour de França, isso então ditou o destino da prova.

A prova que a PAD deixou cair.
A única que, hoje em dia, lhe daria dinheiro.
São as voltas que a vida dá.

CÂNDIDO x SEIS

Como referi lá mais para trás, há muitas estórias para contar sobre as Voltas ao Algarve que eu cobri, sendo que, naturalmente, nos convívios de fim-de-dia com colegas mais antigos ouvi outras tantas histórias que às minhas posso acrescentar.

Tristes, umas... como a que nos roubou antes de tempo o eterno Joaquim Agostinho, ou, alguns anos mais tarde - pese embora tenha sido numa etapa que passava pelo Baixo Alentejo, foi numa Volta ao Algarve - a morte, após ataque em sprint a uma meta voante em Castro Verde, de José Zeferino, irmão de Manuel Zeferino.
Não vou por aí...

Batem-se os meus conterrâneos alentejanos - e isto não é para os contrariar - que a Volta ao Alentejo é a única Corrida no Mundo que tem por vencedores o mesmo número de edições da prova. Oficialmente assim é, mas quem tiver coragem para o assumir, como eu o faço, que dê a mão à palmatória.

O Hector Guerra venceu duas.
A primeira, ao serviço da espanhola Relax foi-lhe sonegada após cenas verdadeiramente indescritíveis de ofensas verbais e 'chega-pra-lá' ao nível físico de que, ainda hoje me envergonho.
A segunda venceu-a ao serviço da Liberty Seguros...
Esta valeu!

Agora, muito sinceramente, não sei se já houve alguma Corrida de seis etapas ganha por um Corredor que as venceu... todas.
Há!
A Volta ao Algarve!

Foi em 1997 quando o então menino - tinha 21 anos mais dois meses - Cândido Barbosa fez o pleno. E o pleno é mesmo pleno.

Ganhou as seis etapas sendo que uma delas foi um contra-relógio e outra terminou no alto da Fóia.
Representava a Maia-CIN.
Nesse mesmo ano transferiu-se para a Banesto, já não do Miguel Induraín, mas do Abraham Olano.

Acho que li que o Cândido não vai participar este ano. Provavelmente já não participará em mais nenhuma...
Não se esqueçam de o homenagear.

E termino com aquilo que faltava à nossa Volta ao Algarve...
Depois de meias dúzia de oportunistas (alguns introduzidos por... 'amigos') que gravavam as etapas e depois as vendiam à RTP ou SIC que as passavam sempre fora d'horas - ok ok, eu sei que houve alturas que passavam no telejornal da noite - eis que, finalmente, a Volta ao Algarve tem, este ano, direito a cobertura por parte da EuroSport ainda que no Canal 2 - no primeiro 'mandam' os Jogos Olímpicos de Inverno - ao qual, também sei, nem todos têm acesso...

Eu tenho... em casa. Por isso só no fim de semana vou ver.
Mas com a EuroSport agregada, já nada parará esta Semana Algarvia.

Um abraço apertado ao Rogério e ao Bernardino (e a todos os outros obreiros desta Corrida que é o nosso orgulho), bom trabalho a todos os companheiros que aí estão de serviço e...
... que saudades eu tenho de estar estar aí!

Sem comentários: