'SACODE' RESPONSABILIDADES
Voltemos à questão do policiamento das provas desportivas, concretamente das provas de Ciclismo que, pela sua especificidade - impossível de não ser reconhecida -, é evidente que não se enquadra no Decreto-Lei n.º 238/92. Nem era isso que estava... está em causa. O que realmente está em causa é o reajustamento da legislação de forma a abarcar, também, o Ciclismo.
Por isso, a primeira reacção da Secretaria de Estado da Juventude e dos Desportos (SEJD), ao apelo da Associação de Ciclismo do Minho (ACM) nem tenta esconder o que todos podemos ver que é... um sacudir a água do capote.
Ao apelo da ACM - para que se avance no sentido da alteração da legislação em vigor - a SEJD pediu um parecer ao Instituto do Desporto de Portugal que, através do seu Gabinete Jurídico e de Auditoria, produziu a brilhante conclusão de que "existe um vazio legal" em relação à matéria em causa.
Qualquer pessoa que saiba ler, e entender o que lê, sabe há séculos que o Ciclismo está fora do espírito legislativo do referido Decreto-Lei.
Nem a ACM, nem os agentes ligados à organização de Corridas de Ciclismo, o ignoravam.
Nem ninguém que se interessa pela modalidade.
O que se pretende é que seja reconhecido ao Ciclismo o mesmo direito de ser praticado que é pacífico em relação às demais modalidades desportivas.
Em mais nenhum aspecto, desde o simples pagamento de taxas de inscrição de praticantes até ao normal - e fora desta discussão - pagamento de impostos ao Estado, o Ciclismo é diferente das outras modalidades. Só o facto de ter que ser praticado na via pública.
O curioso, e provavelmente só quem tem uma ligação mais profunda com o Ciclismo o saberá, é que, dada a mesma especificidade de que já falei, o percurso de uma Corrida de Ciclismo é neutralizado em termos de, por exemplo, Código da Estrada sendo que, no espaço que vai ocupando ao longo da estrada - pese embora o bom senso recomende que se respeite o que diz o Código - ninguém é penalizado por circular em contra-mão, ninguém é penalizado por passar um traço contínuo ou não respeitar as indicações de velocidade... e adiantaria aqui mais uma dúzia de exemplos...
O Código da Estrada obriga os utilizadores de bicicleta a circular numa única fila, por exemplo.
Olhem a massa formada pelo grande pelotão!...
O Código da Estrada pode proibir descer a Serra da Estrela, das Penhas Douradas para Manteigas a mais de 30 km/h...
Os Corredores fazem-no a 110 km/hora.
O Código da Estrada pode proibir que se circule a mais de 50, nalguns casos, 40 ou mesmo 30 km/h dentro das localidades. Um bom sprint atinge os 70... 75 km/hora!...
Vale esta divagação para tentar fazer ver, a quem, aparentemente, nada percebe de Ciclismo - nem se preocupa em falar com quem os poderia elucidar - que já há um reconhecimento de excepção, em relação à modalidade. Então... o que é que é preciso para reconhecer que o Ciclismo precisa, tem esse direito, de ser equiparado às demais modalidades em termos de policiamento?
As provas realizam-se na Via Pública.
Falsa verdade, como atrás, creio, ter deixado provado.
Usa a Via Pública, mas em forma muito particular, é evidente.
A velha Estrada Nacional n.º 2 - a mais extensa da nossa rede viária - que liga Chaves a Faro, nunca estará totalmente ocupada por uma Corrida de Ciclismo. Será ocupada, num espaço que dificilmente ultrapassará os três ou quatro mil metros e que, ainda por cima, é neutralizado em termos de legislação de trânsito; depois, atravessa - e estou a usar este exemplo aleatoriamente - vários concelhos, mais freguesias ainda, a maioria dele(a)s servidas com postos da GNR ou esquadras da PSP.
Levam, os Corredores - e isto só nos Concelhos de maior área geográfica, que ficam todos, ou a grande maioria, a Sul - na pior das hipóteses... UMA hora a passar.
Num jogo de futebol, que dura 90 e qualquer coisa minutos, mas que tem que ter segurança policial, seja da GNR ou da PSP, desde três horas antes até, pelo menos, uma hora depois, o policiamento é comparticipado pelo Estado.
Por todos nós, incluindo os Corredores e Equipas, enquanto pagadores de impostos.
Os 30 minutos que um pelotão leva a percorrer, por exemplo, o meu Concelho de residência, que atravessará sete freguesias com, pelo menos (não estou certo) quatro postos territoriais, entre PSP e GNR, não ocupando nenhum grupo de agentes ou soldados mais do que, e fixemo-nos nos 30 minutos, tendo em conta fugas e atrasados, tem que ser pago directamente, e exclusivamente, pelo organizador, se - e isso pode acontecer - ao mesmo tempo, em cada uma dessas sete freguesias estão a decorrer sete jogos de futebol e, elevando o exemplo ao exagero, sete jogos de hóquei em patins, outros sete em andebol e ainda mais sete em basquetebol... que o Estado custeia?
É este o cerne da questão.
Não a má redacção - ou má interpretação do que é uma manifestação desportiva - de um Decreto-Lei.
E, quando se pede à SEJD que faça alguma coisa para eliminar esta descriminação, esta passa a bola a um organismo que está sob a sua tutela, e este, naturalmente, emite um mui La Paliciano parecer a falar de um "vazio legal"...
A isto chama-se atirar areia para os olhos dos não informados.
Os informados chamarmo-lhe-íamos outra coisa...
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(E que me dizem, em relação a esta problemática, do ensurdecedor silêncio que emana da Rua de Campolide?!...)
3 comentários:
Argumentação e ponto de vista muito esclarecedor!!!
Nunca tinha visto a questão por esse prisma. Obrigado Madeira.
Excelente post.
Há que pensar num conjunto de soluções para resolver este problema, e na união da familia do ciclismo, para se resolver isto da melhor forma e podermos estar em igualdade de condições com outras modalidades.
É impressionante a fatia de um orçamento de uma corrida que vai direitinho para a policia.
Não pode ser o ciclismo a sustentar a policia.
Se isto continuar assim receio o futuro da modalidade e do ciclismo de formação.
A prova de Pero Pinheiro que iria acontecer recntemente para os Juniores não se irá realizar exactamente por faltar 1100 euros para pagar o policiamento.
A prova era um simples circuito. que não envolvia grandes meios policiais..
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