sexta-feira, julho 18, 2008

II - Etapa 146

Nem é por isso que todos estarão
neste momento a querer cruxificá-lo!... mas
QUE RICCA PRENDA!...


A verdura dos seus 24 anos não chega para justificar a clara falta de tino, mas a verdade é que estamos perante uma figura talhada para dar nas vistas. Pode ser tudo fruto de uma bem pensada campanha de imagem. Pode!


De certeza, e apesar de algumas enormidades que proferiu, o italiano Riccardo Riccò estava a conquistar já uma legião de admiradores.



Pelo seu jeito irreverente, mas também pelas capacidades desportivas que já mostrara no Giro, onde terminou em segundo, atrás de Alberto Contador, e neste Tour onde já vencera duas etapas e era, em simultâneo, o líder dos prémios da montanha e da juventude.

Ontem, quando logo pela manhãzinha passei os olhos, a correr, pelas páginas dos três desportivos, o destaque de uma passagem de uma frase sua cumpria o objecto para os quais foram inventados os destaques

prendeu-me e levou-me a ler todo o artigo até encontrar aquela passagem dentro do contexto real.

Franzi ainda mais o sobrolho e logo nessa altura decidi que, mal voltasse a casa, escreveria aqui sobre este novo enfant-terrible das estradas que prometia dar que falar.

Infelizmente, a meio da tarde todos ficámos a saber que ainda se irá falar dele mais duas ou três vezes, mas pelo pior dos motivos.

Estranho o desvairio que, aparentemente, tomou conta do pelotão.
Três casos positivos ainda a prova não vai a meio e os três ligados à eritropoietina.
Não sendo difícil de adivinhar que as autoridades francesas iriam andar em cima do pelotão… custa a crer como Triqui Béltran, Moises Dueñas e Riccardo Riccò são apanhados num controlo anti-doping.

Consta que já não é exactamente EPO, aquilo com que estamos a ser confrontados, mas um produto seu sucessor, que ainda agora estará a ser testado. A verdade é que está no pelotão.

E, com a maneira de ser dos franceses, agora sou eu quem o diz, não aposto nem um cêntimo em como as coisas não vão ficar por aqui. Só espero que a Corrida saia o menos machucada possível.

Mas pronto, é para isto que servem os controlos anti-doping e, provada ou assumida a culpa, lavre-se a devida acusação e pronuncie-se a respectiva sentença. Cumpram-se os castigos.

Riccò ainda só tem 24 anos… Ainda vai ter tempo para mostrar que, é o mais provável, porque tem mesmo pinta, é um excelente trepador sem necessidade de recorrer a truques sujos.

Isto, para mim, é assim: linear.
Provada, ou assumida a culpa, façam-se cumprir os regulamentos e ponto final.
Não se tome é a árvore pelo todo que é floresta.

Volto então ao assunto que, parecia já estar destinado, me traria sempre aqui para falar de Riccardo Riccò.
Então o moçoilo não é que se saiu com esta preciosidade, e cito-o: “Para mim, 90 por cento do pelotão são corredores inúteis. Estão na partida e limitam-se a chegar á meta, dia após dia, ano após ano. Eu chamo-lhes ‘vegetais’… estão ali, mas nunca servem para nada. Nunca serei assim. Gosto e atacar e, se algum dia for como eles, será o momento de retirar-me.”

Chocante, esta declaração.

Apenas, e como disse – e mesmo para isso seria preciso demonstrar ter-se uma grande dose de boa vontade -, justificada por uma saltitante imaturidade.
Como Corredor, mas também como Homem.

E cheguei, ainda antes de se saber da “notícia” do dia, a dizer a alguns camaradas de redacção que, se eu fosse seu companheiro de equipa, na etapa de hoje [de ontem, de ontem, que já passa da meia-noite] o rico, de cada vez que precisasse de um bidãozinho de água, ou de alimentar-se, ah!... tinha que descair até ao carro porque nem eu lha dava nem permitiria que nenhum outro companheiro de equipa o fizesse.

E até desejei que ele tivesse um furo – um simples furo, que não sou de desejar mal a ninguém – e que eu, sendo seu companheiro, estivesse mesmo atrás dele. Provavelmente com um sorriso dir-lhe-ia “aguenta só um bocadinho, que o carro deve estar a chegar e eles trocam-te a roda”. E ia-me embora.

O… pormenor que faz a diferença entre as várias grandes equipas, nos vários pelotões e, naturalmente à escala destes, é exactamente o valor do bloco de operários; daqueles que são pau para toda a obra, que raramente ganham alguma coisa mas sem os quais, e sem o seu impagável contributo, nenhum chefe-de-fila ganharia fosse o que fosse.

E eu, de memória escreveria aqui – remetendo-me ao pelotão português – duas ou duas dezenas e meia de GRANDES corredores, daqueles a quem o Riccò chamou de… ‘vegetais’ (e não o faço porque tenho a certeza de que iria esquecer-me de alguns, o que seria de uma injustiça tal que opto por não enunciar nenhum.)


Mas muitos de vocês sabem de quem estou a falar.

Cá para mim, que abomino insinuações não sustentadas e acusações de baixo teor moral, mas porque o espírito desta parte do artigo é mesmo o de gozo, diria que o rapaz acusou EPO na urina, mas se lhe fizessem outros testes, provavelmente descobririam que costuma tomar daquelas pastilhinhas que os putos de hoje tomam e que os fazem continuar a ver os jogos de luzes reflectidos pelas bolas de espelhos, mesmo depois de terem abandonado a discoteca depois de uma noite de copos.

Mas repito, não ponho de parte a possibilidade de tudo o que ele disse não passar mesmo de um truque publicitário, para que se fale dele. Para que todos os dias o procurem na esperança de caçarem qualquer outra declaração bombástica.

Infelizmente, como escrevi lá atrás, neste Tour não vai ser mais possível. Fez batota e foi apanhado. Será bonito se vier a público assumi-lo. E agora que cumpra o castigo.

Eu não exijo cabeças em bandejas de prata.

E espero que, cumprido o castigo, se voltar ao pelotão, o respeitem como Homem.
Um homem que um dia deu um passo errado.
Cumprido o castigo terá o direito de exigir a todos que o tratem com o maior dos respeitos.

Não lhe perdoou é a desnecessária demonstração de falta de respeito para com colegas do mesmo ofício.

3 comentários:

Duarte Ladeiras disse...

Meu caro

Só uma achega. Esta molécula desta EPO, criada pela Roche, actua no corpo durante muito mais tempo que a de primeira, que foi desenvolvida pela Amgen. Também foi desenvolvida para tratar anemias graves, neste caso provocadas por insuficiência renal, mas, como uma dose desta EPO equivale a várias da mais velhinha, isso também a torna mais apetecível. A EPO da Roche (CERA) entrou no mercado norte-americano em 2007 e no europeu já este ano, sob a marca Mircera.

Eu imagino que quem usou esta EPO pensava que não seria detectável. Mas cometeu um erro: primeiro porque dura muito mais tempo no corpo, logo, há maiores probabilidades de ser detectada; segundo, porque as dezenas de variedades de EPO são detectáveis e, nos primeiros meses, só não dão origem a processos porque a comissão de laboratórios da WADA tem de adaptar os critérios de positividade.

Correndo o risco de me estar a adiantar aos acontecimentos – faltam as contra-análises e só depois os testes são declarados positivos – é pena que, com um passaporte biológico em andamento e os avisos feitos antes do Tour, de que haveria testes mais aleatórios e “targeting” dos suspeitos, estes ciclistas tenham corrido riscos (se bem que eu acredito que não sejam eles os únicos responsáveis; no mínimo alguém os teve de aconselhar a usar CERA).

Um abraço

Duarte Ladeiras

P.S.: Eu sei que nós os dois nem sempre vimos os assuntos da mesma forma, mas gostava que houvesse mais rigor nos nossos colegas. Ainda procuro entender porque é que toda a imprensa, nacional e internacional, fala em testes positivos, quando um teste só é positivo após contra-análise ou se o atleta abdicar deste exame.

mzmadeira disse...

Comentário esclarecedor. Obrigado Duarte.

Fixem duas coisas: esta "nova" EPO ainda não tem "limites" definidos;
"Positivo" é como o Duarte diz... só após a contra-análise...

(Do mesmo modo que, acrescento eu, "culpados", só depois de produzida uma acusação legal e os presumíveis implicados verem um juíz deliberar a sua culpa. Ainda assim terão direito a recurso e só quando esgotados todos os meios juridicos e a condenação transitar em julgado, só então são culpados.)

Duarte Ladeiras disse...

Meu caro.

Quero só deixar uma correcção. Esta EPO - a CERA - tem já os critérios de positividade definidos. Sem isso acontecer, mesmos que os laboratórios detectem a substância, não podem declarar a análise como adversa. Foi o que aconteceu no ano passado com o Rasmussen e uma série de pessoas do atletismo em França, com outra EPO, a Dynepo.

Essses critérios têm de ser amplamente estudados e têm de passar pelo crivo igual a qualquer outro estudo que seja publicado em revistas "per review", ou seja, revistas e analisadas por outros cientistas.

Se chumbarem não são publicadas, logo não podem ser implementadas. E sem serem reconhecidas pela comunidade científica nunca passariam nos tribunais. Já soube de vários estudos financiados pela WADA que esta decidiu não implementar por não serem suficientemente sólidos.

É que não se trata de uma brincadeira. Uma técnica anti-doping má pode destruir carreiras e vidas. Por isso, na dúvida, é preferível deixar fugir pessoas que fazem batota a implementar técnicas pouco credíveis ou declarar análises positivas duvidosas.

Um abraço
Duarte Ladeiras