terça-feira, novembro 20, 2007

976.ª etapa

O “PASSAPORTE” BIOLÓGICO!
FALHAM OS ESCLARECIMENTOS,
ADENSAM-SE AS DÚVIDAS…
(*)

Confesso-me, mais do que incomodado… confundido.
Incomodado, sempre, na linha que venho a defender. Se há um problema para resolver, que se actue, mas sem beliscar os direitos do Cidadão. Já devem começar a ficar fartos disto… compreendo, mas não posso – nem quero – calar-me.
Confundido com o que li hoje.

Logo, por ler que um Corredor pode vir a ser punido mesmo que não seja apanhado em nenhum controlo.
Porquê? Por quem e como?
Depois porque leio que, e cito: “… considera-se dopante uma substância ou método que melhore o rendimento desportivo, seja prejudicial à saúde ou contrarie o espírito desportivo”.

Não sei sou só eu – e pode ser que seja, porque a cabeça não anda boa – mas vejo que ali se enquadra perfeitamente algo tão vulgar como… um normal treino de estrada.

Explico: treinar melhora o rendimento desportivo; treinar, de Dezembro a Fevereiro, sob aguaceiros e temperaturas baixas faz, de certeza, mal à saúde; e como os Corredores treinam habitualmente agrupados consoante a zona de residência, acho que se enquadra no “contrário ao espírito desportivo” ver um corredor da equipa “A” a fazer de lançador a um outro, da equipa “B”, ou ainda um outro da equipa “C” a puxar declaradamente por um quarto, da equipa “D” em eventuais ensaios em qualquer rampa, mesmo que estejam apenas a treinar.

Levada a coisa ao extremo, treinar passa a ser considerado… método proíbido!!!
Logo, passível de penalização!
Definitivamente… está tudo doido!
(Se ainda não leram… leiam a 975.ª etapa…)

Mas antes de voltar à explicação que hoje pudemos ler, deixem-me intercalar isto:
“O passaporte biológico visa controlar subjectivamente o desportista. Parece-me inaceitável que um indivíduo interprete os diferentes parâmetros [que constarão no “passaporte”] sabe-se lá sob que critério a não ser apenas aquele que ele próprio possa ter. Um sistema [deste tipo] para que seja credível deve ser objectivo. Um “passaporte”, um documento que fique à mercê de uma interpretação alienatória, de uma, duas ou três pessoas, é absolutamente ilegal. Tanto como aquela ideia peregrina de colocar um “chip” nos Corredores para que se possa saber em qualquer altura onde é que se encontra.”

Isto foi dito pelo espanhol Luis Sanz, advogado, doutorado em direito e antigo assessor da Real Federação Espanhola de Ciclismo, numa conferência-colóquio patrocinada ontem pelo jornal El Diário Vasco, e citado pelo Todociclismo.

Passemos então ao “passaporte”.
Já todos ouvimos falar dele, mas poucos sabemos realmente o que virá a ser.
Leio: “… serão sancionados por doping os corredores cujo passaporte biológico (curva de hemoglobina e reticulócitos fixada em seis análises) não se encontre na média estabelecida.”

Ok…
Desprezemos o que em português escorreito (ai! ai!...) poderia ser lido como definição de “passaporte biológico” (o passaporte é uma curva?!) - já agora, reticulócitos são glóbulos vermelhos jovens, no sentido de recém produzidos pelo organismo - e assentemo-nos no que interessa.
Quem é que vai aferir esses “passaportes” sendo que estamos, inequivocamente, em presença de dados médicos, logo, sujeitos a protecção?

Como é que vai ser?

Tal como acontece hoje em dia, na véspera da corrida, na obrigatória reunião técnica na qual os directores-desportivos levam consigo as licenças de todos os seus corredores… vão passar a levar também o “passaporte”? E ver o que nele consta? E passá-lo ao adjunto que o representará nessa reunião?
Quantas pessoas vão ter acesso a uma informação protegida?
Seja como fôr, é uma clara violação à Lei de Protecção de Dados Individuais em todos os países do Mundo.
Pelo menos onde há democracia que garanta os Direitos dos cidadãos.

“Passaporte” é uma mariquice que inventaram para baptizar o que não é mais do que uma Cédula de Saúde. E a verdade é que o meu médico pessoal, se isso me for pedido, pode passar-me um atestado médico a garantir que estou apto para ser não importa o quê, mas jamais nele poderá referir quaisquer dados concretos. Isso é sempre e para sempre assegurado.
Nenhum médico dará informações específicas sobre um paciente.
E pode negá-lo, mesmo que o paciente se não oponha. Assim dita o seu Código Profissional.

Como irá, então, funcionar esse bendito “passaporte”?
Percebi que se farão seis análises – presumo que decaladas no tempo – a cada um dos que (apesar de tudo) querem continuar a ser Corredores Profissionais.

E depois?
(Os laboratórios também estão obrigados ao sigilo!, aliás… são coordenados por médicos…)
Baseada em que Lei (e não há regra que se substitua à Lei) é que os corredores serão obrigados a entregar a terceiros resultados médicos que a Lei lhes garante serem pessoais?
Ninguém me pode obrigar a mostrar as minhas análises clínicas a mais ninguém que ao meu médico. E este delas não falará a ninguém.
Então como raio é que funcionará o “passaporte”?

Ok… pelos regulamentos os Corredores são obrigados a aceitar que se lhe façam análises sanguíneas. E a Agência Mundial Anti-dopagem (ou uma das suas associadas) pode, de facto, somar informações. A questão é esta: mas pode usá-las?
É que guardá-las é uma coisa (e estará previsto na Lei que superintende a Agência), mas… poderá usá-las?

E aqui reside a linha de fronteira que separa claramente o Direito corporativo dos Direitos Fundamentais do Homem.
Lá está… é isso mesmo!

O fantasma do caso-Bosman, no futebol, que os actuais advogados do cazaque Andrei Kashechkin pretendem accionar.

Não há saída legal para obrigar seja quem fôr a disponibilizar a, não se sabe quem, dados de teor estritamente pessoal. Dito de outra forma, é garantido ao Cidadão que ninguém, para além do que as leis gerais do seu país já prevejam, terá acesso aos seus dados pessoais.
Venha de lá a mais bem pintada UCI.

Portanto eu acho que o “passaporte” é ilegal.
É ilegal sem dúvida.

Pode a UCI, tal como fez a ASO este ano, limitar a participação nas suas corridas a quem assine um “compromisso de honra” ou disponibilize um “passaporte biológico” que – (chamo a atenção para isso) afinal de contas parece que, pelo que li hoje, pretende reunir muitas mais informações do que a tal… curva dos blá-blá-blá (até os papagaios, às vezes com menos esforço, repetem o que se lhe diz…), indo até a parâmetros hormonais e ao ADN – por tudo o que já foi dito é ilegal?
Se calhar acha que pode.

A questão que sobra é esta: e o que vai ser do Ciclismo?
Sem esquecer esta outra… são os seus responsáveis que estão a acabar com ele!...

Voltarei ao tema…
-
(*) - Que fique bem claro e sem o menor espaço para dúvidas que o que questiono aqui é a "mensagem", não o "mensageiro"! Para que conste...

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