quinta-feira, maio 18, 2006

86.ª etapa



"PAPOILAS SALTITANTES" REGRESSAM AO PELOTÃO





Sei de cépticos que ainda dirão: «Só quando os vir na estrada!» mas, tal como escrevi anteriormente, seria a primeira vez que uma obra com o dedo de João Lagos não daria alguma coisa. O Benfica está de volta ao Ciclismo. Como defensor do regresso dos três grandes fico satisfeito e quero acreditar que, mais dia menos dia, o FC Porto fará o mesmo. Infelizmente vejo a coisa mais difícil para os lados da Avenida Padre Cruz. Grande, Imenso, Homem que ganhou – muito justamente – em vida, lugar na História do Desporto nacional, o professor Moniz Pereira, na dor que sente pelo declínio do “seu” atletismo não abre sequer uma brecha de esperança a qualquer outra modalidade no Sporting.

Mas este artigo é, antes de mais, para saudar o regresso de Orlando Rodrigues. Já o escrevi uma vez, no meu jornal: o Orlando foi vítima da incultura desportiva deste país, nomeadamente dos autoproclamados amantes do Ciclismo. Aos 21 anos foi segundo na Volta a Portugal (em 1991 - a primeira que eu cobri – ao serviço da modesta Ruquita-Feirense, orientada, curiosamente, pelo último técnico do Benfica, António Brás), depois de uma passagem menos visível pela Sicasal, rumou a Espanha, para a Artiach onde Paco Giner fez dele figura de proa da equipa, tendo ganho duas voltas a Portugal consecutivas, em 1994 e 1995, e quando a formação das bolachas acabou, fundindo-se com a Kelme, passou para a grande Banesto onde se tornou um dos maiores, senão o maior, à altura, co-équipier do pelotão internacional. Faltaram-lhe alguns resultados – esteve, por duas vezes à beira de ganhar etapas no Tour, lembram-se? – e, por isso, após o regresso, apagado, a Portugal, saiu pela porta pequena. Não o merecia. E todos lhe estamos ainda a dever uma homenagem que será de todo justíssima. Discreto, avesso às luzes da ribalta, pese embora sempre tenha sido um corredor – dos primeiros, aliás, no nosso pelotão -, a apresentar discursos sensatos e coerentes, saiu de cena com a mesma humildade com que derramou o seu suor em prol dos homens que tinha que escoltar, em nome da equipa. A Banesto, no caso. E, até hoje, não se lhe ouviu um lamento, o que prova a sua integridade enquanto homem.

É claro que Orlando Rodrigues compreenderá – e estará, de certeza, preparado para isso - que nos próximos tempos surjam dúvidas quanto às suas capacidades de tomar conta do leme e logo de uma nau com o “calado” de uma equipa do Benfica. Nunca cultivámos aquilo que pudéssemos dizer ser uma amizade cimentada, ao contrário do que aconteceu, no que me diz respeito, com outros corredores da sua geração, mas respeito-o muito e acredito que, sabendo o que sei acerca da sua postura enquanto homem, se aceitou este desafio é porque está ciente de que é capaz de corresponder às responsabilidades que se avizinham.

Daquilo que, presencialmente testemunhei da sua carreira, lembro as vitórias no “crono” da Lourinhã e depois da chegada a Lisboa, na última etapa da Volta de 1991, que terminou a escassos 23 segundos de Jorge Silva; lembro-me da quase “sobrenatural” chegada à Torre, em 1995, num dia de Inverno rigoroso, em pleno Agosto, sem pano de meta, por causa do forte vento, sem risco na estrada, por causa da chuva (era uma fita presa debaixo dos pés de dois dos elementos das chegadas que fazia de meta, mas também ela voou) e com um nevoeiro que não dava mais de 10 metros de visibilidade. A luta, quase palmo a palmo, travou-a com o seu amigo Joaquim Gomes, levando Orlando a melhor nas últimas dezenas de metros.

E lembro-me, também com frio, mas tempo seco, de uma etapa com chegada ao alto da Sierra Nevada, na Vuelta de 2000. Orlando a esgotar-se na tentativa de rebocar Abraham Olano serra acima, o navarro a por o pé no chão e, pouco depois, Orlando a desistir também. Estávamos em Pradollano, a pouco menos de 7 km da meta e fomos nós, o Bruno Santos, o Fernando Emílio e eu quem avisou os colegas espanhóis que o seu candidato tinha desistido. Saltaram como uma mola, incrédulos. Pouco depois sabíamos que o “nosso” Orlando também ficara na subida, mas levara até ao fim o trabalho em prol do seu chefe-de-fila.

É este homem que vai dirigir a futura equipa do Benfica. Dele só podemos esperar um trabalho honesto.

A outra grande novidade do dia é a inclusão de Justino Curto no projecto. Amigo do peito, “irmão” de estrada, primeiro como director de corrida do Troféu Joaquim Agostinho, depois quando director da Rotator-JC Leasing, numa Volta a Portugal. Tantas noites a falar de ciclismo... Benfiquista “empedrenido”, homem empreendedor, daqueles de encharcar a camisa... vai ser interessante ver como o “frio” e calculista Orlando Rodrigues e o “explosivo” – em todos os sentidos - Justino Curto vão coabitar sendo certo que cada um é o complemento do outro. No meio – não será, concerteza, exactamente “no meio” - teremos a racionalidade empresarial de João Lagos, um sportinguista de coração – chegou a ser atleta do clube, em ténis, claro – que aposta (outra vez) no Ciclismo, colaborando com o emblema rival de sempre.

E pronto, os maldizentes de sempre meteram a viola no saco e, como é costume nestas situações, saíram de fininho pelo canto escuro da sala. Afinal, a Comunicação Social não “inventara” o regresso do Benfica ao Ciclismo.



PS: Até dentro da CS, houve quem, na 4.ª feira escrevesse que «o ex-ciclista Orlando Rodrigues surge como possível director-desportivo» e hoje rescrevia: «O ex-ciclista nega categoricamente qualquer ligação ao projecto», talvez porque na 4.ª feira se esquecera de falar com ele, ao contrário da concorrência... que irá escrever amanhã? Fico curioso.

2 comentários:

José Carlos Gomes disse...

A mim causa-me confusão que um grupo empresarial que organiza parte significativa das corridas do nosso calendário, inclundo a Volta Portugal, seja o grande impulsionador deste projecto.

Há aqui alguma promiscuidade que incomoda, mas tirando isso (que não é pouco), sejam bem-vindas as camisolas do Benfica.

Aliás, eu sou o exemplo provado da importância do ciclismo para os clubes. Foi graças ao ciclismo e às magníficas prestações do Joaquim Gomes que me tornei boavisteiro.

mzmadeira disse...

Caro José Carlos Gomes, primeiro, e enquanto não soubermos os contornos completos desta iniciativa, é capaz de ser um pouco prematuro fazermos juízo de valores, de qualquer modo, não é caso único no Mundo. Não sei que idade tem mas há uma década atrás, e como parte do "pacote" de obrigações imposto à Unipublic pela Real Federação Espanhola de Ciclismo fazia parte a criação e sustento de uma equipa profissional para dar trabalho aos corredores que não "coubessem" nas outras equipas. Chamou-se, durante alguns anos, Deportpublic e veio correr várias vezes a Portugal. Depois houve uma evolução e a equipa passou a ostentar o nome de um patrocinador os espumantes CastelBlanch, que também foi presença assídua no nosso pais. De CastelBlanch - que correu, por exemplo, lembro-me agora a Volta ao Alentejo ganha por Asiat Saitov (Artiach), em 1995 - apareceu o patrocínio da cidade de Estepona e a equipa, que depois viria ainda a chamar-se MXOnda (onde correu Vítor Gamito), deixou a Andaluzia e sedeou-se nos arredores de Madrid. Ainda existe. Chamou-se apenas Fuenlabrada e hoje é a Relax (nome do patrocinador).

Quanto à promiscuidade... em termos desportivos ganha quem tem pernas, independentemente de quem apoia ou patrocina. Não é?

Obrigado por continuar a participar. É sempre bem vindo.