domingo, maio 14, 2006

82.ª etapa


VOLTA A PORTUGAL.1




PARTE I

Daqui a 3 meses... estará terminada mais uma edição da Volta a Portugal da qual poucos saberão o que já é possível saber.
A falta de informação, tendo em conta o impacto desta que, durante décadas, foi a segunda maior manifestação desportiva em Portugal, malgrado os títulos - até mundiais - que íamos conquistando no hóquei em patins, presta-se, é bom de ver, a todo o género de especulações. Que não são desejadas. Que não devem ser desejadas. Que não deviam ser proporcionadas pela própria Organização.
Os jornais, já de si cada vez menos atraídos pelo fenómeno das bicicletas, em ano de Mundial de Futebol têm todas as baterias assestadas na Alemanha. E há uma tendência para minimizar as nossas próprias organizações. Veja-se o exemplo recente do Dakar. A notícia de que, pela primeira vez na sua história, o raide no deserto norte-africano arranca mais tarde, acabando-se a tradição da passagem de ano em vésperas de se entrar no Continente Negro, se viesse, via-agências, de Paris, teria dado matéria para uma página inteira, pelo menos. Foi em Lisboa que isso foi anunciado e, em média, lá "sacou" pouco mais do que um quarto de página em cada jornal.
Curiosamente, em solo nacional o promotor é o mesmo da Volta a Portugal.
Por ali tudo, ou quase tudo, gira em volta de um núcleo duro que não consegue despir o "blazer", o polo, as calças de linho, os sapatos estilo vela e o chá das cinco num qualquer selecto clube da Linha com vista para um campo de golfe.
Não sou ingrato, nunca fui, e não esqueço que a JlSports/PAD salvou a Volta ao comprar as dívidas desta última e ao assumir o compromisso que ela tinha para com a FPC, de qualquer modo, o ciclismo – e mesmo a Volta – continua a ser o “filho adoptivo” pobre. O ano passado a empresa que, ano após ano vem, quase a pulso mas muito seguramente, a elevar o Estoril Open, em ténis a patamares que há dez anos eram impensáveis, “adoptou” mais um evento, o Dakar, e logo se percebeu que este seria o “adoptivo” rico.
Num e noutro evento – Estoril Open e Dakar – a presença portuguesa, não que eu ache que é apenas para “decorar”, tem, malgrado os Carlos Sousas e as Elisabetes Jacinto, os Fredericos Gil e as Fredericas Piedade que são sempre motivo de interesse e lhe dão o tal toque nacional, são, na sua essência, eventos para exportar. Tudo. A começar pela imagem da entidade organizadora.
Aceito que em termos empresariais ambos sejam bastante mais aliciantes do que a Volta a Portugal, que, ao contrário dos outros dois acontecimentos, não atrai investimentos nem parecidos. Antes pelo contrário. Serve apenas para, em complemento à exposição, principalmente televisiva de alguns dos patrocinadores, estes voltarem a ter mais 10 dias de televisão. Do “bolo” total dos tais investimentos, a parte de leão já foi gasta no Estoril e guardada para o Dakar do ano que vem. A Volta tem de viver com os restos. E mantém-se refém das autarquias que, como todos sabemos, estão tão sobre-endividadas como o comum cidadão. Tecnicamente em pré-falência mesmo que algumas façam das tripas coração para poderem ter, também elas – ou os seus responsáveis – uns minutinhos na TV.


PARTE II

Achei muito interessante um artigo colocado no Cyclolusitano por um Miguel S. – que não sei quem é – no qual coloca em patamares iguais as capacidades financeiras das autarquias francesas e portuguesas, chamando a atenção para o facto de que, quem organiza manifestações desportivas do calibre de uma Volta a Portugal deveria ser capaz, não de ir apenas bater à porta das Câmaras Municipais a pedir dinheiro, mas de levarem produtos suficientemente apelativos para serem vendidos. E ninguém lhe negará, a ela Miguel S., razão quando aponta um facto que parece escapar aos observadores domésticos. Em França, o Tour acaba sempre em Paris, a capital, mas, mas outras 20 etapas... quantas são as grandes metrópoles que aderem? Poucas. Muito Poucas. Quase nenhumas. As etapas começam e acabam em pequenas localidades das quais, na maior parte das vezes nunca ouvíramos falar nem somos capazes de identificar no mapa. Terão capacidade financeira para que a sua comparticipação pesa no todo do orçamento do Tour? Também duvido. Mas a corrida vai aos pontos que, em termos desportivos, mais interessam ao espectáculo ciclismo. No Giro de Itália acontece a mesmíssima coisa. Tirando Milão, final obrigatório... quais são as grandes cidades que acolhem a prova? Qual será o segredo deles?

Eu não conheço a realidade francesa mas, pelo contrário, as seis voltas a Espanha que já fiz dão-me uma ideia de como as coisas funcionarão. É verdade que a Unipublic – entretanto comprada, tal como aconteceu à PAD, pela Antena.3 – precisa escolher de entre dezenas de localidades candidatas à partida ou chegada de etapas, mas no orçamento da prova o “income” originário das autarquias é quase residual. Dá para os extras. Porque a corrida é garantida por meia dúzia de grandes patrocinadores.

Os grandes – à nossa escala - patrocinadores que temos, a organização da Volta a Portugal atrai-os para pagarem o Estoril Open e o Dakar, oferecendo-lhe ainda, como “bónus” o ciclismo. Mas o dinheiro não estica. É público, saiu em todos os jornais e foi falado na rádio e na televisão que, como contrapartida ao facto de receber uma etapa do Dakar, o município de Portimão ganhava o direito de ver a Volta a Portugal começar ali. Por mais um punhado de euros, Portimão viu-se promovida em todo o Mundo, aquando do Dakar, e vai ter mais espaço na televisão em Agosto. Foi um bom negócio para a autarquia. Mas, e para o ciclismo?

Depois de uma temporada com etapas de 130, 140 quilómetros... na Volta o pelotão vai ter que fazer Portimão-Lisboa em duas etapas, Portimão-Beja-Lisboa, ainda por cima. Façam os cálculos da extensão de cada uma delas.

PARTE III
No artigo de Miguel S. – que à boa maneira do Cyclolusitano viu de imediato as canelas ameaçadas por inofensivos mas chatos “vira-latas” só porque, bem ou mal, mostrou que é capaz de pensar pela sua cabeça (e, afinal, parece saber mais do que alguns gurus da casa) – li outra coisa interessantíssima.
Começo por confessar que eu era um dos que não achava piada nenhuma ao “Há Volta”. Não achava, nem vou achar, a manter-se nos mesmos moldes, mas a sua chamada de atenção deixou-me a pensar. E se calhar está certo.

A televisão, com um espaço popularucho – irritam-me solenemente aqueles que acham que o ciclismo não merece mais porque é uma modalidade cujos adeptos, logo, potenciais consumidores dos produtos por ele tornados visíveis, são essencialmente das classes média-baixa e baixa – dizia eu, com aquele espectáculo popularucho, até está a fazer o seu papel e penitencio-me por não ter percebido a sua intenção. Arranja um programa que “prende” espectadores até à hora de por no ar o espectáculo. Sim, porque em termos verdadeiramente desportivos, a cobertura integral das etapas em provas de duas ou três semanas pode redundar numa coisa chata, como podemos observar agora, no Giro. Há excepções, claro que há, mas em 60% das vezes são fugas que toda a gente sabe que não vão chegar ao fim... e que só acontecem porque a TV está em directo, por causa da publicidade.

Claro que os responsáveis pelas equipas não vão concordar comigo. Eu sei que o retorno publicitário é fundamental para quem investe numa equipa de ciclismo, mas que há etapas que nos levam ao bocejo... isso há. O que interessa são os últimos 50 quilómetros, altura em que os mais cotados começam a correr, anulam as fugas, se posicionam e decidem a etapa.
Para alargar o leque de espectadores é preciso o “Há Volta”? Continuemos então com o “Há Volta”. Há coisas piores na televisão.

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