quinta-feira, novembro 09, 2006

Neutralização


DEVE SER DO TEMPO INSTÁVEL…

Cheguei ao jornalismo numa altura ingrata. Numa altura em que as grandes referências da profissão, em Portugal, estavam a abandonar. Numa altura em que ainda se escrevia à máquina e um “linguado” valia 1800 caracteres; em que a maquetagem era feita com régua e lápis e a montagem das páginas era feita a partir de “fitas” de texto impregnadas de cera no verso. E era assim que eram coladas nas quadrículas da folha “gémea” à do jornal. Depois eram fotografadas uma a uma e só depois passadas à “chapa”. Passei noites atrás de noites na gráfica, junto à boca da máquina, apanhando um exemplar do jornal – que vinha ainda molhado de tinta – de 30 em 30 segundos para me certificar que não havia alguma “grande gralha”, que as outras… paciência, lá passariam porque parar a máquina custava para cima de um dinheirão.
Resumindo… estou velho!

Cheguei ao jornalismo numa altura ingrata. Numa altura em que se abriam as portas para os jovens vindos da faculdade. Sou do tempo em que os jornalistas não o eram de “canudo”. Tinham de mostrar algum jeito. E trabalhar mais que os que já estavam antes no jornal porque senão a oportunidade ia-se. Parece que consegui “aguentar-me”…

Sou do tempo em que ainda não havia telemóvel. Os telefones serviam então para se marcarem entrevistas e não para fazê-las, que do outro lado também havia gente com urgência em tratar da sua vida. E marcavam o encontro para a entrevista para a hora do almoço ou então para depois das seis. Depois das sete. Quando pudessem. Sou do tempo em que entrava às 8 da manhã no jornal (era um vespertino) e saía às 23… Meia-noite. Uma da manhã. Depois de ter deixado escrita a peça. E às 8 horas da manhã lá estava outra vez…

Por acaso tinha um chefe-de-redacção que já lá estava quando eu chegava às 8 e ainda lá ficava depois de eu sair. Mesmo que fosse à 1 da madrugada. Era a única coisa que admirava nele!

Nunca consegui sentir-me completamente satisfeito entre as quatro paredes da redacção. Felizmente sempre tive oportunidade de praticar o jornalismo de campo. Nestes 18 anos – já feitos – de carreira, se me pusesse a fazer as contas sou capaz de ter passado aí uns 4 ou 5 na estrada. Conhecendo com quem falo e dando-me a conhecer. Fiz dezenas de reportagens; centenas de entrevistas; participei em alguns colóquios, a convite.

Aprendi a escutar, mas também a expressar a minha opinião. Nunca fui desleal. Nem e relação ao que foi objecto de reportagem, nem para com quem foi por mim entrevistado. Nunca fui desleal para quem me pagou o ordenado ao fim do mês. Dei o melhor e o mais que pude.

Como fui a muitos sítios e falei com muita gente, aprendi que não há tarefas impossíveis. “O urgente está feito; estamos a fazer o impossível, mas para milagres pedimos 24 horas!”, era o moto da secção onde trabalhava.
E ainda hoje gosto de dar o exemplo. Se mando escrever, eu também escrevo; se mando fazer, eu também faço; se peço para alguém vir mais cedo, eu já lá estou; se peço para alguém ficar até mais tarde, eu fico ainda depois de todos saírem.
Não delego responsabilidades que são minhas. E assumo-as por inteiro.

Não tive muito tempo para aprender com os mais velhos, que estes já estavam de saída quando eu cheguei. Aprendi com quem pude e aprendi com todos. Porque quis aprender. Gostava de poder ensinar mais aos mais novos, mas nem todos mostram vontade para aprenderem. Não quanto eu tinha. Porque ser jornalista foi minha escolha. Não foi a opção mais à mão. E pelo jornalismo já fiz sacrifícios, alguns irremediavelmente sem hipótese de voltar atrás. Ainda hoje pago por isso.

Não foi escolha minha ter ficado doente. Mas vou voltar. Com a mesma vontade e ilusão de sempre.
Até já!

Os meus leitores mais fiéis hão-de estar a perguntar-se “Mas que raio de história é esta?!!!”
Não é nada. Apenas um desabafo. Se calhar um pouco de mau humor, talvez por só poder adivinhar, na escuridão da noite, as núvens que trazem aí mais chuva…
Mas afinal de contas, este espaço é meu. E escrevo o que me apetecer.

3 comentários:

André Silva disse...

Para um futuro jornalista deste país, pelo menos assim o espero, ler estas palavras são uma forma de motivação para enfrentar o dia-a-dia. E para fazer frente às dificuldades de alcançar o "canudo", porque na actualidade para ser alguém nesta vida tenho que tê-lo, e critico isso num sentido e defendo por outro, é necessário fazer reflexões que por vezes não as realizamos, mas este "post" leva-me a isso.
Quero estar na estrada, viver com os ciclistas, com os directores desportivos, com os mecânicos e outros dirigentes do mundo das bicicletas...não quero saber se o império otomano ou os incunábulos foram importantes ou deixaram de ser.
Deixa-me apenas referir-me a um último ponto, caro Manel, onde dizes que há jovens que não querem aprender. Isso é verdade, têm a mania que sabem tudo e afinal não sabem nada, neste caso de jornalismo. Sabes o que te digo? Eu estou no 2º ano da faculdade, em Ciências da Comunicação e, até hoje, só sei uma única coisa: não tenho cultura geral, apenas ignorância geral! Já dizia o outro: "Só sei que nada sei" e é com pessoas como tu que quero aprender.
Um abraço, rápidas melhoras...para a próxima época estamos lá! Garantidamente!

Nota: hoje vai mais uma de ciclismo no meu blog. Sei lá, apetece-me...

mzmadeira disse...

Obrigado André, pelas tuas palavras. E força aí! Pode ser difícil, pode haver situações em que vais precisar de dar um passo atrás para ficares com espaço e poderes depois dar dois em frente. Não desistas.
Poderás passar por momentos de descrença. Insiste. Como diz o velho ditado galego, que conta a história de um peregrino com destino a Santiago de Compostela que parou para perguntar qual era o caminho, o velho camponês a quem perguntou respondeu-lhe: "No hay camiño, o camiño hace a caminhar..."
Traça então o teu caminho. E que a sorte te acompanhe.

mzmadeira disse...

Uma palavra também para o bom amigo Joaquim Gregório.
Não se passa nada (de novo) comigo, amigo.
Mas às vezes é preciso lembrar a algumas pessoas que nem todos têm uma "alcatifa" estendida directamente ao topo.