terça-feira, dezembro 05, 2006

343.ª etapa


REFLECÇÃO - II

Ainda não há meia dúzia de anos o Ciclismo – com pontos, aqui e ali (como em Portugal, por exemplo), onde já se experimentavam dificuldades – parecia viver em estado de graça.
Modalidade que sempre viveu das façanhas daqueles que se tornaram seus ícones, no início da década de 90, com o aparecimento de Miguel Induráin que conseguiu o que era julgado impossível – ganhar, consecutivamente, o Tour por cinco vezes – o ciclismo encetou uma fase de enorme vigor, em Espanha, onde, depois de alguns anos de menor visibilidade, de repente surgiram grandes equipas e uma mão cheia de corredores bastante acima da média. Ora, tal como numa bomba, este foi o rastilho-ingnição que levaria à explosão.

Tradicionalmente senhor de prestigiosos pergaminhos, o ciclismo italiano foi o que melhor respondeu ao boom espanhol e para além dos Alpes também surgiram alguns corredores que rapidamente se transformaram em ídolos. No meio, órfã de nomes (individuais e mesmo ao nível de equipas), a França sempre teve por si a felicidade de ser a pátria do Tour, onde os maiores nomes se juntam, ano após ano. O Ciclismo viveu anos dourados… até 1998, quando rebentou o caso-Festina. Apenas a ponta do tal iceberg que ainda hoje flutua à vista mas do qual não se percebeu ainda a verdadeira dimensão. Mas… Aqui estávamos a voltar atrás. Já escrevi sobre estes casos. Mas não escrevi uma coisa importantíssima: foi a própria modalidade a criar a regulamentação e a traçar as linhas de combate pelas quais ainda se rege. É no Ciclismo que a luta anti-doping é mais visível e com mais resultados. Só que se confunde isso com o ser a modalidade mais flagelada. Será? Eu tenho dúvidas.
Mas eu ia seguir em frente.

Esses anos de ouro, que pouco mais têm que uma década, levaram ao aparecimento de grandes equipas. Grandes em todos os sentidos. Grandes estruturas. Grandes e… caras. Difíceis de alimentar. Sustentadas, no caso de Espanha, por duas instituições – ONCE e Banesto – que puderam, durante anos, suportar o seu crescimento. O alerta soou de repente – e quase sem que houvesse tempo para lançar as balsas – quando, em simultâneo, ambas resolveram retirar-se. Aqui deu-se, de facto, início àquilo que hoje se vive.

Vejamos. Dando um passito atrás, a verdade é que, apesar da superioridade daqueles dois gigantes – como da Mapei, em Itália; a Telekom, na Alemanha; a Rabobank, na Holanda e o lento, mas seguro, percurso ascendente da, no início, insuspeita US Postal que até veio correr uma Volta a Portugal, sem ter feito nada de assinalável (um tal Tyler Hamilton ficou em 15.º, quase a 20 minutos do primeiro) – havia espaço, e ia havendo dinheiro, para que outras equipas surgissem e se mantivessem no grande pelotão, equipas onde, por sua vez, iam despontando também nomes individuais que iam ganhando o seu próprio espaço. Mexia-se, o Ciclismo. E como ia havendo dinheiro…

Eu estava em Espanha – acompanhando a Vuelta – e pude constatar o rodopio em que José Miguel Echevarry e Manolo Sáiz se viram envolvidos para encontrarem alternativas que tornassem viável a continuidade dos seus (caros, mesmo no sentido de dispendiosos) projectos. Não foi fácil.
E foi quando, ou por ter percebido que a situação poderia repetir-se quando o novo sponsor resolvesse sair, ou apenas porque vislumbrou a oportunidade para pôr em prática algo que já vinha a ser amadurecido, Manolo Sáiz, com a aquiscência do Estado Maior da União Ciclista Internacional concebeu o ProTour.

Falidas ou não, as sociedades proprietárias da licença para correrem o Grande Calendário acabariam sempre por conseguir quem as financiasse. Em troca prometem a maior das visibilidades às marcas que as patrocinarem e para isso comprometem-se a ir a todas. Para irem a todas têm de ter muitos corredores e por isso juntam nos seus quadros todos os que, noutras equipas, iam sendo a pitada de sal que dava o sabor à luta durante a temporada. Numa frase: reduziram o Ciclismo ao círculo fechado do ProTour levando a que se diluissem outros projectos que, por não terem hipóteses – e também não cabiam lá todos – de reunir os orçamentos milionários necessários ficaram pelo caminho.

E à élite das equipas juntou-se a élite das provas. Com o mesmíssimo resultado. Provas que deixaram de poder contar com as grandes equipas e com os grandes nomes… a pouco e pouco vêm a extinguir-se.

Menos provas, menos oportunidades para as equipas não-ProTour competirem, dificuldades financeiras nestas porque perderam a visibilidade…

Há três anos atrás, a diferença entre fazer uma temporada sossegada e uma onde fosse real a hipótese de se subir de divisão – logo, ficar mais perto da notoriedade – seria de 100 mil euros. Hoje, para entrar no ProTour não chegam 5 milhões. É preciso também que abra uma vaga.

O circo ficou restringido ao grande ProTour.
Os ricos vão fazer tudo para ficarem ainda mais ricos e, lenta mas inexoravelmente, os pobres ficarão mais pobres.

É por aqui que se deve começar a procurar uma solução.

Sem comentários: