domingo, dezembro 17, 2006

359.ª etapa

CICLISMO PORTUGUÊS, QUE FUTURO?
DESENVOLVIMENTO - II

Onde eu quis chegar com as três peças anteriores é que acho fundamental reforçar a prospecção e ampliar a base de formação mas que tal não me parece viável se não se tiver nada para oferecer aos jovens. E o que é que se pode oferecer a um jovem que gosta de praticar Ciclismo e que, a dada altura, resolve que o que quer ser é Corredor? Chegar a Profissional, como primeira meta, para depois, provadas as suas qualidades, sonhar com muito mais?
Uma estrutura que lhe garanta uma progressão segura. Sem hiatos nem saltos no escuro. No mínimo, que lhe proporcione fazer do Ciclismo a sua profissão.

Ora, para isto, e ao mesmo tempo que se trabalha na base, é necessário redefinir o topo da pirâmide. Quero dizer, não poderemos deitar tudo (o que existe) abaixo e recomeçar a construir o edifício de raíz. Aí, agora, no momento dessa eventual medida drástica, não haveria mesmo nada que se oferecesse a quem fosse aliciado para vir para o Ciclismo.

E recupero a imagem das escolinhas de futebol.
Porque é que há tantas? Porque a procura é grande. E como é que se justifica esta recentíssima febre pelo aprender a dar os primeiros pontapés numa bola?
(É que o desabrochar espontâneo de talentos, nas peladinhas de rua é, em definitivo, coisa do passado. Já não se joga à bola na rua. Já não há aqueles campeonatos entre a Rua de Baixo e a Rua de Cima, da minha meninice.)
Os miúdos querem ir para uma Escola de Futebol porque querem ser como os seus ídolos.
E a mera hipótese de o seu rebento vir a ser um novo Cristiano Ronaldo ou um novo João Moutinho convence os pais a investirem no que, na esmagadora maioria dos casos, não passará nunca de um entretenimento – com a vantagem de se educar as crianças no sentido de gostarem de Desporto e de os habituar, cedo, a trabalharem em grupo –, entretenimento esse que, os da minha idade (e mais velhos) encontravam nas tais peladinhas de rua. No muda aos 5, acaba aos 10.

Como repararam, sublinhei a palavra ídolos, lá atrás.

Em Espanha, depois de em 1988 Pedro Delgado ter ganho o Tour e, principalmente, depois de em 1991 Miguel Induráin ter vencido o primeiro dos cinco que arrecadou, aconteceu um verdadeiro boom no que respeita ao número de jovens que, de repente, escolheram ser corredores. Queriam (sonhavam) poder um dia ser como os seus ídolos.
E depois a onda estendeu-se. Os asturianos recuperaram o mito de José Manuel Fuente e os cantábros, o de Vicente Trueba. Depois igualado por Oscar Freire, triplo campeão mundial de Estrada; os castelo-leoneses, mormente na região de Salamanca, criaram peñas (uma espécie de núcleos ou casas, como têm Sporting e Benfica, só que individualizados) de apoio a José Maria Jimenéz e a Roberto Heras. Os manchegos fizeram de Oscar Sevilla a sua bandeira.

Claro que nas suas cidades, nas suas regiões, havia ciclismo antes disso. Havia corredores que se destacavam dos demais, mas eram aqueles que apareciam na televisão, nas grandes corridas e lutando em pé de igualdade contra outros ídolos, de outras paragens, que conseguiam reunir sob as respectivas bandeiras a grande fatia de aficionados.

E a paixão destes fiéis seguidores é a valer. Lembro-me da Vuelta de 2002, a que terminou com um crono individual cuja meta foi levantada em pleno relvado do Santiago Bernabéu, quando Roberto Heras partiu de amarelo (ou dourado, como queiram) e era candidato à sua segunda vitória na prova.
Eram incontáveis os autocarros vindos de Béjar, de toda a província de Salamanca, com milhares e milhares de apoiantes. E quando Aitor Gonzalez venceu o contra-relógio e a Vuelta, foram centenas os que não conseguiram suster as lágrimas e o desalento. Tal qual acontece quando Benfica ou Sporting perdem o Campeonato ou a Taça no último dia, na última jornada, no último minuto…

Ídolos.

Temos que fabricar ídolos para, por arrastamento, dar toda uma dinâmica nova ao ciclismo.
A partir da base.

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