terça-feira, fevereiro 05, 2008

1062.ª etapa

O QUE ESTÃO A FAZER AO CICLISMO?

Todas as pessoas de Boa Vontade – e sublinho o… de Boa Vontade – devem estar neste momento tão confusas o quanto eu. E com a mesma pergunta debaixo da língua: o que é que se quer, afinal de contas, do Ciclismo actual?

A mim parece-me que se está a perder o norte.
Provavelmente por falta de objectivos… objectivamente concretos.

A mim parece-me que, desnorteados, pior, aterrados com esse mesmo desnorte, há quem já dispare em todas as direcções sem que pretenda, realmente – e objectivamente – atingir alguém em concreto.

Parece-me que, aterrorizados, só querem mesmo fazer barulho de forma a que os fantasmas que visavam caçar não se aproximem.
Contra isso fazem barulho. Muito barulho.
Mas as saraivadas de disparos acabam, inevitavelmente, por fazer vítimas.

“SEU MAUZINHO, SEU MAUZINHO…

ISSO NÃO SE FAZ!…”

Desde 1998, quando do caso-Festina (e ainda antes, com o da TVM) e, apesar de tudo ter explodido com a detenção de um auxiliar técnico da equipa, o poder instituído fez aquilo que todos os poderes instituídos fazem: há uma bronca, é preciso mostrar músculo; mostrar músculo é aplicar sonoros castigos, então castiga-se o elo mais fraco da cadeia.
Os Corredores.

E, desde então, não tem havido temporada sem “casos”. Reais ou supostos.
Sempre com os Corredores como alvo.

O que mais me estranha é a atitude reinante durante todo este tempo – de 1998 a 2006 – e que foi, mais ou menos, o ingénuo transplante para a actualidade daquilo que acontecia nos anos 50, 60 e 70 do século passado.
O doping era algumas pastilhas que, individualmente, ou de forma já mais ou menos organizada por alguns, se compravam, mais ou menos livremente na farmácia da esquina.

Até rebentarem aqueles casos que referi lá atrás, o problema do doping era o de haver uma mão-cheia de corredores que se auto-dopava e que, pontualmente, fornecia a mercadoria a quem quisesse e pudesse pagar.

E foi sempre desta forma que as mais altas instâncias olharam para o problema. Não seria mais de meia-dúzia de trapaceiros, mais outra meia-dúzia de ingénuos…
Castigando meia-dúzia, entre uns e outros, dava-se o exemplo de que, quem manda, tinha na mão o controlo da situação.

E assim caíram, na última década, alguns nomes grados do pelotão.
Pantani e Heras são só dois exemplos.
E, enquanto o pau ia e vinha, descansavam as costas da UCI e da, entretanto criada, AMA.

Aliás, o caso-Festina foi da exclusiva responsabilidade do Ministério Público da República Francesa. E foi também o Ministério Público italiano que, uns anos mais tarde, viria a pôr o pelotão do Giro às avessas.
A História não se pode reescrever.

Nem num caso, nem no outro as autoridades desportivas fizeram mais do que – perdoem-me a imagem (peço sinceramente perdão, mas para dar força ao meu argumento, lá vai…) – o dono do cão que mordera o vizinho que se queixou e chamou a polícia e, quando esta já tinha o bicho preso na rede, lá de longe dizia: “Cachorro mau, cachorro mau! Isso não se faz…”
Sem tirar as mãos dos bolsos.

Foi esta a atitude das autoridades desportivas durante aqueles oito anos. Mais… desde sempre! E ainda não percebi o que é que querem agora.

TVM E FESTINA, FERIDAS INTERNAMENTE,
MAS TAMBÉM ONCE E BANESTO, POR EXEMPLO


Na consequência dos escândalos – inevitavelmente explorados – os patrocinadores TVM e Festina afastaram-se. O que se percebeu.
Mas persistem ainda hoje muitas dúvidas em relação à coincidência da pré-avisada saída do pelotão dos gigantes espanhóis ONCE e Banesto.

Quero dizer, com a dissolução do banco Banesto – melhor, a sua compra e integração, diluindo-se, noutra entidade – adivinhava-se que, findo o contrato, a marca sairia do pelotão. Só a boa vontade, e com o recurso ao eufemismo ibanesto.com (um endereço electrónico que ia dar… ao banco que o comprara), a equipa não terminou mais cedo.

Mais intrigante foi, sem dúvida, o tão previamente anunciado abandono da ONCE. Ainda a temporada não ia a meio.
O que é que os patrões da ONCE – uma fundação altamente lucrativa, a única entidade privada que pode vender cautelas, para além do Estado Espanhol – sabiam ou, pelo menos… desconfiavam?

Fiz a Volta a Espanha desse ano.
Todos os dias os jornais desportivos espanhóis traziam novidades sobre o futuro, tanto da ibanesto.com, como da ONCE.
José Miguel Echevarry e Manolo Saíz quase não seguiram a corrida, de tão atarefados que estavam em tentar assegurar o futuro das respectivas equipas.
O navarro – ia-se sabendo – andava de porta em porta; o cantábro movia-se nos corredores da UCI.

Eram as primeiras contracções que redundariam no parto do… ProTour.

Porque é que os patrões da ONCE resolveram, sem aviso prévio, anunciar o final do patrocínio à equipa? Porque é que a UCI se dispôs a reconhecer um filho do qual não era o pai? Confiava cegamente na… “mãe” e Sáiz, com total apoio do QG da UCI logra uma saída em frente.
Tenta subir e ficar acima de tudo e todos. Com o apoio directo e publicamente assumido da UCI.

Não acontecera nada.
Não acontecera nada ainda.

O que não se percebeu foi que a solução visava, mais do que tudo… com o beneplácito da UCI, fechar à volta das grandes equipas uma espécie de redoma. Um muro protector.
Grandes patrocinadores, contratos alargados, números com muitos zeros… grandes equipas acima de quaisquer outras equipas.

E contou-se – como se conta com o ovo no cú da galinha – com o incondicional apoio das grandes organizações.
Afinal de contas estavam a garantir um alargado naipe de… palhaços ricos.
À custa do quê?
Quem se importou?
Importou a UCI?
Importou a AMA?
Algum Comité Olímpico se importou?

DE UMA “MAÇÔ PODRE AO MANOLO,
O “COMPRADOR” DE… SANGUE


Mas já antes disto tudo explodira o caso-Jesus Manzano que, ressabiado, e a troco de uma choruda maquia, contou ao espanhol AS, tim-tim por tim-tim como é que havia quem andasse a velocidades diferentes no pelotão.
Quem se importou?
Importou a UCI?
Importou a AMA?
Algum Comité Olímpico se importou?

Andava todo o mundo – como dizem os nossos irmãos brasileiros – na lua.

Até que, há dois anos e – outra vez, outra vez – por iniciativa de um Ministério Público (desta feita, o espanhol) – rebenta a Operatión Puerto.

Não é por vocês que me estão a ler, é por mim. Por respeito a mim próprio. Não volto a dizer que se tratou de uma OPERAÇÃO POLICIAL, levada a cabo pelo Ministério Público do Reino de Espanha, pegando na coisa da única forma que poderia pegar-lhe: “Actividade que pode pôr em perigo a Saúde Pública.”

Entre os directamente implicados está Manolo Sáiz.
A história, contada por cronistas recém-chegados e sem conhecimentos de causa, ignoram-no. Melhor para ele.

Podíamos perguntar: mas onde é que estavam (onde é que estão) as autoridades desportivas? E os seus braços disciplinares? No quentinho de Aigle. Querem, contudo, apossar-se dos resultados do trabalho da polícia espanhola. Ok, Sáiz está inibido de dirigir ou ser treinador de uma equipa… Pelo menos isso, que mais não fizeram.

Da Operatión Puerto, que sobrava? Aqueles que sempre foram o alvo mais fácil – principalmente por quem é manipulado, qual boneco de cordas –, é evidente: os Corredores.
E na Suíça sorri-se para dentro.
Que sejam os Corredores!

Mas… hellás! O negócio do ProTour, cujo fim, por mais que isso tenha sido sempre escamoteado, visava o assalto aos dinheiros (gordos dinheiros) que as três grandes organizações factura(va)m.
Perdidos os anéis, é preciso salvar os dedos.

Manolo Sáiz é deixado cair, como se não fizesse parte de todo o esquema desde o princípio. Heins Verbrugghen prepara a sua saída do principal cadeirão em Aigle não sem antes garantir que lá deixaria um homem de mão. Ninguém sabe o que virá a seguir, por isso queima-se aquele que é mais… dispensável. Patrick McQuaid.
Mudar para que tudo fique na mesma.

CERCAR OS PUTATIVOS… “CULPADOS”

A UCI nem tanto, mas a Agência Mundial Anti-dopagem, que vive das verbas que os diversos governos disponibilizam, precisa, com alguns resultados que se vejam, mostrar serviço.
Na Suíça engole-se em seco. Também não podem ficar parados. É então que surge, aproveitando uma fraqueza da Organização do Tour – que, independentemente de o negócio correr sobre rodas, quer à viva força voltar a ver um francês no degrau mais alto do pódio – que se lembra de obrigar todos os participantes a assinarem uma carta ética (com os resultados que se sabe), a ideia do Passaporte Biológico.
Perfeito.

Monitorizados de uma forma que nenhum outro trabalhador por conta de outrem o é [ainda!... ], toda a atenção dos media vai centrar-se nos Corredores.

As corridas sem casos, por aborrecidas, terão meia coluna e os cinco primeiros classificados…
A grande página, quiçá, até a manchete, ficará pacientemente guardada para o primeiro cujo padrão registado no Passaporte Biológico se desvie um milímetro.
Tudo será líquido, não haverá questões acessórias a pôr. Passou do risco é culpado!

Sem perigo de danos colaterais.
Um caso de culpa… Um culpado!
Siga a roda!...

MAS A VIDA NÃO É PERFEITA!

O que interessa é que o ProTour ainda sobrevive. Um pouco mais condicionado, é verdade, mas sobrevive.
Os três maiores organizadores saíram… Pois!
Mas a Austrália já entrou para o Circuito. E há a África do Sul, os Estados Unidos. Quiçá… a China. A UCI faz contas: money, money, money… em chinês não sei como se diz!

A Astana, que esteve no epicentro de um dos casos mais polémicos na última temporada… trocou de corredores e de técnicos? Então é uma nova equipa e a UCI aceita-a. E aceita a taxa de inscrição. Pois!, também não sei como se diz pilim em cazaque!!!

A Telekom, depois de mui suspeitas confissões feitas em carreirinho abandona. Aparece outra equipa que se chama High Road, embora com a mesma estrutura daquela. Mas não vêem que é outra equipa? A UCI aceita-a. Venham os euros da inscrição.

Mas a vida não é perfeita.
A organização do Giro anuncia que não convidará nenhuma das duas – entre quatro que ficarão de fora – e a UCI não pode fazer nada.
Estarão a esta hora a pensar como explicar aos patrocinadores como é que aceitaram o dinheiro da inscrição, mais taxas, claro, e agora… as equipas não podem correr. E a nova Astana já está avisada: se quer ir ao Tour, é melhor não escalar o vencedor do ano passado, o espanhol Alberto Contador.

SOBRA SEMPRE PARA OS CORREDORES

Que mal fez Contador? Objectivamente, o que há contra o corredor de Pinto?
O que resta à AMA e à UCI é uma lista com algumas dezenas de pseudónimos que a Imprensa se dedicou a descodificar. E nem o facto de, nalguns casos devidamente anunciados, ter sido obrigada a confessar que estava errada, refreou a vontade que atiçar a fogueira.

A iniciativa de se avançar do zero com a criação do Passaporte Biológico é, por si só, reveladora de que nenhuma daquelas instituições tem já grandes dúvidas de que da Operatión Puerto saia alguma coisa, contudo, assistimos à vergonhosa ostracização de uma mão cheia de Corredores contra quem não há uma única prova concreta. Há concertação entre equipas – nomeadamente aquelas que ainda estão no ProTour – para os não contratar e às outras acena-se com a ameaça de não virem a ser convidadas para as principais corridas.

Corredores ainda com alguns anos de ciclismo para dar ao pelotão foram obrigados a retirar-se. E se houve quem tivesse confessado e, curiosamente, perdoados pela affición (não sei dizer em alemão!), continuaram as suas carreiras, quem não confessou - e, aparentemente, ninguém se preocupa com o facto de ser grande a possibilidade de não terem nada a confessar – vê-se, pelo menos, sob suspeita.

É ASSIM QUE SE QUER DEVOLVER

CREDIBILIDADE AO CICLISMO?

Será a maneira mais acertada para dar ao Ciclismo uma nova imagem? E esta, de tão manchada, só por si já exigiria a colaboração de todos e todos não seriam de mais...

Excomungando Corredores? Cerceando a participação de equipas, para desespero dos patrocinadores e num momento em que se percebe que não está fácil conseguir atrair novas marcas para o Ciclismo?

Deixando que acabem equipas?
Deixando que acabem corridas?
Não creio!

Todas as vontades – as boas vontades – se deviam unir e puxar o barco para o mesmo lado. Que é coisa que não está a acontecer. Pior, ainda se agitam mais as águas o que põe em risco a possibilidade de, pacificamente, se chegar a bom porto.

E o Ciclismo está mesmo a precisar de alguma bonança, de alguma acalmia, de forma a poder refazer-se. Em paz. Sem desconfianças e, se possível – porque é necessário – com algum crédito, porque pode levar algum tempo.

Mas deixo um alerta: seja o que for que queiramos fazer pelo Ciclismo, não o podemos fazer sem Corredores. E não, não são estes os verdadeiros maus da fita!

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns pelo ótimo texto.

Resumindo é o que eu sempre escrevo e falo: estão punindo os usuários enquanto os maiores interessados (e beneficiados) estão a solta, ganhando milhões.