terça-feira, novembro 28, 2006

336.ª etapa


DA ENTREVISTA QUE POUCOS LERAM
À INSISTÊNCIA QUE NO CICLISMO "TODOS" SÃO BATOTEIROS...

Descobri, através do Blog do José Carlos Gomes (http://marginalizante-ciclismo.blogspot.com), uma entrevista do Record ao presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo (ver aqui e mais aqui), trabalho esse que, curiosamente, (ainda) não foi publicado no jornal físico, mas que está on-line na versão electrónica desde as 12.39 horas de sábado passado. E esse foi o motivo pelo qual só o descobri hoje, ao visitar o blog do José Carlos, pois eu sou fã incondicional dos jornais em papel.

O assunto da entrevista tem a ver com o doping.

Artur Moreira Lopes move-se com a cautela recomendada em trilho tão minado, e as suas palavras não vão agradar a todos, tomando como exemplo exactamente o comentário do José Carlos Gomes. Mas o que é que se poderia esperar?

Ainda assim, de tudo o que o presidente da FPC disse, o título escolhido pelo jornal, para a peça, agarra, tirando-a do contexto, uma frase que, lida assim, fere fundo. “O Ciclismo tem uma cultura de doping”. Apoiada num convincente: “Presidente da FPC reconhece…”

Mas reconhece o quê? “… que é a mais visada”.
Visada por quê, ou por quem?
“… nos escândalos da droga no desporto!”

Longe de mim querer pôr aqui em causa o trabalho de um colega de profissão (a peça não está assinada) mas é evidente que não domina, nem de perto nem de longe, o fenómeno doping.

Eu já aqui escrevi que falar sobre doping sem se estar minimamente preparado é muito arriscado. Mesmo que se tenha alguns conhecimentos, é andar no fio da navalha (lembram-se de eu ter escrito isto?), mas aconteceu.

Artur Lopes terá querido dizer que, no passado – leia-se anos 60 do século passado e daí para trás – o uso de estimulantes… ok, não tenho asco da palavra, em si: de doping, atingiu pontos elevadíssimos. Era um doping desregulado, em que cada um tomava aquilo que ouvira falar, que “dava força” e fazia-o amalucadamente. Quando “sentia” que naquele dia não estava bem, ou quando queria mesmo ganhar determinada etapa. Nem sabiam o que tomavam. Apenas que as pilulas amarelas eram boas para manter na cabeça a “vontade” de ganhar ou que as encarnadas davam cá uma “bomba” que ninguém o ia apanhar…
Corriam-se riscos inimagináveis. A começar pelo facto de se desconhecer o que se estava a meter no organismo. Alguns casos terminaram da pior maneira – já não estou a referir-me em exclusivo ao ciclismo nacional – tendo estado mesmo na origem de algumas mortes.

Ora, aconteceria isto apenas no Ciclismo? É que, gira a roda, a roda gira e é sempre o Ciclismo o apontado como a origem do Mal.

Aqui, Artur Lopes pretende vincar aquilo que muitos insistem em ignorar: foi o Ciclismo a primeira modalidade a tentar auto-regular-se. E, ainda hoje, é o Ciclismo a modalidade onde mais se avança nos controlos de detecção de produtos ou métodos proíbidos. Era esta a mensagem que ele queria passar. E basta olhar para os números que o CNAD disponibiliza regularmente. Números que têm de ser lidos de uma única maneira: a percentagem de casos revelados por número de controlos. É que não é sério agarrar, por exemplo, e num hipotético comunicado, num número de 7 ou 8 positivos em 700 ou 800 controlos (1%), colocando-o à frente de um número de 4 positivos, numa outra modalidade na qual foram feitos 40 controlos (o que dá 10%).

É um dos fenómenos que mais me intriga, este o de se sobrevalorizarem os casos positivos no Ciclismo ao mesmo tempo que se passa sobre números bem mais preocupantes noutra modalidades como cão por vinha vindimada.

Aquele “o Ciclismo tem uma cultura de doping” é uma frase assassina, que põe em causa toda uma classe e cola, irreversivelmente, a imagem de pantomineiros a todos os profissionais. E não só.

Depois – e o meu caro José Carlos Gomes perdoar-me-á o estar aqui a responder ao seu artigo (e não no seu próprio blog) – esta entrevista leva, a quem a lê, a perguntar-se: “mas que raio faz a federação para acabar com isto”?

Nesta parte, o presidente da FPC até deixa claras as posições da instituição. Impedir, com uma suspensão temporária, todo o corredor que apresente indícios de presumível uso de substância proibida – não foi citada, mas trata-se da EPO – fazendo com que, quem apresente um número elevado de glóbulos vermelhos continue (porque esta sanção já acontece) a ser considerado inapto par a competição. Como médico, Artur Lopes vai até um pouco mais além. É sabido que pode acontecer que esse aumento do número de glóbulos vermelhos aconteça endogenicamente – e não se fala, na citada entrevista, do uso, permitido, de Câmaras Isobáricas que só têm isso como objectivo. O médico avisa que se correm riscos e que, numa medida enquadrável na protecção da saúde do atleta, pode, ou devia-se, promover a mesma suspensão temporária de TODOS os casos de elevado número de glóbulos vermelhos. Ora, aqui está a novidade, e a parte da entrevista que merecia ser repescada para título.

O “doping” dos dias de hoje – ao contrário do que acontecia nos tais anos 60 do século passado – já não é o de efeito imediato. Para ganhar uma etapa. Aquela etapa, e para a qual o corredor, pela manhãzinha, engolia a tal pílula amarela ou vermelha…
Cairam dentro da alçada do controlo anti-doping as substâncias – e alguns métodos – que visam uma melhor e mais rápida recuperação dos esforços dispendidos no dia-a-dia, principalmente nas grandes provas por etapas.

Mas, recordo, é implicitamente aceitando que essas práticas têm um limite dentro do qual se podem aceitar, que a UCI obriga as equipas dos dois primeiros escalões a terem médicos a tempo inteiro. Para que não mais se volte à prática do “eu dei-me bem com isto… porque não experimentas também”.
Os médicos, para além do planeamento individual da carga de treinos dos atletas – porque todos são diferentes – têm também como missão a coordenação dos preparados recuperadores de fadiga para que fique salvaguardada a saúde dos mesmos atletas. E, ao contrário do que já li, também já houve clínicos suspensos pela UCI por causa de casos de positivos numa equipa. A responsabilização acontece e as consequências pagam-se. Em que outra modalidade isso acontece?

Por tudo isto, e volto a citar-me, falar, ou tentar falar de doping – sem o mínimo conhecimento de causa – é mesmo o caminhar sobre o fio da navalha. Um pequeno descuido e… é a morte do artista. O que me deixa cheio de brotoeja (vejam no dicionário alentejano-português) é o fanatismo pró-degradação de todo e qualquer corredor apanhado nas malhas do doping. Estranha forma de amar o Ciclismo.
Principalmente se tivermos em conta que aos exemplos vindos de outras modalidades se olha sempre com uma irritante bonomia.

E choca-se o José Carlos com o facto de “o presidente da FPC empurrar as responsabilidades para os outros”.
Mas, o que é que a FPC pode fazer, José Carlos? Que é que pode fazer mais do que aplicar “burocraticamente uma legislação inócua…”?
Assumir toda a comunidade de corredores como “batoteiros” e obrigá-los… sei lá, a cederem amostras do seu ADN? Plantar um vigilante 24 horas por dia junto de cada um dos corredores? O quê? Exactamente…

É que, por muito que custe aos don Quijotes de serviço, existe uma barreira, real e inalienável, que é a dos direitos fundamentais de qualquer cidadão. A começar por aquele que lhe garante a presumível inocência até que alguém consiga provar, em tribunal, o contrário.

Mas como é que, na opinião do José Carlos Gomes, o presidente da FPC empurra para os outros a responsabilidade de aparecerem na primeira linha da luta contra o doping?
Deduzo que na passagem, na entrevista, em que Artur Lopes diz que “os atletas têm que estar cada vez mais conscientes e devem colocar-se à frente com a bandeira da luta anti-doping…”

Ok!... E, decifrado, o que é que isto quereria dizer? Que um corredor actuasse como “bufo” no seio da sua equipa? Que se apressasse a denunciar que, em vez do tradicional bife com batatas fritas, os responsáveis pela sua equipa lhe administravam complementos vitamínicos e o obrigavam a comer alimentos ricos em hidrocarbonatos pelas 8 horas da manhã?

Aliás, e dando aqui um salto de cavalo (à xadrez), porque é que se insiste que o doping está institucionalizado no pelotão internacional quando, e a verdade (que é só uma) é esta, o que está em causa é o comportamento interno em duas ou três equipas?
Dou já exemplos. Mas que é mesmo já!
A Reinolds/Banesto/Caisse d’Épargne ganhou sete Tours (contando com o deste ano, que ainda não foi reconhecido a Oscar Pereiro). Ganhou em 1988, com Pedro Delgado, e depois com Miguel Induráin, entre 1991 e 1995… quantos casos de positivo são conhecidos envolvendo corredores desta equipa? E o caso de Lance Armstrong? Que ganhou, só à sua conta, outras tantas voltas a França?
A Rabobank, de Erik Dekker e tantos outros… quantos casos de doping já teve?
Ah!, pois é!
Temos a Phonak e a Kelme/Comunitat Valenciana… vá lá, também a Liberty, com Heras. E vamos julgar todos só a partir destes exemplos?
Mas porque é que na floresta se insiste apenas em ver a árvore morta?

Mas voltando à opinião do José Carlos.
“… em vez de atirar a responsabilidade toda para cima de quem mais sofre e daqueles que, mal ou bem, são os únicos castigados, ficaria melhor a um dirigente [Artur Lopes] pensar em outras alternativas e esgrimir mais ideias inovadoras e menos autocontentamento bacoco.”
Pois é!, mas… o quê? Abrir uma linha verde para receber denúncias anónimas? Mas será que acontece mesmo o que, sublimemente, vem a ser apontado e que tem a ver com a hipotética possibilidade de os corredores serem “obrigados” a sujeitarem-se a práticas menos lícitas por parte dos responsáveis pelas equipas?
Eh, pá! Eu já não digo nada. Mas ainda uso a cabeça para pensar… Um jovem acabadinho de chegar a uma grande equipa ainda pode ser que se deixasse levar por algum receio de ser “deixado para trás” se não colaborasse… mas, olhem à vossa volta. Os “casos” conhecidos envolvem, maioritariamente, corredores séniores, com palmarés, com capacidade para ganharem qualquer corrida, alguns pré-veteranos… com anos de carreira. Aceitariam isso que só poderíamos chamar de chantagem, por parte das equipas?
Elementar, meu caro Watson, diria o Sherlock Holmes. Se o doping está mesmo generalizado, então porque é que são sempre os mesmos a ganharem as corridas?
Se é o doping que os faz andar… então, eu, se também tomar, posso ganhar um Tour?

Esta Guerra Santa, assumida por pretensos amantes da modalidade que querem sangue custe o que custar, faz-me lembrar aqueles chefes de esquadras de polícia que, porque acham que não é possível uma patrulha voltar sem ter autuado ninguém – tantas são as infracções possíveis – preenchem o expediente com multas a quem só tem de parar por um minuto à porta de um logista cliente para descarregar uma saca de batatas. Não pôs a vida de ninguém em risco, não entrou em contramão… mas parou e fez com que uma pequena fila se somasse atrás da sua pequena camioneta, por isso é multado e, à noite, os polícias podem dormir de consciência tranquila pois passaram mais multas que a média da semana anterior.

4 comentários:

Pedro disse...

debruço-me particularmente no final do seu post....

é estranho como é que as pessoas (que supostamente amam o ciclismo) querem à viva voz destruir uma modalidade tão espectacular e que exige tantos sacrifícios. Pegando no exemplo máximo pergunto: será que não ficámos todos a perder (atletas, equipas, patrocinadores, organização e até mesmo quem investigou) com o famoso caso Puerto que nos privou a todos da nata do ciclismo na prova rainha da modalidade?

Como o manel refere muito bem, só deve falar de doping quem tem aptidão para tal. Daí que não me queira alongar muito sobre esse tema.

Quanto ao dr. Artur Lopes, acho muito estranho alguém colocar em causa a sua luta pelo progresso e clareza do Ciclismo em Portugal! Quem tem o privilégio de o conhecer (e eu tive esse prazer este ano) não pode deixar de colocar as "mãos no fogo" quanto à sua honorabilidade e estreita relação com a modalidade, sobretudo no que à luta contra aquilo e aqueles que a querem destruir.

abraço!!

Jorge-Vieira disse...

Viva amigo Madeira:

Falar de doping no ciclismo é melindroso, é um assunto que nos coloca a todos no fio da navalha. Eu tenho alguns amigos no meio do ciclismo profissional, desde corredores a mecânicos, e muitas vezes em conversas casuais abordamos esse tema, mas é sempre melindroso, e há sempre aquela suspeita de tu sabes mais do que aquilo que contas, já ouvi muitas histórias (inclusivamente até da Volta a Portugal deste ano), mas no fim recai sempre aquela suspeita, que há e que existe todos nós sabemos, o problema é conseguir provar isso.
Quanto ao Sr. Artur Lopes, pessoa que conheço pessoalmente, estou de acordo com aquilo que o Pedro escreveu em cima, embora também entenda um pouco a posição dele e a dificuldade que ele deve ter em conseguir encontrar um meio fiável de combater o doping no ciclismo, e é sempre o ciclismo a levar com o doping, porque será?
Agora só não concordo com o que Sr. Artur Lopes disse, acho que como Presidente não lhe fica bem dizer o que disse, afinal ele também se está a constituir como Presidente de uma entidade que há partida, e pegando nas palavras dele, é constituída por associados que andam todos dopados ou com suspeitas disso.
Um abraço,

mzmadeira disse...

Caro Jorge Vieira,
é mesmo isso. Não se pode (no sentido de "dever") falar assim levianamente de doping porque, mais tarde ou mais cedo surgirão suspeitas e suspeitos. É preciso cuidado para evitar o diz-que-se-diz e é disso que nascem os boatos. Jamais o farei.
Por isso e neste melindroso campo, só se deve falar dos factos confirmados, sem entar fazer extrapolações.
Os adeptos, mesmo que sejam jornalistas de profissão não são juri, muito menos juízes. Eu não sou!
Quanto ao falar genericamente... é tão lato o significado de doping que só mesmo quem se possa mover neses terrenos com segurança o deve fazer.
Mas, partindo do quê? Da lista de produtos proíbidos? Mas se há a hipótese de os corredores recorrerem a eles desde que possuidores de uma prescrição médica... A quem está por fora, sobra o quê para divagar sobre o assunto?
Um abraço
MJM

Jorge-Vieira disse...

Viva amigo Madeira:

É complicado, é muito complicado abordar o tema doping, e como bem referiu basta uma simples prescrição medica para o atleta estar a recorrer a produtos proibidos, logo para nós e para o mais comum dos adpetos aquele corredor está dopado (só que legalmente), e o que nos resta??? Fazer juizos, condenar o atleta?
Não, nós não somos juizes nem temos esse poder, só nos resta divagar pelo tema, e ele tem tanto para se falar....
Um abraço,

Jorge Vieira