domingo, janeiro 20, 2008

1039.ª etapa

JUÍZOS DE VALOR E PALAVRAS NA MODA
(MAS QUE TÊM UM ENQUADRAMENTO QUE É ATROPELADO, CERTAMENTE POR IGNORÂNCIA)


Não sei se as ensinam nas faculdades onde se “dá” Jornalismo, mas a profissão, que é anterior, em bem um par de séculos, aos cursos superiores de Comunicação Social, é rudimentarmente – mas com siso - “explicada” com uma mão cheia de expressões até engraçadas.

Quem nunca ouviu, por exemplo, que “um cão que morde num homem não é notícia, mas se for o homem a morder no cão, aí sim, temos notícia”?
Ou, como dizem os anglo-saxónicos, “good news, no news; bad news, good news”?

Aparentemente, e em relação ao Ciclismo, tem sido este o conceito seguido.
O que eu sempre considerei gravoso e extremamente penalizador para a modalidade mas, principalmente, para a esmagadora maioria dos seus praticantes. E por isso, aqui, num espaço que é pessoal, assumi sem rebuços a sua defesa.

Alguma vez eu escrevi aqui que não, não acredito que haja doping no Ciclismo? Claro que não. Não o poderia ter feito porque não estaria a ser honesto. Há. Como o há noutras modalidades, como várias vezes também aqui insisti.

O que eu defendi, defendo e defenderei é que, primeiro, é abusador alguém, indivíduo ou instituição, envolver TODOS os Corredores sob o mesmo manto de suspeição;
depois, se há forma de apanhar os batoteiros, se há legislação aplicável, se apanham alguém a passar para além do risco e essa mesma legislação prevê penas concretas, consoante a dimensão do “crime”, e o prevaricador é julgado e condenado, cumprida a pena tem o direito de voltar a ser respeitado.

Mais, é intelectualmente (e não só, também o é socialmente) desonesto pretender julgar à luz da actual legislação “desvios” acontecidos há anos, quando a legislação da altura não previa esses casos como passíveis de penalização.

Porque nem eram conhecidos? Claro, também por isso…
Os primeiros Códigos da Estrada não previam a proibição de se andar a mais de 120 km/hora, simplesmente porque não havia, na altura, carros que conseguissem atingir essa velocidade.
Por isso as Leis se actualizam. Se adaptam às novas realidades.

Por isso, grande parte dos meus comentários, aqui, nos últimos dois anos – desde a famosa Operação Puerto – se tem centrado na defesa do direito que todos os Corredores têm ao bom nome.
Insurgindo-me contra quem, individuo ou instituição, insiste em olhar – e não raro, a tratar – todos pela mesma bitola.

Ou quando, à luz da actual legislação, querem à viva força condenar – porque acusações veladas, essas têm-se somado – práticas de há 10, 15, 20 anos, quando já havia legislação (houve sempre) e o que então se fazia não a contrariava.

Andavam à frente dela? Provavelmente. Isso sempre foi reconhecido.

O ónus terá de ser assumido pelo legislador. E se há tantos anos se sabe isso, que legislem, de uma vez por todas, a pensar no futuro, não em sequência do que aconteceu no passado. Não sei se os cientistas do doping são mais espertos ou se, pelo contrário, os que o querem controlar… menos inteligentes. Não sei.

Mas que há doping, ah!, isso há. Houve desde sempre, embora, como creio ser compreensível, tivesse sempre vindo a mudar de forma e conteúdo.

Portanto, não creio enquadrar-me naquele grupo de “entendidos que querem tapar o sol com uma peneira”, muito menos pretendo “contrariar todas as medidas que se possam tomar para combater o doping”. Não. Não caibo aí!

Isto tem a ver com aquela parte do “Juízos de valor”, que vai no título.

Passemos então à segunda parte do título.
Ciclicamente, e provando que a língua está viva e evolui, vão aparecendo novas palavras e expressões. Umas colam à primeira, outras custam mais a entrar no nosso léxico.

Introduzida há relativamente pouco tempo na linguagem do dia-a-dia através do Código Penal (na erudita linguagem do Direito), a palavra PRESUMIVELMENTE caiu no goto dos portugueses que, o que nem é raro e acontece com tantas outras, passaram a usá-la a torto e a direito sem fazerem a mínima ideia do que ela etimologicamente significa.

Curiosamente, o termo casa na perfeição com as minhas mais teimosas insistências: o direito ao bom nome e a presunção de inocência.

O Direito moderno teve – para respeitar aquilo que as também modernas Constituições dos vários Estados consagram no capítulo dos Direitos do Cidadão – que introduzir a palavra presumivelmente, culpado (por exemplo), mesmo que individuo seja mais do que suspeito, porque nos Direitos dos Cidadãos está consagrado que toda a gente é inocente até provado o contrário e ditada sentença em Tribunal – ou transitada em julgado, depois dos sempre possíveis (e previstos) recursos.

O presumível culpado da morte do vizinho à sacholada, mesmo que tenha sido apanhado de sachola na mão e o outro estendido à sua frente de cabeça rachada, só passará a assassino quando provado, por um Tribunal, que foi a sacholada que matou o outro. Este podia, ao tentar desviar-se, ter tropeçado e batido com a cabeça numa pedra. O primeiro seria reenquadrado numa acusação de homicídio na forma tentada.
Chamar-lhe assassino logo à primeira seria uma clara violação dos seus direitos enquanto cidadão e, demonstrado que afinal não matara ninguém, pelo menos directamente, assoma outro direito inalienável, o do bom nome, pelo que ficaria em posição de pedir a quem o acusara a devida compensação por danos morais e/ou materiais que tais acusações pudessem ter constituído.

Daí a introdução da palavra-chave PRESUMIVELMENTE, logo na linguagem do Ministério Público para que não seja o Estado – que se quer de Direito – o primeiro a atentar contra os tais direitos dos seus cidadãos.

É presumivelmente culpado quem, comprovadamente – com testemunhos ou provas concretas e válidas em tribunal – pode ser envolvido num caso previsto como crime.

O que eu continuo a ler e a ouvir é “os presumíveis implicados na Operação Puerto”…

Vejam como a ARD (etapa anterior) se viu na necessidade de pedir publicamente desculpas.

É que nenhum Tribunal julgou nenhum processo ligado a essa operação. Nem sequer está previsto que o venha fazer e, se ainda assim, isso vier a acontecer, sê-lo-á enquanto processo cível, nunca desportivo. Creio que isto está claro há mais de um ano.

A nova legislação referente ao combate ao doping (o legislador, pela primeira vez, lá conseguiu dar um passinho à frente dos magos da trafulhice) já prevê que um atleta possa vir a ser alvo de castigo mesmo que não acuse positivo.

Mas essa Lei há-de ter uma data de quando foi aprovada, publicada e a partir de que data entrará em vigor. Sempre para a frente. Não se pode agarrar numa Lei nova e voltar atrás no tempo para punir ninguém.

Então… a Operação Puerto acabou. Morreu.

Deixe-se de falar na Operação Puerto como o lobo-mau que ainda há-de devorar uma mão cheia de Corredores.

Porquê o presumivelmente implicado numa coisa que juridicamente é nada?!!!

A única consequência prática que pode vir a ter – aliás, já teve – é a de as equipas negarem trabalho a determinados Corredores, ou a de organizações imporem a sua não presença.
Mas a partir daqui terão a palavra os advogados das diversas associações nacionais de Corredores.

Todo a patrão é livre de escolher os seus empregados, mas conseguindo-se provar que aqueles agem em cartel – concertados, combinados entre eles –, o Corredor poderá alegar que lhe estão a usurpar um direito inalienável que é o acesso ao desempenho da sua profissão.
Lembrem-se do caso-Bosman…

Quanto às organizações imporem às equipas que Corredores é que hão-de escalar… é outra vez caso para os advogados, agora os das equipas que são instituições privadas com direito a gerirem os seus efectivos de forma a conseguirem os melhores resultados porque se trata, de facto de uma indústria.

Que move milhões de euros e envolve terceiros, que são os patrocinadores.

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