quinta-feira, março 09, 2006

Media.2


À posteriori, depois de lançada a questão dos jornalistas, especializados, ou não, mesmo mantendo a génese deste Blog, que é dedicado ao Ciclismo, abro uma 2.ª Via para tratar das questões que, tendo sempre como base o desporto que amamos, caem mais para o lado dos media. Feito este aviso à navegação... retomemos o assunto: Jornalistas, especialização ou não.

Já agora, e embora creia que isso seja perfeitamente óbvio, sublinho que o que aqui escrevo é apenas a minha opinião. A forma como vejo o fenómeno ciclismo e, a partir de agora, nesta via, também ciclável, dos media. Daí que ache perfeitamente natural que outras pessoas tenham opiniões diferentes. Coisa que nem todos entenderão, estou certo.


Retomemos, então, a questão da especialização dos jornalistas e, é evidente, tem este escrito a ver com o comentário postado por um leitor (e que agradeço, sinceramente, mesmo que não concorde comigo) em resposta ao anterior artigo por mim editado.

Futebol à parte, sou da opinião que o tratamento das demais modalidades, amadoras, para-profissionais ou profissionalizadas, devem ser tratadas por jornalistas com muito mais que o mínimo de conhecimentos. E explico já porquê. Porque, se o futebol é universal e transversalmente abrangente, em termos de leitores, quem procura o noticiário sobre as diversas outras modalidades são, em primeiro lugar, aqueles que a ela estão, de alguma forma ligados, logo, seus perfeitos conhecedores. E é suicídio editorial um chefe de secção escalar um jornalista que não perceba perfeitamente as nuances de um jogo de Voleibol fazer a Crónica de um jogo de voleibol. Reportagem é outra coisa. Falo da Crónica, da análise crítica do jogo.

E é bem fácil de perceber. Se quem vai ler em primeiro lugar são os dois treinadores, e depois os jogadores e os dirigentes, árbitros ou ex-técnicos, jogadores ou dirigentes, ou árbitros, se a Crítica não for sustentada, e isso só acontece se o Jornalista perceber de Voleibol, não só a porão em causa, como descredibilizará o Jornal (ou rádio, ou televisão).

A questão é a seguinte: se estou certo que 99,9% dos que estão a ler este texto concordam com o que escrevi, partindo do princípio que, quem vem ler o VeloLuso é porque quer saber de Ciclismo, porque será que pressinto que, no que respeita à nossa modalidade a percentagem baixaria?

O que leio no Cyclolusitano, que continua a ser uma referência, apesar de o Fórum ser algo descaracterizado, estilo bancada de campo de futebol, onde todos são treinadores, deixa-me pistas. E há as reacções como as do leitor que comentou o último texto que editei.

Defendo que a cobertra das provas de ciclismo devia ser feita por quem percebe mais que o mínimo de... ciclismo. Ele esgrime com direitos universais dos Jornalistas. Não aceito lições nesse campo. Pelos anos de profissão, pelas diversas redacções que conheci, pelo facto de ter feito parte de Conselhos de Redacção... Não aceito. Eu conheço os direitos dos Jornalistas. E os nossos Deveres. E só estou contra o facto de quem não é Jornalista, e título de equiparação, para os jornais regionais ou locais e rádios regionais ou locais, são diferentes dos dos Jornalistas profissionais por alguma razão, apareça a querer fazer o trabalho daqueles.

Em qualquer Jornal, em qualquer Órgão de Comunicação Social, os redactores estão escalonados de uma maneira lógica. Por isso uns escrevem Crónicas de Jogo, outros fazem apreciações individuais, outros ainda fazem reportagem e há ainda outros, guardados para as Grandes Reportagens.

(Abro um parêntisis para vincar o quanto acho que a Reportagem, a variante Raínha do Jornalismo, hoje em dia estar praticamente reduzida à tarefa de colocar microfones e gravadores à frente da boca de tudo o que fale. Infelizmente. E há jornalistas que não fazem mais do que isso.)

Voltemos, então, ao Ciclismo. Concretamente, à Volta a Portugal pois, apesar da mal usada ironia do tal leitor que já referi, é verdade que em 80 por cento das outras corridas já me vi sozinho... mais um ou dois desses curiosos do jornalismo. Que são, alguns deles, meus amigos mas que, como escrevi, jamais me aceitariam a seu lado, nos seus empregos, da mesma forma como eu os aceito a meu lado, no meu trabalho. E a grande maiora deles é má. Não é o cartão de Imprensa ou do CNID que faz deles jornalistas. Ora, porque hão-de, então, estar ali?

E depois há um desconhecimento total das regras do jogo. Somos uns eternos provincianos e não aprendemos porque não queremos.

O acordo entre a AIJC (Associação Internacional de Jornalistas de Ciclismo) e a UCI foi olhado, primeiro, como qualquer coisa impossível, género OVNI que aterra no nosso próprio jardim. Depois, perceberam que, afinal, pode ser a sério (daí o esgrimir com a Carteira Profissional ignorando que a advertência de que "ao portador deve ser facilitada a sua tarefa" é apenas válida para as Entidades e Organismos do Estado, já que qualquer pessoa ou instituição privada pode exigir o seu direito à... privacidade, e aí só um Tribunal pode obrigar a abrir as portas) e a primeira reacção é, passe a segunda redundância em duas frases seguidas, primária: a fuga em frente.

O que a AIJC pretende é que o Ciclismo seja bem tratado, em termos informativos. Por Profissionais com provas dadas e só em Portugal é que há jornalistas de ciclismo sazonais. Em mais nenhum país do Mundo podia acontecer o que acontece neste canto de provincianos que, bastava darem um salto a qualquer cidade fronteiriça, no lado espanhol, durante a Vuelta, e comprarem um dos muitos e bons jornais (que não folhas, jornais a sério) locais para perceberem que, durante 19 dos 21 dias de competição a informação sobre a Vuelta é comprada às agências noticiosas e que, no dia em que a corrida está na terra, quatro das cinco páginas que o acontecimento merece são reportagem, com o excelentíssimo alcalde do ayuntamiento, ou mesmo o chefe do governo regional, com o público anónimo que vai vibrar com o espectáculo e com fotos, muitas fotos de festa. A quinta página, que traz a Crónica da etapa e mesmo as declarações dos protagonistas... é igual à de todos os dias, assente nos serviços de agência e tratada por jornalistas que sabem sobre o que estão a escrever. E o público leitor gosta.

Rádios locais em Espanha? Nem num país onde, cada vez mais, as equipas estão ligadas às regiões autonómicas isso passaria pela cabeça de ninguém.

Têm os seus programas de música regional e de discos pedidos e, à hora definida, põem no ar o som de uma das três grandes cadeias nacionais, a RNE, a Onda Cero ou a Cadena SER. E quem fala? Jornalistas que sabem do que estão a falar, comentadores reconhecidos por todos e as entrevistas conduzidas por quem não confunde o Corredor A com o Corredor Y.

Nós, por cá, e como em tudo, conseguimos, em relação, concretamente a Espanha, em apens 30 anos atrasarmo-nos 50 (!!!).

E reage-se sempre mal quando no horizonte se perspectivam mudanças. Mas o Mundo não pára. E mesmo contra mentalidades retrógadas... havemos de lá chegar.


Nota final: Na nossa Volta não há-de ser sempre como queremos (como diz aquele leitor que respondeu ao meu artigo anerior), com o cartão de utente dos serviços de saúde mascarado de carteira profissional de jornalista. A organização responde perante a UCI e esta saberá fazer vingar os acordos estabelecidos.

2 comentários:

José Carlos Gomes disse...

Não concordo com as ideias da UCI e da AIJC e, tal como o Madeira, estou no meu direito e a minha opinião apenas me representa a mim. Penso que a medida em equação de limitar o acesso dos jornalistas às provas de ciclismo não defende a modalidade.

O que defenderia a modalidade seria alargar o leque de profissionais competentes para a cobertura das corridas. Concordo com a análise do Madeira segundo a qual há jornalistas ou equiparados que caem como paraquedistas nas voltas que por aí se realizam. Essas, como pouco percebem da modalidade, não a ajudam a desenvolver-se. Só que a solução não pode ser arrumar com eles e estabelecer uma élite reduzida que, do alto da sua sapiência, dita o que é para se dizer ou não de cada etapa, de cada corrida. Isso limitaria a liberdade de imprensa.

Se a UCI e a AIJC estivessem realmente interessadas em desenvolver o ciclismo, fariam era um protocolo de colaboração, visando dar formação aos jornalistas em termos técnicos do ciclismo. De que forma? Criando cursos, ministrados simultaneamente por actores do mundo do ciclismo e por jornalistas devidamente conhecedores da matéria, de modo a permitir que os jornalistas menos especializados, mas bastante interessados, pudessem conhecer melhor o ciclismo e, ao mesmo tempo, receberem dicas de como integrar esses novos dados nas técnicas jornalísticas que já foram adquirindo.

Isso sim faria muito pelo ciclismo, porque levaria a que mais pessoas estivessem capacitadas para transmitir as incidências de uma corrida ao seu público, alargando o leque de pessoas tocadas por jornalismo velocipédico de qualidade.

Quer limitar a cobertura das corridas à elite muito sapiente, pode beneficiar essa elite e dar-lhe mais protagonismo, mas não ajuda a modalidade.

mzmadeira disse...

Caro José Carlos Gomes, você não concordar com aquelas instâncias deve aborrecê-los imenso. O que interessa é que tanto uma como a outra entidade Têm legitimidade para acordar o que julgarem melhor para que ambas defendam os interesses dos respectivos associados.

Gosto da sua proposta, no sentido de tentar-se, melhorar os conhecimentos de alguns dos equiparados a Jornalistas (não percebo porque invoca a liberdade de Imprensa se nem sequer estamos a falar de Jornalistas Profissionais, é quase como eu invocar o Direiro ao Trabalho, consagrado na nossa Constituição, para, na eventualidade de me encontrar desempregado, me apresentar na primeira empresa que encontrasse e sentar-me a trabalhar lá, não é?).

Voltando à sua ideia, é exequível, mas por outros meios. Não está à espera que a UCI, ou a AIJC, se lembre da Folha de Trás-os-Montes ou da Rádio Voz da Pampulha!...

Os órgãos de Comunicação Social é que poderiam pensar nisso. Muitos estão ligados a Associações, então promovam encontros, seminários, qualquer coisa... Convidem Directores-desportivos, Organizadores, a FPC e Jornalistas Profissionais para falarem de ciclismo.

Resta-me agradecer a sua participação, esperando que apareça mais vezes, ajudando a tentar melhorar a qualidade daquilo que se escreve sobre ciclismo.

Uma nota: ser Jornalista Profissional não é suficiente para se ser um razoável repórter em qualquer modalidade específica, muito menos achar-se qualificado para opinar sobre ela. Eu sou jornalista e não me atrevo a comentar assuntos de Política Internacional ou Economia, por exemplo. Reconheço que há colegas peparados para isso e não me imiscuiria no trabalho deles.