quinta-feira, janeiro 24, 2008

1044.ª etapa

THE WORLD IS A FOOTBALL

Os cotas, assim da minha idade, ainda hão-de lembrar-se de uma canção que, não tendo sido nenhum êxito retumbante, ainda assim passou vezes suficientes na Rádio, nos anos 80 do Século passado, para eu ainda me lembrar dela.

É a que empresta o nome ao título desta crónica e da letra só me lembro dos dois primeiros versos: "The World is a Football, that goes round and round…”

Nascido – na sua versão moderna, porque a sua história multiplica-se em teorias que chegam à China antiga – nas Ilhas Britânicas, o futebol começou por ser um desporto de e para as elites. E foi ainda com este estatuto que chegou a Portugal, trazida por jovens herdeiros de algumas das principais fortunas nacionais que foram mandados para Inglaterra para fazerem os seus cursos superiores e no regresso traziam a ideia e a paixão por esse jogo de cavalheiros.

Foram os filhos das melhores famílias portuguesas que fundaram os principais clubes.

Ou então… cidadãos britânicos residentes em Portugal.

No Porto, foram os britânicos residentes quem fundou o Boavista; logo os filhos da aristocracia local criou o Football Club – sem “e” – do Porto.
O Sporting nasceu sob a protecção do Visconde de Alvalade…

No entanto, rapidamente o novo jogo se propalou e, irremediavelmente, chegou às ruas.

Aos pobres. Ao proletariado.
Equipas como o Grupo Desportivo da CUF (Companhia União Fabril, propriedade dos fundadores do, mais tarde, poderosíssimo Grupo Mello), rasgaram novas fronteiras.


A luta pelo mercado – logo, a necessidade de grande publicidade – não existia, mas era bem uma grande empresa mostrar serviço social.

E a equipa de futebol não era mais do que isso.
Mas os exemplos são muitos, contudo, não é exactamente de futebol que aqui quero falar.


E acredito que, chegados aqui, todos vocês se estarão a perguntar… mas onde é que ele [eu] quer chegar com isto?

Pela expressão que conseguiu, com a abrangência – vai de milionários clubes nas mais diversas ligas profissionais (onde se pagam ordenados completamente ofensivos, em termos sociais), até às minúsculas e puramente populares colectividades onde ainda se joga pelo gosto de jogar – que tem e, principalmente, pela forma como as superiores entidades que o regem, o futebol é hoje um verdadeiro Mundo à parte da realidade social.
Que se dá ao luxo de ignorar, ou mesmo atropelar, as Leis gerais de qualquer país.

A Lei portuguesa proíbe – ou condiciona fortemente - a publicidade ao álcool.

Às bebidas alcoólicas.

E chegamos ao Ciclismo.

Independentemente da história que ainda não se pode contar – como em qualquer outra actividade, também nós, Jornalistas, nos obrigamos a um determinado período de nojo porque não é nosso papel fazer de polícia ou inspector – ainda todos estarão lembrados do abandono da Porta da Ravessa.

Porque, de facto, a legislação portuguesa não permite – ou condiciona fortemente – a publicidade às bebidas alcoólicas.

De uma assentada, e dou só dois exemplos – honestamente… são aqueles que agora me lembro – desapareceram do pelotão internacional a portuguesa a Porta da Ravessa e a italiana Vini Caldirola.

O fim da equipa Cantanhede-Marquês de Marialva (a marca de um vinho da Adega Cooperativa daquela cidade) começou a traçar-se com a incompatibilidade do patrocinador, à luz da Lei vigente.

Sem o mínimo receio de cair no ridículo, diria que o Ciclismo foi, uma vez mais, descriminado.

Porquê? Porque, por exemplo, a principal Selecção Nacional de futebol há anos que é patrocinada por uma marca de cerveja… com álcool.

O ano passado, a mesma marca estendeu-se ao Ciclismo, mas publicitando a versão Zero álcool da mesma marca.

Querem que seja honesto?
Eu sou.

Imaginem que é proibido fazer publicidade ao Vinho Tinto de uma marca que agora mesmo vou inventar: Baco!
Ao tinto.
Mas o Baco branco não tem problemas.
A marca está lá… Percebem?

Longe de mim, no entanto, o querer penalizar a tal marca que, no Ciclismo – por força da Lei – publicita a sua versão Zero álcool.

Mas voltemos um poucochinho atrás.
A mesma marca, com a versão mais comum, patrocina há anos a principal Selecção Nacional de futebol e vai, a partir do ano que vem, patrocinar – dando-lhe mesmo o nome – a primeira Liga do futebol profissional.

Aliás, e não acredito que isso não tenha pesado na decisão, já temos, neste momento, uma competição de futebol suportada por uma outra marca de cerveja, sem que tenha sido necessário recorrer ao subterfúgio da... versão Zero.

Porque é que o Futebol pode fazer publicidade a bebidas alcoólicas e o Ciclismo não?

Porque é que um dos mais famosos festivais de música que se realizam no nosso país leva o nome de uma outra marca de cerveja, ainda por cima tendo em conta que o público-alvo são os adolescentes e pré-adolescentes?

Mas a incongruência é ainda maior se tivermos em conta que uma das corridas internacionais do calendário português – voltei ao Ciclismo, é evidente – tem como patrocinador institucional o… Vinhos do Ribatejo.

E quando o Licor Beirão é (ou já foi) sponsor da Volta a Portugal…

O futebol é, de facto, poderoso.


Tão poderoso que se permite contestar uma decisão do CNAD (vocês sabem do que estou a falar…)
E o Ciclismo é, nestes casos, amorfo.

E de quem é a culpa?

(Um dia destes hei-de contar-vos a história, verdadeira, da “aventura” que foi a participação do Sporting-Raposeira - já era interdita a publicidade a bebidas alcoólicas no ciclismo - na edição de 1994 do Tour de França.)

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