segunda-feira, março 23, 2009

II - Etapa 355

NINGUÉM MORRE
ENQUANTO ALGUÉM SE LEMBRAR DELE
(Ou o estranho caso do Fernando Mendes!)

Era eu menino e moço quando, através dos jornais - na altura os 'grandes' eram A BOLA e o Mundo Desportivo - tomei pela primeira vez contacto com o Ciclismo. Já era do Benfica.

E, em jeito de brincadeira, costumo dizer que sou do Benfica porque o meu pai é do Sporting...

Falo de quando teria 9 ou 10 anos. Em início da década de 70, no Século passado.

O "rei" era, naturalmente, Joaquim Agostinho, mas como benfiquista eu 'torcia' pelo Fernando Mendes e é com agrado que sublinho aqui a profunda amizade pessoal entre os dois grandes 'monstros' - se é que o Agostinho deixava lugar no 'pódio' - dessa altura.

Mas é verdade, eram tão amigos que cada um deles convidou o outro para padrinho dos seus filhos.
Passaram os anos.

Joaquim Agostinho teria sempre, por tudo o que fez, lugar no panteão dos desportistas lusos, mas que é verdade que a fama tem sempre qualquer coisa a ver com o momento (e as causas) em que se morre, isto não admite contraditório.

O Campionissimo, orgulho de todos os amantes da modalidade, desgraçadamente teve antecipada a sua morte.
Na estrada. Em competição. De amarelo vestido.
(Desculpem... a história assim o recordará para sempre!)

Fernando Mendes não! Faleceu já com uma idade avançada e foi vítima de um acidente cuja responsabilidade até lhe pode ser imputada.
O carro que conduzia foi colhido por um comboio numa passagem de nível, perto de onde morava, ali para os lados de Santa Maria da Feira.

Este meu artigo não é contra ninguém...

Não é mais do que a triste constatação do quão pouco valemos enquanto seres humanos, malgrado possamos ter sido, em dada altura da nossa vida.
Mesmo figura com direito a ser idolatrada.

Numa última alusão ao Joaquim Agostinho que, é concensual, se mantém como a grande figura do Ciclismo português...

... ele ganhou, justamente, o direito a ser imortalizado com a realização de uma corrida anual que leva o seu nome e deixa na sombra a designação oficial da prova. Que é a do Grande Prémio Internacional de Torres Vedras.
Os torrienses não se importam.
Claro que não.
Agostinho é um dos seus símbolos.

Pelos lado da Feira, há - se não estou confundido - para aí cinco anos que a tradicional Volta a Terras de Santa Maria acrescentou "Troféu Fernando Mendes" à sua designação.

Mas os novos jornalistas de Ciclismo nem sabem quem foi o Fernando Mendes, e os velhos... ai, os velhos...

O Troféu Joaquim Agostinho é uma prova internacional?
É!
O Troféu Fernando Mendes é "apenas" uma corrida para equipas de clubes?
É!
A injustiça fica nesta "terra de ninguém".

Damos importância a uma porque sim...
Practicamente ignoramos a outra... porquê?

Vocês sabiam que na década de 70, do século passado havia uma marca de pastilhas elásticas que lançou uma colecção de cromos de Corredores de ciclismo?
Junto prova.

E porque o que de mais viesse a acrescentar, por um lado não iria juntar nada àquilo que o Fernando Mendes merecia, e pelo outro até me poderia prejudicar, termino aqui.
Ah!...


Quem ganhou o Troféu Fernando Mendes, disputado este fim-de-semana - que pelo tratamento jornalístico, quase parece ter sido uma "clandestina" - foi o jovem Hugo Sancho, corredor do Mortágua, do meu amigo Pedro Silva!...

(Foto da prova: CiclismoDigital/Rui Quinta)

4 comentários:

BlueDragon disse...

Grande Fernando Mendes... A última vez que o vi foi no Campeonato do Mundo de Ciclismo em 2001.
Cruzei-me com ele nas boxes e exclamei para quem me acompanhava em tom de profunda admiração: "Olha o Grande Fernando Mendes". Infelizmente pouco tempo depois ele desapareceu...

Arrependo-me até hoje da imensa vergonha que me assolou e me impediu, naquele momento, de o ir cumprimentar e dizer o quanto o admirava e o quanto era "gigante" em cima da bicicleta.

Concordo consigo Madeira. É uma pena que este país não saiba reconhecer os seus Grandes Homens...Mas, é como diz "NINGUÉM MORRE ENQUANTO ALGUÉM SE LEMBRAR DELE". Eu não esqueci...

Paz à sua Alma.

Fernando Lebre disse...

Realmente para mim, que não vivi essa Era, é extremamente motivante imaginar tão entusiasmantes duelos que cativassem o país de lés a lés em prol dos seus ídolos. Todavia, o que me despertou maior fascínio neste artigo foi aperceber-me da importância tal do ciclismo em Portugal, que uma marca de pastilhas elásticas emitia cromos de ciclistas. Desse modo é perceptível a importância do nosso desporto no panorama desportivo em Portugal e a forma como os mais jovens veriam nos ciclistas os seus verdadeiros ídolos.
Vejo com pesar o facto de na actualidade uma iniciativa idêntica ser infelizmente impensável e não posso deixar de colocar a questão: o que mudou?

mzmadeira disse...

É verdade, caro Fernando. E eu, com os cinco tostões que, de vez em quando me davam, mais os vinte escudinhos que os avós davam quando dos anos, mais a ajuda de outros 'putos' - na altura o termo ainda não tinha sido inventado - com mais posses, que compravam as pastilhas e depois me davam os cromos em troca... das minhas pastilhas, terei algures num, entre dezenas, de caixotes onde guardo as minhas relíquias a colecção, não completa, infelizmente, mas que consegui juntar.

O Agostinho, o Mendes, o Firmino Bernardino, o Leonel Miramda, mas também o Manuel Gomes, o Sérgio Páscoa, o Joaquim Leita, o Joaquim Leão, o Herculano de Oliveira (grande trepador do Sangalhos), o Dinis Silva, uma jovem promessa (corredor do Benfica) que deu nas vistas ao vencer uma chegada à Torre, num Agosto cujo ano, de memória nã me lembro, e que três meses depois morria com leucemia aos 20 anos de idade...

Mas as coisas eram substancialmente diferentes nessa altura, em termos de jornais.

A temporada futebolística tinha um príncipio e... um fim. Não havia cobertura de estágios nem estágios, provavelmente.

E, nomeadamente em A BOLA, o mês de Agosto era da Volta a Portugal.
Quando - nunca cheguei a conhecê-lo, mas lia-o apaixonadamente - o CHEFE Vítor Santos fazia a sua cobertura, eram três ou quatro páginas, daquelas enormes, que também ainda não havia formato tablóide, pelo menos por cá, só com a etapa da véspera (o jornal só saía às 2.ª, 5.ª e sábados). Mais uma ou duas com o registo dos acontecimentos das outras etapas disputadas nestes intervalos. E a Volta tinha 21 dias.
Era metade do jornal só de Ciclismo.

Mas, já aqui deixei a história, mas como reconheço não ser fácil buscar os artigos repito-a. Foi a partir do momento em que, por impossibilidade do Vítor Santos em ir fazer a Volta, delegou a tarefa em Homero Serpa que o Ciclismo se expandiu nas páginas do meu jornal de sempre.

À apurada precisão no contar dos factos, mais a crítica de quem terá sido um dos maiores Jornalistas portugueses de sempre (e recuso aqui usar o adjectivo desportivo, porque é-se jornalista independentemente da área que se cobre - e na altura, os 'jornalistas desportivos' nem eram reconhecidos como tal, como jornalistas), refiro-me ao Vítor Santos, o Homero Serpa acrescentou o factor humanista.

Descobriu e relatou-nos como nunca mais ninguém foi capaz de o fazer, o que estava por trás desses heróis que, tendo outras profissões o ano inteiro, em Agosto montavam uma bicicleta para a aventura da Volta a Portugal.

E como o tema fkuia muito para além da Volta, foi Homero Serpa o primeiro responsável por trazer às páginas dos jornais, no caso de A BOLA, outras corridas.

Estão a ver o que hoje se passa com a televisão? É a Volta a Portugal e o resto é paisagem... Era o que acontecia, naquela altura, com os jornais. Exactamente porque em Agosto não havia futebol. Não havia mesmo.
Agora também não há mas inventa-se...

E o Homero ajudou na expansão de corridas como o GP Abimota, que ainda resiste nos dias de hoje, mas também no GP Robialac, no GP Sical... em inúmeras corridas que, antes, passavam despercebidas.

Deu dimensão ao Ciclismo, no seu todo. Fosse o umbigo de alguns dos actuais responsáveis pela modalidade mais pequeno que a própria barriguinha e, com a dignidade que o seu nome merece, já teríamos por aí um Troféu com o nome de Homero Serpa.

Até digo mais, a instituição que Homero Serpa sempre serviu com o maior dos profissionalismos, na qual - assim a memória (aparentemente cada vez mais curta) dos homens consiga resistir - tanto contribuiu para a divulgação e cimentação do Ciclismo luso como - durante décadas - a segunda modalidade do País (ok, talvez a terceira porque, na altura, o nosso Hóquei em Patins quase ameaçava a hegemonia do futebol) bem que podia tomar a iniciativa de organizar uma corrida, de um dia que fosse, com o nome de Homero Serpa. Ele merecia-o, as gentes do Ciclismo reconhece-lo-iam, e o Jornal dignificava-se.

Mas quem sou eu para ter ideias?
Sou um mero executante, avisado que ando no fio da navalha.

Por outras coisas... comezinhas, mas que me obrigam a aceitar a ninha insignificãncia no todo da instituição.

Tudo isto para dizer que sim senhor. O Ciclismo em Portugal já mereceu rasgado apoio da CS, mesmo deixando de fora o fenómeno Joaquim Agostinho.

O fenómeno, hoje em dia, parece morar na Avenida Gama Pinto.

Fernando Lebre disse...

Muito obrigado Manuel pelos seus esclarecimentos. Realmente não tinha a real noção de como eram os jornais desportivos no mês de Agosto, ou seja, eram verdadeiros jornais desportivos e não somente magazines de futebol camuflados pela palavra desportivo.

Para bem do ciclismo era bom que retornássemos a essa era. O que acho incrível é que ainda não há muito, anos 90, a comunicação social portuguesa oferecia uma visibilidade ao ciclismo que hoje infelizmente mais não é do que uma vã recordação. Gostaria muito que a Bola ouvisse a sua ideia e desse azo a um Grande Prémio que homenageasse esse vulto da comunicação social portuguesa.