sexta-feira, dezembro 08, 2006

347.ª etapa


AS COSTAS QUE SERVEM PARA TODO O "PAU" BATER... E OS "INTOCÁVEIS"

Todos os que se interessam pela coisa do doping deviam estar a seguir muito atentamente o que se está a passar em consequência do publicado ontem no jornal francês Le Monde. Revelando ter em seu poder cópias de alegados planos de treino pessoal, para alguns dos mais mediáticos futebolistas de algumas das principais equipas espanholas, escritos pela própria mão de Eufimiano Fuentes, o diário gaulês abalou, pelo menos por 48 horas a paz podre que é apanágio do chamado desporto-rei.

Quando, e desde praticamente o início da Operação Puerto, se disse que o médico canário não tinha apenas ciclistas como clientes, esta parte foi rapidamente apagada dos artigos (muitos) que se lhe seguiram por toda a Imprensa, espanhola e não só.

Parece que só poucos, muito poucos – e quase todos com alguma ligação ao ciclismo – vieram, ao longo deste tempo, tentando manter viva essa informação que não é descartável. Havia, entre os clientes de Fuentes desportistas de diversas áreas, incluindo o futebol.

Ora, para desespero dos espanhóis, foi um jornal francês – um jornal generalista, mas não um jornal qualquer, foi o Le Monde – que trouxe o assunto à luz do dia.

Aliás, na sua edição de hoje, o mesmo Le Monde traz o depoimento de um médico, hematólogo e especialista em assuntos de doping, que diz que “os problemas de dopagem no futebol são conhecidos desde há dez anos” e o artigo começa mesmo por recordar que, em 1998, o Procurador-adjunto de Turim abriu um vasto inquérito no qual foi reconhecido que vários clubes de futebol estavam implicados num sistema organizado de dopagem.

Eu sempre disse que o doping é um problema de todo o desporto. Diz-se que de alta competição, mas eu passava até sem este atalho e mantinha a ideia inicial. Todo o desporto. E insurjo-me quando, sempre, mas sempre, se amplia até o ruído ser ensurdecedor cada um dos casos conhecidos no Ciclismo ao mesmo tempo que se calam os registados em outras modalidades. Ou, dizendo de outra maneira, se procura (quase diria: vasculha) por qualquer coisa suja, no Ciclismo enquanto se passa, olha para o alto e assobia baixinho no que respeita às outras modalidades.

O prestígio de um jornal como Le Monde garante-nos que não se trata apenas de um artigo – ou uma investigação – inconsciente. Se falam em provas documentais é porque as têm e a verdade é que na entrevista que Eufimiano Fuentes lhes concedeu não desmentiu nada. Antes pelo contrário. Fez questão em ficar calado dizendo que já foi ameaçado de morte por três vezes e que não quer sê-lo pela quarta. Mas sempre disse que “há desportos (modalidades) contra os quais se pode ir e outros que não…”

Numa vista de olhos pelos jornais desportivos espanhóis de hoje há uma diferença grande entre a Marca e o As. Este toca ao de leve naquilo que o Le Monde diz e aproveita para reeditar toda a história em 5 capítulos de Jesus Manzano. É sublime a mensagem. Quando se fala do futebol, relembram-nos um caso com 3 anos e relacionada com… o Ciclismo. É das tais contra as quais se pode ir…

Razão tem Aitor Gonzalez que falou à revista espanhola Interviú e disse é fácil atacar o Ciclismo porque não existe nele uma postura de autodefesa ou mesmo de contra-ataque.

Mas a Marca dedica um espaço significativo àquilo que o Le Monde levantou. Dando voz aos visados. E o que é que estes dizem? Frank Rijkaard – Barcelona, Real Madrid, Valência e Bétis são os clubes visados na notícia do diário francês – diz, liminarmente que “é mentira”. Quique Flores, técnico do Valência, não acredita “que haja doping no futebol”. O treinador da Real Sociedade também não crê “que haja doping intencional no futebol” e até põe “as mãos no fogo” por isso. E, para terminar, um jogador do Barcelona acha que “isso é um caso encerrado”.

“Isso”? – A ligação de Fuentes ao futebol?
“Caso encerrado” – porque todos afirmam não acreditar? Só assim? Ponto final?

Mas se é tão simples… porque é que o Floyd Landis não se lembrou ainda de vir a público dizer que “isso é um caso encerrado!”? O que é que a comunidade desportiva (e jornalística) diria? Riam-se. Quantos se terão rido do outro, que é futebolista?

Pois parece que é verdade. Há modalidades intocáveis. Aliás, é curiosissíma a crónica de Fernando Carreño, na Marca. Referindo-se a este tema, e ao futebol, escreve com uma fina ironia: “Aqui no pasa nada”.

E isto trouxe-me de volta à memória um pequenino comentário (são sempre pequeninos e na última página) de um director de um jornal desportivo português – que não fica no Bairro Alto – que, em resposta a comentários que o chatearam, vindos da chamada Imprensa de Referência que vincavam o facto de os desportivos não dedicarem espaço para a investigação dos casos de corrupção no futebol. E que respondeu ele? Por outras palavras, que não estas, que “não se pode morder a mão a quem nos dá a comida”.

Mas pronto, não é que fique mais ou menos contente com a desgraça dos outros, mas sinto-me um pouco vingado por ver a minha opinião sustentada. Há doping sim senhor e NÃO É SÓ NO CICLISMO.

P.S.: Ah!... No futebol podem existir as tais forças ocultas que têm demasiada influência para que um caso destes consiga ir até ao fim, mas o presidente do Ossassuna, 5.º classificado, a época passada, já reclama para si o título de campeão de Espanha. Os quatro clubes que ficaram à sua frente são exactamente os indiciados no trabalho do Le Monde.

Sem comentários: