quarta-feira, novembro 15, 2006

327.ª etapa


ONDE QUER QUE ESTEJAS, VIDIGAS...

Sei que tenho leitores que não apreciam o género de artigos como o que se seguirá a esta introdução, mas eu insisto.
Mas explico porquê.
Vivemos num Mundo no qual há valores que são cada vez mais desprezados, e conseguimos a proeza de, numa sociedade que cada vez é menos social, concentrarmos todo o Mundo apenas na nossa vidinha, levando o individualismo ao cúmulo.

Não serei totalmente diferente dos demais, mas ainda consigo perceber que sozinho não teria chegado até aqui. E felizmente tive – e tenho, e tenho – muitos amigos, a grande maioria no mundo profissional.
Ainda um dia destes – uns artigos atrás – eu fiz uma pequena viagem pelos anos que levo de jornalismo. E escrevi que larga fatia do meu trabalho se centrou na entrevista e na reportagem. Isto significa duas coisas. A primeira, que assim pude ir somando amigos. A segunda que os fiz entre os próprios colegas de profissão. Na estrada, a maioria deles.

E assim é mais fácil estreitar laços de amizade, amizade que às vezes, e em certos casos, roça a cumplicidade, quando se encontram camaradas de trabalho com os quais a empatia é imediata. E, atenção que é importante, quando cada um de nós admira e, sobretudo, respeita o trabalho do outro, sabendo ambos que o resultado final depende da melhor prestação de cada um de nós. Já trabalhei em equipa com muitos, muitos colegas fotojornalistas mas houve um especial.

E volto ao princípio, apenas para que se perceba a ligação. Num Mundo onde há valores que são cada vez mais desprezados, e onde cada vez mais parece ser o “cada um por si”, foi bom ter conhecido, ter trabalhado e ter-me tornado amigo do Carlos Vidigal.

Diz-se que um homem só morre quando é esquecido por todos. Por isso prometo a todos os meus amigos que, enquanto eu viver, eles jamais serão esquecidos. É o preço que pago, de livre vontade e com muito agrado, por terem aceite serem meus amigos.

O Vidigas morreu faz hoje um ano.
Soube da sua morte da forma mais chocante que pode haver.
A edição do dia estava fechada, já corria a madrugada de 16. Antes de arrumar a minha secretária, antes de desligar o computador, fazia o que faço quase sempre, dava uma vista de olhos no jornal que daí a algumas horas estaria na rua, atento aos destaques da primeira página e, obrigatoriamente, vendo a última onde surgem as notícias de fim de fecho e, no fundo da página lá estava “O Carlos Vidigal deixou-nos”. Ao lado uma imagem que sempre guardarei dele. Aquele sorriso meio irónico meio impertinente.
Foi sempre um desalinhado. Fazia questão de não o esconder e às vezes forçava mesmo a demonstração daquilo que mais prezava: a sua liberdade. Pessoal e de trato.

Conheci-o muitos anos antes de eu ir para A BOLA. Recebeu-me como os veteranos recebem os caloiros, mas começou aí uma grande amizade.
Tenho tantas histórias passadas com o Carlos Vidigal…
É recordando-as que o mantenho vivo na minha memória.
É recordando-o que tento manter a promessa de que não deixarei morrer a sua memória.

Onde quer que estejas, Vidigas…

2 comentários:

molin disse...

É, realmente, uma prática infelizmente em voga o esquecimento de quem partiu. É mais um sinal de quem vive ao ritmo alucinante do dia-a-dia, em tempos de coisas tão fúteis quanto efémeras.

Memória é isso mesmo: não deixar esquecer...

mzmadeira disse...

"molin" - não sei se posso revelar o teu nome... fica assim - eu acho que já tenho uma carreira (passe o pretenciosismo) mas não a construí sozinho. Foram algumas dezenas de camaradas - ainda há minutos, em mensagem para o Guita Júnior lhe disse que até já eu tenho saudades do tempo em que os jornalistas eram mesmo camaradas! - os que contribuiram para ela.
E quem tem como paixão a reportagem fica sempre a dever muito ao colega fotojornalista. É, ou, infelizmente para nós, foi o caso do Vidigal. Sempre tive uma relaão ptima com todos os fotojornalistas com quem tive oportunidade de trabalhar.
Na reportagem, os trabalhos dos dois complementam-se. E quando há, como escrevi, uma certa cumplicidade entre as duas partes... acontecem coisas giras.
E se eu também sou a minha carreira, como posso esquecer-me de quem contribuiu para que ela se solidificasse?
Tu, por exemplo. Tens sido um companheiro de equipa "cinco estrelas"... que eu vou quere ter a trabalhar comigo enquanto for possivel.