quarta-feira, dezembro 13, 2006

354.ª etapa


CICLISMO PORTUGUÊS, QUE FUTURO?
INTRÓITO II

Partamos, então, na busca de onde é que essa tal revolução tem que ser iniciada.
Diz-nos a ciência – como o é a matemática – que qualquer coisa para crescer tem que partir de uma base. Base à qual se vão acrescentando degraus, definitivamente mais estreitos, cada um em relação ao seu antecessor, o que nos leva à figura de uma pirâmide.
Pirâmide é algo que, inevitavelmente, vemos como sólido. Até historicamente capaz de resistir aos tempos. E é claro que, seja em que campo fôr da nossa sociedade, para que algo se sustenha nos píncaros precisa que uma boa base esteja sob si, a sustentá-lo, Mas há sempre excepções que confirmam a regra.

Estamos a falar de Ciclismo, sim. Mesmo que ainda não o pareça.

Agora… sendo que a base, larga, de sustentação precisa mesmo ser formada por quem se sinta verdadeiramente atraído pela modalidade – ao contrário da tal história das escolinhas de futebol, onde só entra quem tiver paizinhos ricos (ou quase isso), mesmo que tenha tanto jeito para a coisa como eu para tocar piano – é preciso motivar os muito jovens para uma modalidade extremamente exigente. Uma modalidade sobre a qual, antes de tudo, os pais devem alertar os filhos que não é só aparecer de maillot colorido vestido numa bicicleta artilhada para dar nas vistas. Uma modalidade que exige sacrifícios que outras dispensam perfeitamente. Onde a força de vontade é meio caminho andado o que significa que a vontade da força sai derrotada à partida.

Os miúdos que escolherem o Ciclismo, terá que ser por amarem, de verdade, a modalidade. E depois de lhes ter sido explicado tudo pelo que terão de passar e, principalmente, tudo pelo que nunca vão poder passar.

Chegados aqui, temos drasticamente reduzido o número de candidatos a Corredores. E chaga o segundo passo, não menos importante.

Continuo a auxiliar-me do exemplo das escolinhas de futebol.
O que é que um jovem de 10, 11… até aos 15 anos perde por andar numa escolinha de futebol? Nada!
Pratica algum exercício físico, o que é sempre bom, alarga o seu relacionamento com outros jovens da sua idade e… nada, mas mesmo nada o penalizará. Antes pelo contrário. Dirá, até ao fim da sua vida que andou na escola de futebol, com o fulano de tal que, por acaso, se tornou numa das estrelas da modalidade, quando tiverem ambos 22 ou 23 anos.

E o que andou numa escola de Ciclismo?
Ultrapassada a aprendizagem inicial, entrando no universo da competição… deixa de poder ir com os amigos (e amigas) às festinhas, às saídas de fim-de-semana (porque, muitas ou poucas, lá irá tendo as suas corridas)… numa frase: entra num mundo à parte. Mundo onde só quem à volta dele orbita aparece. É diferente na escola, é diferente na rua onde mora… às vezes é diferente na própria casa.
É precisa uma grande força de vontade.

E, hoje em dia, o que é que acontece?
Que se abraça esta causa, pondo de lado tudo o que já referi, sobe-se a muito custo todos os degraus até, por exemplo, aos sub-23 e, aos 23 anos de idade, numa altura em que é preciso fazer uma opção clara, em relação ao futuro, no que diz respeito à carreira académica, aos jovens – à enorme maioria dos jovens – depara-se-lhes um caminho sem saída.
Não há mais hipóteses para eles no Ciclismo.
Não há equipas. Não há competições.
Os mais razoáveis dão o braço a torcer. Encostam a bicicleta e maldizerão para sempre o terem um dia escolhido o Ciclismo. Perderam as festas de anos, as saídas ao fim-se-semana. Perderam os desafios próprios da sua idade de então. Reduziram o seu mundo a meia dúzia de pessoas, todas elas ligadas a uma coisa que, agora, chegada a hora da verdade, os rejeita.
A separação, até por ser em conflito,com aquilo que um dia sonharam, será eternamente dolorosa.

Quando, lá mais para a frente, voltar a falar de escolas de Ciclismo, será sempre tendo em conta que os jovens que escolherem esta modalidade como hipótese de saída profissional – sendo que esta profissão é daquelas que tem que ser escolhida, e não pode acontecer por mero acaso – partem tendo um mínimo de hipóteses de poderem vir a concretizar os seus sonhos.

Recupero, uma vez mais, algo já dito. Como em tudo na sociedade actual, para que seja possível alguém segurar-se no topo tem que beneficiar de uma base de sustentação bastante alargada. Tem que haver mais candidatos do que lugares disponíveis para que apenas os melhores possam continuar em frente, mas não pode continuar a ser, mais do que um triturador de sonhos, um triturador de vidas.

É justo – mais!...é fundamental! - que, quando se entra num jogo as regras estejam perfeitamente definidas.
É com isso que temos que nos preocupar na reconstrução do nosso Ciclismo.

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