quinta-feira, março 29, 2007

461.ª etapa


NÃO TEM NADA A VER COM CICLISMO
MAS... ATÉ QUE PODERIA TER

Escrevi, há dois artigos atrás, que tive que varrer a Net para tentar perceber o que acontecera hoje na etapa raínha da Vueta a Castilla y León...

Nesse passeio virtual, fui deparar com o artigo que tomo a liberdade de aqui transcrever porque o subscrevo sem hesitações. Espero que, nem os colegas do sítio Sportugal, nem o David Borges se importem...


Selvagens
Dantes éramos, nós os jornalistas, civilizados. Quando iamos ao aeroporto esperar uma equipa, nossa ou estrangeira, não impedíamos a passagem de alguém e não forçávamos declarações que os chegados não queriam fazer. Era nosso direito solicitar declarações e era direito dos chegados a decisão de as prestar ou não. Praticávamos a nossa liberdade de jornalistas em estrito respeito pela liberdade dos outros, dirigentes, treinadores, jogadores, cidadãos inteiros nós e eles, cientes os dois lados de que havia códigos na relação entre uns e outros, códigos de respeito de uns pelos outros, códigos de educação de uns e outros. Agora, somos uma chusma, um bando que se junta para exigir declarações a quem não as quer fazer e fotografar à força quem não deseja ser fotografado. Fico sempre constrangido por esta nova imagem do bando jornalístico a assaltar o alvo do seu interesse e uma parte desse constrangimento resulta do episódio que, há já algum tempo, revelou, mais do que algum outro, a nova face agressora do jornalismo moderno. Aconteceu não longe do Estabelecimento Prisional de Lisboa, quando o então primeiro-ministro António Guterres saía de uma visita ao deputado Paulo Pedroso, detido preventivamente no âmbito do desgraçado caso-Casa Pia. Rodeado de jornalistas e fotógrafos, querendo caminhar e não podendo, farto de dizer que não prestava declarações, Guterres parou, olhou os jornalistas nos olhos e perguntou: “já repararam na figura que estão a fazer?”

A vergonha dos jornalistas foi visível e a minha foi maior que a deles. De então para cá, a situação não melhorou e pelo contrário degradou-se. As turbas jornalísticas reunidas para conseguir uma fotografia ou uma opinião ou as duas coisas, transformaram-se nisso, em turbas descontroladas. A chegada a Lisboa, na quinta-feira passada, da selecção da Bélgica foi apenas mais um episódio do processo de degradação em que entrou o jornalismo e muito por causa da exigência que é feita a jovens repórteres (ou que estes resolvem fazer a si próprios…) atirados para a rua com a obrigação de regressarem às redacções com “aquela foto” ou “aquela declaração”. Consideremos, rapidamente, as circunstâncias. Stijnem, elemento da selecção belga, numa declaração irresponsável, disse, mais ou menos, que era preciso ir às canelas de Cristiano Ronaldo, logo no princípio do jogo, para o colocar (e à equipa portuguesa) em respeitoso sentido. Apesar de posteriormente ter tentado dizer que não disse o que tinha, de facto, dito, Stijnem, logo destacando como um pobre pateta, tornou-se, naturalmente, num alvo prioritário dos jornalistas portugueses e, em sequência, do público de Portugal. À chegada, protegido pela segurança, Stijnem quis seguir para o autocarro mas os jornalistas não deixaram. A tensão, os nervos, os empurrões, as alegadas agressões constituíram a natural sequência do filme, com o título a surgir, enorme, no dia seguintes: “selvagens!”

Eles, os belgas. E nós? De um jornal belga de sexta-feira, retiro esta pequena síntese dos acontecimentos, feita a partir de um olhar belga: “cinquenta jornalistas esperavam Stijnem a pé firme. Protegido por Timmy Simons e quinze policias, o jogador pensava que poderia chegar ao autocarro sem problemas. A tensão instalou-se porque os jornalistas impediam-no de passar (…). Pendurados no autocarro, mais jornalistas procuravam outra vítima, Mbo Mpenza (…). O presidente da federação foi também rodeado pela massa e o bravo homem ainda tentou dizer alguma coisa, mas os empurrões prosseguiram e a atmosfera degradou-se completamente”.

O episódio de quinta-feira, no aeroporto, foi, e bom seria que o jornalismo português o reconhecesse, não mais que a consequência de uma pressão a que não se deve dar o direito de existência. Sem a pressão jornalística, desrespeitadora dos direitos dos outros, nada se teria passado. E o problema é que, face à imparável subida desta pressão mediática, tudo é possível que venha a passar-se no futuro. A menos que, finalmente, o jornalismo se olhe ao espelho e, envergonhado, lembrando de novo António Guterres, descubra a linda figura que faz nestas ocasiões…

David Borges
Jornalista

1 comentário:

Pedro disse...

amigo manel....

a semana passada almocei com o zé miguel e o aps e este foi precisamente um dos temas que focámos . De um lado da barricada eu e o zé condenávamos a actuação dos jornalistas. Do outro, e como não podia deixar de ser, estava o António com a sua irreverência a defender as atitudes extremas dos jornalistas em busca "da" foto e "da" declaração.

Não esperava ver aqui, por intermédio do Manel, a opinião que
quis expressar ao aps. Daí que o vá convidar a dar aqui um pulo para lhe por juízo naquela cabeça (cabeluda)

Um abraço e Obrigado!!