terça-feira, setembro 05, 2006

220.ª etapa


OBRIGADO SÉRGIO


Grande vitória, a que hoje conseguiu o Sérgio Paulinho. Grande para ele, grande para o ciclismo português, grande para todos nós, simples amantes da modalidade.

Aliás, o Sérgio já havia mostrado estar bastante bem. E muito mais "solto". Não tivemos grandes oportunidades de seguir todas as corridas que fez nestes dois últimos anos, mas os seus resultados podem ler-se, primeiro, por alguma falta de confiança por parte dos seus responsáveis, à qual se juntaria, acho que é óbvio, alguma falta de confiança da sua própria parte. Não é assim tão fácil representar uma equipa estrangeira. Treinar sozinho, por cá, com planos de preparação que não se ajustam aos habituais treinos de eventuais parceiros que pudesse encontrar pela zona onde se treina.

Que todos nós sabemos que o Sérgio vale muito mais do que os resultados que conseguiu desde que foi para Espanha, isso não porão em causa, mas também são esses resultados que servem de base a qualquer apreciação. Faltava ao Sérgio uma etapa assim, um momento no qual mostrasse que é um corredor alguns furos acima da mediania. Que o é.

Nas últimas etapas o Sérgio já mostrara que está muito bem. O papel que lhe foi destinado foi de estar com o seu chefe de fila e de o ajudar, mas Hermínio Diaz Zabala - que chegou a fazer parte da equipa técnica do Benfica, em 2000 - soube perceber que dele poderia esperar um pouco mais. Não foi por acaso que ele, Sérgio, apareceu na frente nas duas etapas em que Alexander Vinokourov mostrou que é um dos principais candidatos à vitória nesta edição da Vuelta. Como José Azevedo aparecia sempre na frente quando tinha como missão resguardar as "costas" de Joseba Beloki, primeiro, e de Armstrong, depois. Nestas situações, corre-se o "risco" de chegar ao fim com classificações bastante interessantes. Será o que - é o que todos esperamos - vai acontecer com o Sérgio Paulinho.

A diferença é que Sérgio terá a liberdade que o Zé nunca terá tido. Ou que resolveu arriscar mais. Ir um pouco além das ordens que tinha. Isso é uma decisão pessoal e, se foi isto, só veio sublinar todo o valor do corredor português.

Que me pareceu - passe a redundância - seguro e inseguro, ao mesmo tempo. Foi senhorial na forma como "vislumbrou" a possibilidade de se adiantar ao grupo onde seguia; mostrou alguma insegurança naquelles constantes olhares sobre o ombro.

Mas gamhou a etapa. E ganhou de forma categórica.

Já aqui o escrevi que, quando há pouco mais de 8 dias estive com ele, em Granada e em Almendralejo, me pareceu muito bem, fisicamente. No final da etapa mais longa desta Vuelta, corrida sob uma temperatura que - descontando o facto de o carro, onde a verifiquei, ter estado parado ao sol cerca de três horas e o seu termómetro marcar uns insuportáveis 49 graus centígrados - bastante acima daquilo a que estamos habituados, quando falei com ele, instantes após ter cortado a meta, verifiquei que estava "fresco", com muito para dar. Oito dias depois ganhou uma etapa.

A primeira que um português ganha na Vuelta desde que, em Abril de 1976, Joaquim Agostinho venceu, ao serviço da TEKA, o contra-relógio de 14 km, em Cartagena.

Quis o destino que, por motivos de saúde, eu esteja a falhar aquela que seria a sétima Vulta do meu "palmarés". Eu que o ano passado - com o Fernando Emílio - estivemos todas as noites no hotel do Zé Azevedo a tentar dar-lhe força para ultrapassar o azar das três quedas feias numa semana apenas, e acabar por o ver partir prematuramente, não pude hoje estar na Cantábria para dar "aquele abraço" ao Sérgio.

Daqui, de longe, envio-lho agora. E gostava que ele soubesse que, como todos os portugueses, também eu desejo voltar a ver aquela imagem dele a cortar a meta em primeiro lugar. De ver ele consolidar a sua posição no top-10...

E soa-nos tão bem houvir homens como Carlos de Andrés e o Perico Delgado dizer bem dos ciclistas portugueses. E saber que não se esqueceram das vitórias conseguidas anteriormente - noutras corridas - por Cândido Barbosa... falarem de José Azevedo (registei, outra vez, que o enorme e honesto trabalho em favor de terceiros, como foram os de, primeiro Américo Silva, depois de Orlando Rodrigues, não cabe na memória dos homens) e recordarem que Portugal tem corredores de nível mundial.

Aproveito para recordar todos os portugueses que ganharam etapas na Vuelta:

2006
10.ª etapa – Avilés-Santillana del Mar (199,3 km)
SÉRGIO PAULINHO (Astana)
1976
9.ª etapa – Cartagena-Cartagena (cri, 14 km)
Joaquim Agostinho (TEKA)
1974
14.ª etapa – Oviedo Cangas de Onís (134 km)
Joaquim Agostinho (BIC)
19.ª etapa (2.º sector) – S. Sebastián (cri, 36 km)
Joaquim Agostinho (BIC)
1961
9.ª etapa – Albacete-Madrid (198 km)
Alves Barbosa (Sel. Portugal)
1959
12.ª etapa – Pamplona-San Sebatián (210 km)
José Sousa Cardoso (Sel. Portugal)
1946
8.ª etapa – Baza-Múrcia (178 km)
João Lourenço (Sporting)
1945
13.ª etapa – San Sebastián-Bilbau (207 km)
João Rebelo (Iluminante)
15.ª etapa – Santander-Reinosa (110 km)
João Rebelo (Iluminante)



PS: Não passo sem registar um facto: a maioria das pessoas, as que conheço e ouvi, e outras que não ouvi mas que tive oportunidade de confirmar, por outros meios, prefere a transmissão, de um profissionalismo inatacável, da TVE ao outro canal onde os pobres comentários "matam" a vontade e a paciência de a sintonizarmos. É uma questão de querer, ou não, aprender alguma coisa. Mas podem voltar a aceitar emails de pré-adolescentes para aumentarem a audiência. Ou encontrar quem faça comentários minimamente atraentes...

5 comentários:

Jorge-Vieira disse...

Viva amigo Madeira:

A vitória do Sergio hoje foi fenomenal, foi uma vitória da inteligencia, do saber estar na corrida e acima de tudo ter uma leitura dos acontecimentos e saber decidir.
Quem acompanhou a etapa, viu que aquilo que o Sergio fez hoje não foi obra do acaso, e as etapas de alta montanha em que ele este sempre com os melhores?
Faltavam cerca de 3kms para o final da etapa, e pela forma como Sergio estava fisicamente, eu disse, esta ninguém lha tira, e foi certinho, o Sergio deu-nos uma alegria, e mais ainda quando verificamos que na narração dos comentadores espanhois lhe é dado todo o merito, bem como a outros portugueses que por cá vão brilhando.
Penso que o Sergio vai seguir um pouco as pisadas do Azevedo, agora que ele regressou a Portugal e ao Benfica, mas o seu substituto para nos dar alegrias está encontrado.
O Sergio é um corredor com uma classe fora de serie, o Sergio é um dos corredores que corre com inteligencia, e os resultados menos bons nestes dois ultimos anos, não vieram apagar a classe que o Sergio tem.
Ainda bem que lhe deram opurtunidade, nesta nova configuração da equipa para ele mostrar todo o seu potencial, e não fazer crer que a medalha olimpica que ele ganhou, tenha sido um acaso.
Espero que ele para o ano, dado que vai ingressar na Discovery, tenha a mesma liberdade que lhe estão a dar agora para continuar a passear a sua classe pelo ciclismo mundial.
Obrigado Sergio pela imensa alegria que deste hoje aos adeptos do ciclismo e dos Portugueses.
Um abraço amigo Madeira,


Jorge vieira

mzmadeira disse...

Acrescento, aqui, Jorge Vieira, um "muito pequeno pormenor".
O anterior DD da equipa do Sérgio cismou que ele haveria de ser um corredor de clássicas e fê-lo seguir métodos de treino e até uma alimentação que, de todo, não funcionaram. Eu lembro-me de ter visto o Sérgio, o ano passado, quando do Troféu com o seu nome, e ele estava muito "seco" de carnes. Está bem, é conveniente, mas o Sérgio sempre foi um corredor de grande compleição física, desde muito novo se destacava dos seus parceiros de pelotão exactamente por isso, e... ganhava.
Estive com o Sérgio em Granada e em Almendralejo e a primeira coisa que notei foi que ele estava mais... "redondinho". E veja-se a Vuelta que está a fazer. Pesará, digo eu, três ou 4 quilos mais do que naquela altura, o ano passado, quando o vi. Mas ele, para além do mais, é um corredor de força. E veja-se a Vuelta que está a fazer...
A verdade que o seu (ainda) melhor resultado foi numa prova de dia - como as clássicas -, mas a grande característica do Sérgio é mesmo a força e... uma grande capacidade de recuperação. É um corredor para as grandes voltas. Veja-se a Vuelta que está a fazer...

Antonio Dias disse...

A Vuelta do Sérgio já está ganha. Escrevi aqui que o Sérgio teria todas as condições para ganhar uma etapa e não podia (nem ele queria...), de maneira nenhuma, fazer o que os outros fazem: ficar no pelotão, tentar aguentar e depois logo se vê... São estes corredores aguerridos, "antes quebrar que torcer" - que preferem arriscar em vez de guardarem energias para ficar no top-15 - que tornam o ciclismo único... Repito, a Vuelta do Sérgio está ganha. Um lugar no top-10 está ao seu alcance, mas na minha opinião não se lhe deve pedir mais. É que uma etapa vale muito mais que mil top-10. E só o facto do Sérgio ter tentado pelo menos 2x a sua sorte até agora, ainda lhe dá maior legitimidade para pensar assim.

As minhas últimas palavras são para ti, Manuel. Espero sinceramente que na próxima edição da Vuelta estejas em forma para nos relatares as proezas das nossas figuras.

Um sincero abraço

mzmadeira disse...

Não podias estar mais certo, António e, a verdade, é que logo que o Sérgio cortou a meta comecei a ouvir (e a ler) que "novos horizontes" se lhe abriam. Até a entrada no lote dos favoritos! Ai... querem ver que não se aprendeu nada com a história recente do Zé Azevedo? O nosso objectivo, amantes do ciclismo, admiradores deste ou daquele corredor, nõ é, em definitivo, o de traçar-lhes os seus próprios objectivos. E depois virmos cobrar por eles não terem estado à altura daquilo que NÓS estipularamos.
Vamos ver se não "pega" desta vez.

Sim, a Vuelta do Sérgio está ganha. O seu nome gravado na história da prova - logo, do grande ciclismo internacional - e mais não lhe devemos pedir. Claro, se no seu jeito de "caçador furtivo", sempre com um olho na presa e outro na "venatória", ele conseguir mais uma gracinha... ah! não a renegaremos e cá estaremos para festejar. Mesmo que à distância.

Hoje chega-se a Burgos. A mesma cidade onde há cerca de um ano o Zé caiu pela 4.ª vez. Estive com ele no Ciudad de Burgos, antes do seu jantar e falámos de pé, porque ele não conseguia dobrar a perna, por causa dos ferimentos. Tentámos animá-lo mas, na manhã seguinte ele já não alinharia. Que a espectacular Burgos não fique na memória do Sérgio, não da mesma maneira.

Jorge-Vieira disse...

Viva amigo Madeira:

Pegando aqui na resposta que me deu ao que eu escrevi, só quero dizer duas ou três coisas.
Primeiro, nota-se que realmente o Sergio está mais redondinho, do que aquele Sergio que esteve na volta a Portugal antes de rumar à equipa de Manolo Sainz. Falta é saber de que forma é que ele perdeu esse peso, dado que se perdeu peso por perder massa muscular, é claro que ele ia ficar debilitado e com perca de capacidades fisicas, se perdeu apenas gordura, então as capacidades deviam ser semelhantes, mas não me parece, pois penso que foi o primeiro caso, dado que muitas vezes se ouviu que o Sergio ia treinar umas horas largas e não comia.... para perder peso, logo o Sergio estava a perder massa muscular.
Já muito se falou na casmurrice do Manolo, ele tem o seu merito e é um DD brilhante, mas também tem as suas manias e deu-lhe para dizer que o Sergio era um corredor de classicas, eu penso que não, quem assistiu à volta a Portugal onde o Sergio brilhou, vê que está ali um corredor com condições para provas mais longas, e a Volta a Portugal não é propriamente uma Volta "mole" nem levezinha... o Sergio foi lançado ás feras nas provas classicas, e que resultados é que obteve?
Isto que o Sergio está a provar agora, e já estamos na segunda semana da Vuelta, o Sergio tem feito uma prova a todos os níveis fantastica, provando que é um corredor que se pode contar com ele, e ao menor descuido ele é homem para ganhar. e aconteça o que acontecer daqui para a frente ele já tem a sua Vuelta ganha e o seu nome inscrito na lista de vencedores de uma etapa, para muita alegria nossa. Não esquecer também que o Sergio é um dos homens fortes no contra relogio, e a Vuelta tem dois...
Espero não dizer aqui nenhuma asneira, mas penso que a pessoa mais indicada, caso leia este espaço, seja o Sergio a dizer quais as diferenças que encontra agora e os metodos que tem, daqueles que tinha dantes, dado que o "General" Manolo é que controlava tudo, metodos de treinos, treinos, provas... etc. Penso também que a ida do Sergio para Espanha foi um erro, se ele se tinha logo transferido para a equipa norte americana, decerto este brilho que está a ter agora, já teria aparecido mais cedo, e estaria agora numa fase mais evoluida da sua carreira, mesmo sendo ele um jovem, mas acho que ele desaproveitou a opurtunidade de ter excelentes "professores" como o Armstrong e o Azevedo, mas como o seu a seu dono retorna, ele tem agora a opurtunidade de entrar para aquela que muitos consideram a melhor equipa do mundo.
Resta-me só desejar a maior sorte para ele na nova equipa e que nos traga muitas alegrias, se possível tantas ou mais como aquelas que o Azevedo nos deu.