quarta-feira, dezembro 13, 2006

355.ª etapa


CICLISMO PORTUGUÊS, QUE FUTURO?
INTRÓITO I

Neste já longo período que levo afastado das lides profissionais descobri uma coisa, coisa essa que não é opção quando em actividade. Há alturas em que não me apetece escrever. Certo que lá aparece um assunto ou outro que, até para contrariar a monotonia, forçam ao quebrar dessa preguiça, luxo ao qual não tenho habitualmente direito.
E serve este intróito para me desculpar perante os meus leitores pelo facto de os ter deixado pendurados quase uma semana na expectativa quanto àquilo que penso sobre o que poderia ser uma saída para o ciclismo nacional.
Vai agora.

Convém, antes de mais, estender o cenário sobre o qual pretendo projectar aquilo que penso.

É evidente que, no actual panorama, o ciclismo português atingiu há muito o prazo de validade. Em conversas que vou mantendo com várias pessoas ligadas à modalidade, e quando se trata de especular sobre o futuro, vai-se do 8 ao 80, esquecendo-se que… no meio está a virtude.
Há uma anedota que diz, recordando o livro do Genesis, no qual se lê que o Mundo foi construído a partir do caos, que já não nos falta nada… é começar a reconstruir.
Mas falta – e esta é que é a grande verdade do nosso Ciclismo – quem esteja disposto a deitar mãos à obra.

Não levem a mal por os chamar assim, mas existem vários teóricos para quem a reestruturação do Ciclismo Português tem que ser feita de base. Não sei se desta base que temos mas, mesmo que não seja assim, não concordo.

O Ciclismo é uma modalidade com particularidades muito suas. E aqui valho-me de um exemplo: as escolinhas de futebol. Vão ver que não é inocentemente que falo disto.

Quantos anos tem esta moda? Que vingou e a prova é que as referidas escolas – pagas a preços altíssimos – têm vindo a multiplicar-se. Mas, e até pelos preços cobrados, pecam por serem selectivas. Só os filhos dos que têm um rendimento bastante superior à média nacional podem dar-se ao luxo de colocar o petiz a tentar aprender de forma a vir a ser um novo Cristiano Ronaldo. E atenção a esta parte que também é importante.
Mas a história diz-nos que os melhores futebolistas de sempre vieram da rua. Do futebol da bola de trapos… de Eusébio a Pelé. Até o próprio Cristiano Ronaldo.
Há coisas para as quais o dinheiro não importa. Uma delas é o talento com que cada um nasce.

Por isso, e por educação, eu limito-me a sorrir perante quem defende que o ciclismo tem que começar na escola. Nas escolas.
Eu defendo o ciclismo na Escola – assim, em termos genéricos – mais pela oportunidade que isso traria a muitos jovens de experimentar uma bicicleta do que por outra coisa. Pode-se fabricar um campeão na escola? Ah, pois pode. Vejam-se os exemplos da antiga RDA, dos quais Jan Ullrich foi o último produto acabado se bem que com as duas alemanhas praticamente reunidas na altura em que começou.

E se eu acho que as escolinhas de futebol são sectárias, que dizer das escolas de Ciclismo? Então, o nosso maior nome na modalidade não foi, ele mesmo, um campóneo que usava a bicicleta para ir trabalhar na quinta?

Tentar reconstruir o edifício do Ciclismo nacional a partir de escolinhas – particulares ou patrocinadas pela FPC – revelar-se-ia, mais cedo, ou mais tarde, uma aposta furada com a qual só ganhariam os respectivos promotores. Ganhavam em termos financeiros, que no que à prática respeita, duvido muito que desse alguns resultados.

O que não quer dizer que não sejam importantes no todo da estrutura do Ciclismo. Como tentarei explicar. Mas não sendo a base da renovação.

Volto então ao exemplo das escolinhas de futebol.
Qual foi o segredo descoberto por meia dúzia e que parece ter dado resultados? (Financeiros… deu, na óptica do promotor. Práticos… estou à espera do primeiro exemplo.)
Pois bem, com o advento de inúmeras jovens esperanças da modalidade, dizendo de outra forma, com a idade dos ídolos a baixar exponencialmente, algumas das estrelas do passado viram na abertura das escolinhas um projecto e negócio bastante viável. Que se provou ser verdade.
E muitas delas (dessas estrelas) contavam ainda com a auréola que os coroou como chamariz. E voltamos ao ponto em que, quem tiver dinheiro é que põe os filhos nessas escolas. Mesmo que sejam morfologicamente inadaptáveis à condição de jogadores de futebol.
Não queria que isso acontecesse no Ciclismo. Quem se chegasse à pretensa formação apenas porque o pai teve dinheiro para inscrever o puto numa escola.

(Eu sei que não é totalmente assim, nas escolas que já existem. Mas que também há partes disto que se encaixam na realidade, disso também não tenho dúvidas. Como acontece o caso de muitos pais que foram corredores medíocres, obrigarem os filhos a escolher o Ciclismo na esperança de verem neles confirmados os sonhos que os próprios falharam.)

Não!
Em definitivo, apesar de achar que têm a sua importância, não será a partir das escolas que o nosso Ciclismo poderá encetar a revolução.

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