sábado, dezembro 23, 2006

370.ª etapa



IGNORANDO A FORÇA DA RAZÃO
QUEREM IMPÔR A RAZÃO DA FORÇA

Duas pequenas notas só para esclarecer eventuais… más interpretações.

* Primeiro: sou, sempre fui, fiel respeitador daquilo que os mais dotados para isso decidiram que passaria a vingar, dando letra à Lei;

* Segundo: aprendi a recusar despotismos, defendendo, hoje e sempre, que, sendo a Sociedade um colectivo, ela é formada por Indivíduos e que estes não podem ser apenas um argumento para que uma elite molde, não a Lei, mas aquilo que lhes daria jeito que a Lei fosse, de forma a que os seus interesses particulares apareçam como se fossem perfeitamente legítimos.

* Conclusão: não existe, de facto, má vontade da minha parte para com a União Ciclista Internacional, ou para seja quem fôr. Já deixei a minha opinião, que é desabonatória, em relação ao ProTour (pelo menos nos actuais moldes) e a algumas posições semi-oficiais tomadas pela Associação Internacional de Grupos Desportivos Profissionais de Ciclismo (AIGPC, do francês). Como aquela de expulsarem da congregação a Discovery Channel só porque contratou o Ivan Basso. Ilibado de tudo o que sobre ele fora indiciado pelas duas estruturas italianas com autoridade para isso.


Mas passemos ao assunto desta crónica.

Na tarde do passado dia 13 (p.p.), na reunião ordinária do Grupo de Trabalho com vista a aprovar o Calendário UCI-ProTour, os representantes da AIGCP, o director-geral da Crédit-Agrícole (França), Roger Legeay, e o manager da Gerolsteiner (Alemanha), Renate Holczer, não esconderam do também presente Francesco Moser, presidente da Associação dos Corredores Profissionais (ACP), que todas as equipas – deduzo que as remanescentes, após as exclusões da Active Bay, de Manolo Sáiz (que nem equipa tem) e da Discovery Channel – do grupo ProTour tinham deliberado obrigar os seus corredores a aceitarem, por escrito, facultarem uma amostra do seu ADN.
Meio veladamente – se calhar não foi tão meio assim -, deixaram no ar que “o Corredor que resistisse a esta solicitação viria, concerteza, a ter grandes dificuldades em conseguir assinar um contrato".

Se isto não é uma ameaça clara, eu não me chamo Manuel José Madeira e, pergunto-me, o que é que poderia acontecer – aliás, deixem-me refrasear: o que é que não terá já acontecido? Quantos não terão já sido os profissionais que, para garantirem o pão para a família – e ressalvo que não estou mandatado por ninguém, mas acho que nesta guerra toda quem se lixa é, como habitualmente, o mexilhão e, com esta minha tendência endógena para ficar do lado dos mais fracos, estou com os Corredores – não assinou já o tal papel.

Contudo, Francesco Moser não perdeu tempo e contactou todas as associações filiadas na APC. A resposta da maioria – por isso eu escrevi quantos não terão já assinado – dos corredores auscultados pelas respectivas associações foi clara e diz: A DECISÃO SERÁ PESSOAL, RESPEITANDO O COLECTIVO AQUILO QUE QUALQUER UM VENHA A FAZER VOLUNTARIAMENTE mas acrescentam que NINGUÉM SE PODE VER OBRIGADO A FAZÊ-LO, SALVO NO CASO DE A LEI A ISSO O OBRIGAR.

Podíamos ficar por aqui. Na verdade, reconheço que pouco acrescentei a outros escritos sobre este tema, a não ser a parte de as equipas ProTour estarem a tentar coagir os seus corredores a aceitarem uma coisa que… NÃO SÃO OBRIGADOS A ACEITAR.

Não sou especialista em direito nem tenho, agora, aqui, nada que me possa ajudar a responder pelos Corredores portugueses. Mas tenho o importantíssimo contributo do presidente da Associação de Corredores Profissionais de Espanha, José Rodriguez.

Consultadas autoridades judiciais espanholas, José Rodriguez pode, em nome dos seus associados, recusar aquela exigência da AIGCP porque, segundo a Lei espanhola isso tratar-se-ia de um delito de coacção, punível judicialmente com uma pena de 6 meses a 3 anos de cadeia (a quem obriga a assinar) ao abrigo do artigo 172 do Código Penal espanhol, pena que pode ser acumulada com outra, com o mesmo intervalo de duração, esta ao abrigo da Lei de Trabalho, no que respeita aos Direitos dos Trabalhadores.

Por isto eu escrevi, logo no início, naquela nota introdutória, que aqui estou, para levantar a voz contra quem, fazendo tábua rasa da Lei geral, pretende impôr… Códigos de Ética, dos quais todos conseguem ficar de fora, excepto os Corredores.

Apesar de este ser um espaço de Opinião e de Comentário, posso adiantar que a APCP subscreveu, a par das associações de corredores de França, Bélgica, Suíça, Itália, Espanha e Holanda, aquele texto que leram lá atrás, em maiúsculas e numa cor diferente.


---

Mas, e por isso mesmo, por ser um espaço de Opinião e porque sei que muitos Corredores me lêem, mesmo que não mo tenham solicitado digo: EU, sem hesitações, seria irredutivelmente pelo NÃO absoluto. É que isso do voluntariamente... Quer dizer, há um que não aceita assinar, mas, voluntariamente lá aparecerão cinco ou seis para o seu lugar.

E permitam-me que conte uma pequena estória que vivi na pele quando ainda trabalhava na ferrugem - porque eu não nasci com o cú virado pr'á lua e nunca tive padrinhos e tive de começar a trabalhar com 17 anos para poder pagar a continuação dos meus estudos. Mas não me envergonho do meu passado, antes pelo contrário. Tenho muito orgulho nele.

Uma certa vez, e porque as condições de trabalho eram insustentáveis, em reunião entre nós, TODOS concordámos que não o faríamos até que houvesse condições. A chefia, usando o velho truque do falar com cada um à vez, individualmente, convenceu a esmagadora maioria a voltar ao trabalho (estou a falar do início dos anos 80). Sobraram quatro irredutíveis. Aqui o MJM e mais três.
O que é que aconteceu? Todos foram colocados a trabalhar nas partes mais acesíveis. Nós os quatro levámos 4 ou 5 dias sem fazer nada! Satisfeitas as nossas exigências, os quatro fomos mandados para a parte mais dura de roer. Só nós os quatro. E uma coisa que, dividida por 20 era feita numa semana, levou-nos mês e meio a fazer. Saímos de lá todos partidos, mas com a nossa dignidade intacta.
Foi uma das muitas lições que a Vida me ensinou.

Sem comentários: