quinta-feira, maio 25, 2006

92.ª etapa



REQUIEN POR UM GURU

Esperei dois dias até me resolver a abordar o assunto.

Em Espanha, ontem, numa acção montada desde há 4 meses pela Guardia Civil, foram presas cinco pessoas ligadas ao ciclismo e, qualquer delas sem qualquer hipótese de defesa. Manolo Sáiz entrou sem nada nas mãos num café, o tétrico Eufiminiano Fuentes juntou-se-lhe um pouco depois, levando consigo uma maleta, tomaram o cafézinho da praxe, apertaram as mãos e Sáiz saiu trazendo a maleta. Sem estardalhaços, sem televisões em directo, as forças policiais abordaram o “homem” forte do ciclismo espanhol, fizeram-no abrir a maleta... não havia como ocultar o delito. Ao mesmo tempo Fuentes era convidado a acompanhar os agentes da Guardia Civil e, noutros pontos da cidade de Madrid e em Saragoça, mais três detenções, entre elas a doe José Ignácio Labarta que, quem o conhece, tem cara de quem não é capaz de fazer mal a uma mosca.

Ao contrário do nosso “apito dourado”, a polícia espanhola não avançou para o Magistério público com um monte de cassetes debaixo do braço. Gravou durante meses as conversas dos suspeitos cujos telefones pôs sob escuta (por alguma razão terá sido), gravou em vídeo mais de 200 atletas de alta competição – infelizmente, muitos, muitos ciclistas, e de renome, dizem – a entrarem e sair do consultório de um outro médico onde “só” encontrou mais de um milhar de doses de substâncias dopantes e ainda algumas centenas de saquetas de sangue. Parte congelada, parte ainda a ser preparada para isso.

Não vai haver Procuradores Públicos amigos, Juizes, Governadores Civis ou Ministros a quem estas figuras possam ligar pedindo para que o processo seja anulado porque as mensagens telefónicas, codificadas, podem não ter o sentido que a polícia julgou terem. (E não teriam?)

Por cá... o apito dourado vai dar em nada. Como era de prever num País de “comadres”, de favor paga favor, de gente com as costas quentes.

Não acontecerá àqueles polícias espanhóis o mesmo que aos seus colegas portugueses que viram meses de investigação serem considerados lixo, e ainda saem como os maus da fita.

Mas tudo começa bem antes, no organigrama do Estado. Enquanto aqui as coisas avançaram porque um Procurador do Ministério Público teve a coragem (deve estar bem arrependido!) de meter a mão no ninho de vespas, para depois se ver perfeitamente ultrapassado pelo compadrio vigente, que não tem força de Lei mas manda mais do que Ela, em Espanha o processo “nasceu” no Conselho de Ministros, foi ratificado pelo Congresso de Deputados e, a partir daí... nada a fazer.

E Manolo Sáiz bem que foi libertado depois de ouvido, respaldado num problema de hipertensão que “aconselhava” a sua não detenção e sob a figura de “simples comprador” e não de cabecilha da rede. Terá adquirido apenas produtos para “consumo próprio”, coisa pouco, tanto que até lhe sobraram uns trocados de 60 mil euros, em dinheiro vivo. Coisa normal em qualquer vulgar cidadão, o sair a tomar café com um amigo com 60 mil euros no bolso.

Sáiz está em liberdade. Não se sabe ainda se para continuar, ou se no desenvolvimento do caso não ganhará mesmo uma estadia gratuita num dos cárceres da Polícia Civil. Livrou-se por agora a isso, mas não se livrou de ficar com o destino de três dezenas e meia de famílias nas suas mãos porque, como era de prever, a norte-americana Liberty esperou apenas 24 anos para accionar as cláusulas do contrato milionário que dava para tudo, até para o manager da equipa ir tomar café com 60 mil euros no bolso da camisa. As contas fecharam hoje. Esta tarde. Tudo o que é devido à empresa Active Bay, da qual Sáiz é accionista maioritário, que é dona da equipa será pago. A partir de amanhã nem mais um dólar e... os símbolos da Liberty fora das camisolas da equipa espanhola.Mas 60 mil euros devem chegar para encomendar algumas caixas de autocolantes a dizer Active Bay, ou “lo equipo soy yo”... para estamparem sobre a cabeça da estátua da liberdade.

2 comentários:

RuiQuinta disse...

Só queria dizer, que penso ser justo a Liberty deixar de patrocinar a equipa, mas que não admito que algumas pessoas chamem mais ciclistas ao barulho, antes de estes estarem a ser oficialmente investigados. Quem o faz só pode ser anti-ciclismo.

Cumprimentos, e aproveito para dizer que não comento mais, porque a minha opinião é quase sempre identica à sua

mzmadeira disse...

Rui... as "fugas de informação" estão a acontecer em Espanha. Eu sou suspeito e sabes porquê, mas se um jornalista escreve que a polícia tem em seu poder videos onde se vê A ou B a entrar e a saír da malfadada clínica...