quarta-feira, dezembro 06, 2006

345.ª etapa


REFLECÇÃO - III

(É preciso que leiam as etapas 344 e 343 para seguirem a linha de raciocínio)

Ontem fiquei no ProTour. Recomeço daí.
A ideia surgiu de repente e não foi dado a ninguém muito tempo para a pesar. Para ver os prós e contras. Num primeiro impulso as equipas aderiram. Malgrado a necessidade de engordarem os orçamentos, motivou-as o facto de terem garantida a presença nas principais provas do Calendário Internacional. E isto é sempre um argumento de peso quando se pede ao patrocinador que invista um pouco mais. Depois, havia a garantia das transmissões televisivas que, não sendo a única, é a melhor e mais tangível forma de ver traduzido em publicidade o investimento feito pelos patrocinadores.

De qualquer modo, o Calendário assentava, na sua maior parte, em corridas já existentes. E com passado histórico. Para o ajeitar, promoveram-se mais uma ou duas. Terá sido pelo ProTour que na Alemanha se recuperou a sua volta e a Polónia viu promovida a sua. Uma corrida interessante mas que é uma das brechas – das várias que há – nesta estória do ProTour.

Para fazerem face ao desmesurado calendário que, obrigatoriamente têm de cumprir, as equipas aumentaram os seus plantéis até aos 30 corredores. Mais atletas do que o plantel de uma equipa de futebol. E todos têm de correr. Por isso há corridas onde estão as camisolas mas faltam os nomes sonantes. Por isso há casos de fraca aderência de público, de pouca receita televisiva. Há casos insustentáveis que, mais dia, menos dia, acabarão por reconhecer que não vale a pena estar no ProTour.

Quem rapidamente percebeu que não valia mesmo a pena estar no ProTour foram as Três Grandes. Aqui foi gritante a forma, quase diria ursupadora, como a UCI se portou.
Giro, Tour e Vuelta tinham as vacas, eram donos das pastagens e recolhiam e vendiam o leite. A UCI propôs-lhe manter as duas primeiras, mas ficava com o leite que juntava ao demais, que recolhia nas outras provas, seria ela a vendê-lo e depois distribuía os dividendos de forma equitativa. Não antes de retirar para ela própria uma percentagem.
Ora, não era difícil de perceber que, organizações altamente profissionalizadas, com estruturas bem montadas e a funcionar a contento não tardariam a perceber que, no final, acabariam por estar a pagar défices de outras organizações. E organizações como a Vuelta também não levaram mais de dois anos a perceber que, chegados a Setembro, metade do seu pelotão já se arrastava, vergados os atletas ao peso de um número de corridas inaceitável. O braço de ferro não tardou.

Tendo feito contas com o ovo no cú da galinha, a UCI mostrou-se inflexível e começou a cavar – embora, estou em crer, ainda o não tenha percebido – a sepultura do ProTour.

Giro, Tour e Vuelta ainda aceitaram, nos dois primeiros anos, dar guarida a todas as equipas ProTour, embora, e nomeadamente na corrida espanhola, metade delas só se apresentasse para engrossar o pelotão. Isto numa altura em que vinha a ficar claro que os espanhóis iam tendo melhores pelotões que o Giro, muito condicionado ao facto de em Itália sempre ter existido um alargado número de formações que, por uma questão de lógica, a organização convidada não sobrando espaço para levar equipas de outros países. Fora do ProTour.

Para o ano as coisas já mudarão de aspecto. Qualquer das três organizações já anunciou – ou melhor, fizeram-no em conjunto – que assumem a modificação das ordens emanadas da Suíça. Alargaram o número de lugares abertos a convites por conta da organização. E para o ano vão alargar ainda mais. O negócio – porque é disso que se trata – é deles e eles querem ter na sua mão a respectiva gestão. Porque, para que o negócio seja rentável é preciso haver espectáculo, tratarão de salvaguardar que os protagonistas o proporcionem.

Não foi por eu ser português e ele ser diplomático que o Victor Cordero me disse, em entrevista que lhe fiz, que preferia ter a Maia no pelotão a qualquer uma das três ou quatro equipas italianas que era obrigado a acolher. Não, depois das grandes corridas que a equipa portuguesa fizera nos três anos anteriores.

Entretanto, na ânsia de irem buscar dinheiro a todo o lado, desenhou-se um Calendário no qual, embora esticado ao máximo, ainda assim não foi possível evitar a sobreposição de corridas. E o que é que acontece? Ainda por cima em final de temporada? Quando se aproximam os Campeonatos do Mundo de Estrada? Vão a essas corridas as segundas ou terceiras equipas e, nos casos em que se lhe juntam alguns dos nomes mais sonantes da formação, estes vão apenas preparar o Mundial.

Nem organizadores e muito menos o público resistirão muito tempo a isto.

(Leio hoje n’A BOLA que, numa atitude que parece ser mesmo o que é, revanchismo, a UCI pretende encurtar a Vuelta numa semana e fazê-la coincidir nas datas com as voltas à Alemanha e à Polónia. Se é assim que a UCI pretende fazer vingar o ProTour, podemos ficar descansados. Não será preciso fazer nada, ela própria o matará.)

Não creio precisarmos de muito tempo para que as organizações do Giro, Tour e Vuelta saiam em definitivo do ProTour e retirem, nos dois primeiros casos, as suas outras provas do mesmo circuito. Então pouco sobrará.

A UCI, como qualquer federação, ou união de federações, serve para regular a modalidade, não para organizar corridas visando com isso o lucro imediato. Hoje, não sei porquê, quando penso no que está a acontecer ao Ciclismo lembro-me da velha história da Galinha dos Ovos de Ouro.

Só que, neste caso, não é o dono da galinha quem quer enriquecer depressa de mais e, estou certo, rapidamente a porá a salvo das raposas. Que não entravam na história original, por isso a coisa não podia dar certo.

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