MORREU HOJE UM HOMEM BOM
O Ciclismo português ficou hoje mais pobre. Muito mais pobre.
Só o soube há pouco e, embora a notícia fosse esperada, não deixou de me tocar profundamente. Morreu o Senhor Engenheiro.
O eng.º Brito da Mana, durante vários anos director do Ginásio Clube de Tavira para o ciclismo, quando a colectividade se decidiu pela extinção da secção, em 1979, fundou, juntamente com outros tavirenses, o Clube de Ciclismo de Tavira que, ininterruptamente tem vindo a fazer parte do pelotão nacional, ostentando o título de mais antiga equipa profissional do Mundo. E até há quatro anos sempre sob a sua direcção.
Natural de Loulé, onde nasceu a 4 de Janeiro de 1937, mudou-se para Tavira quando terminou o curso de engenharia agrária e foi na cidade do Gilão que se dedicou – como poucos – ao Ciclismo. Mas foi uma entrega quase total, com paixão. Uma paixão que lhe traria, ao longo dos anos, nomeadamente nos últimos do Século passado, muitas amarguras e, digo-o sem qualquer espécie de hesitação, se o Clube de Ciclismo de Tavira ainda existe a ele o deve. Apesar de, já nessa altura, ter evidentes e muito limitadores problemas de saúde.
Sempre senti pelo Senhor Engenheiro um carinho muito especial. Na verdade, a minha carreira enquanto jornalista de ciclismo arranca exactamente com uma pequena entrevista ao eng.º Brito da Mana, em 1991, ali para os lados da Terrugem, durante uns nacionais de júniores, ou cadetes, já não me recordo.
Poucas semanas antes do I Grande Prémio A Capital – jornal onde eu então trabalhava –, para a cobertura do qual já tinha sido escalado, confessando que não sabia nada de ciclismo, o chefe mandou-me cobrir aquela prova de miúdos e a única pessoa que reconheci foi o eng.º Brito da Mana, por isso mal o vi, lá fiz a pequena entrevista.
Depois fiquei militante do Ciclismo e vimo-nos muitas vezes, aliás, ainda n’A Capital durante cinco ou seis anos fui de propósito a Tavira fazer um trabalho de pré-temporada. Só fazíamos a Sicasal, que ficava aqui perto de Lisboa, e o Tavira, quase por tradição.
Nunca fomos íntimos, é evidente – até porque, e sem falsas modéstias, sempre me senti pequenininho ante aquele grande homem, em todos os sentidos –, mas cultivámos e mantivemos uma boa amizade ao longo dos anos.
Para mim, o eng.º Brito da Mana é, foi-o e merece ser lembrado como isso, o Senhor-Ciclismo.
Sofria muito com as dificuldades que a equipa experimentava, ano após ano e a partir de dada altura – quando a marca Bom Petisco abandonou –, mas o seu nome e o seu reconhecido empenhamento lá iam conseguindo abrir portas de forma a que a equipa, embora pobrezinha, acabou por se aguentar e ultrapassar essa fase difícil.
Até que ponto essas constantes preocupações, essa necessidade imperiosa de não poder deixar de estar, não contribuiu para uma progressiva debilidade física? Mas ele não era homem para abandonar a sua equipa. Chegou mesmo a sofrer um acidente feio, durante uma corrida, acidente que o atirou, mais ao Zé Marques, para o hospital. Numa outra altura, outro acidente, no hotel – fracturou uma perna após uma queda – voltou a afastá-lo, mas por pouco tempo, da equipa, em plena Volta a Portugal. Voltaria antes do fim, apoiado num par de canadianas. Entretanto, a doença minava-o.
No início de 2003 deixou o cargo de presidente do Clube de Ciclismo de Tavira, que sempre ocupara, mas não de andar por perto da equipa.
Lembro-me de vê-lo numa Volta ao Algarve, há dois ou três anos, no seu velho carro, a aparecer em quatro ou cinco pontos estratégicos de cada uma das etapas. Ele que conhecia todas as estradas, caminhos e atalhos.
Creio que foi a última vez que falámos.
O desfecho, conhecido hoje às 9.30 da manhã, adivinhava-se há já algum tempo, mas não deixou de ser com inegável constrangimento que tomei conhecimento da sua morte.
Como ainda há alguns – poucos – meses eu aqui escrevia, adiar uma verdadeira festa de homenagem a este grande homem do ciclismo nacional significava poder já não o ter entre nós quando, finalmente se lembrassem disso. Infelizmente… eu tinha razão.
Não que ele, tanto quanto julgo tê-lo conhecido, se tenha importado muito com isso. Foi sempre um homem de dar muito, e habituado a pouco receber.
Em 1991 foi agraciado pela Associação de Ciclismo do Algarve, pela Câmara Municipal de Tavira e pelo Estado, que o agraciou com a medalha de Mérito Desportivo, mas faltou o tal reconhecimento concreto, tangível e inegavelmente merecido, por parte da Família do Ciclismo.
Hoje, claro, multiplicaram-se as palavras bonitas…
Eu curvo-me, respeitosamente, ante a sua memória e daqui envio, à família e ao Clube de Ciclismo de Tavira, os meus mais sentidos pêsames.
Embora acredite que o Eng.º vai continuar bem vivo para todos os que realmente amam esta modalidade.
3 comentários:
É de homens destes que o Ciclimo necessita e irá recordar para sempre. Até sempre Eng.
Caro Manuel MAdeira,
De facto o Ciclismo perdeu um grande HOMEM que por ele lutou muito...
Contudo, tenho que fazer um pequeno reparo ao seu texto, na parte em que refere que o Engº Brito da Mana não teve uma homenagem da Família do Ciclismo Nacional, pois ele foi um dos Homenageados pelo Alcobaça Clube de Ciclismo na Festa de Homenagem "PORTUGAL - 50 ANOS DE CICLISMO" realizada a 4 de Novembro de 2006.
Aproveito para enviar as minhas condolências à família.
Abraço
Carlos José Matos
Não me esqueci desse evento, amigo Carlos Matos. Uma iniciativa que na altura aplaudi, mas acho que o Carlos Matos entendeu onde eu quis chegar...
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