segunda-feira, outubro 01, 2007

901.ª etapa


MUNDIAIS DE ESTUGARDA

Como todos os sacanas têm sorte, há pouco, quando cheguei a casa e, por descargo de consciência, liguei o televisor na EuroSport, ainda vi os últimos quilómetros da corrida principal dos Mundiais de Estugarda. Ganhou o suspeito do costume – o que, entretanto fui lendo – aconteceu também no contra-relógio individual.

Foi – visivelmente – de raiva que Paolo Bettini correu.
Às vezes dou comigo a pensar como e porque é que certas notícias saem em determinadas alturas que, se o não são, parecem escolhidas a dedo. Bettini, que venceu os dois últimos mundiais e é ainda o Campeão Olímpico em título, era um dos poucos nomes do primeiro plano do pelotão mundial que ainda não tinha sido visado por essa nova espécie de puritanos que está em perversa mutação, já a meio caminho do sempre abominável fundamentalismos. E não há fundamentalismos bons.

Foi de raiva que correu e foi de raiva que venceu, talvez por isso dê para lhe perdoar o bélico acto de mimar estar a disparar sobre alguém. Ou alguma coisa. Se calhar, naquele momento, contra tudo e contra todos.

E o triunfo claramente alcançado deve ter comovido muita gente. Principalmente quem gosta mesmo de Ciclismo. E não há-de haver ninguém, neste círculo, que não tenha achado justíssima a sua vitória.

Contra os boatos – que são todas as notícias sem pai nem mãe e jamais confirmadas – Bettini provou SOBRE a bicicleta que é superior a isso tudo.
Sobre a bicicleta, claro. O meu caríssimo amigo João Santos – um abraço João e não leves a mal a brincadeira – deve ter sido um dos mais emocionados. Tanto que “pôs” o Bettini a provar o seu valor… SOB a bicicleta. O que, se tivesse acontecido – olha ele de bicicleta ás costas a bater toda a gente num mui inédito sprint – teria sido a notícia do ano.
Malditas gralhas, não é João!

Pronto. Foi só isto que pude ver. O resto – e vou limitar-me à presença lusa – fui lendo…

Comecemos pelos sub-23. Classifico de muito boa a participação da Selecção.

Li que o José Mendes andou na frente, que o Rui Costa fez, durante larga fatia de tempo, a corrida num dos grupos da frente – no grupo da frente? – e, numa categoria onde é muito difícil recolher-se informação suficiente sobre os adversários, principalmente como se comportarão integrados numa selecção nacional, termos um corredor nos primeiros 15 e mais dois a terminarem com o mesmo tempo do vencedor… é muito bom.

Já na prova de esforço individual, essa coisa de se conhece ou não os adversários só funcionará em termos psicológicos. Ali, é dar às pernas. E convém ter um razoável conhecimento do percurso. Nos Mundiais, no reconhecimento do traçado é dada a mesma oportunidade a todos.
Depois é uma questão de, não digo jeito – porque, em princípio, os escolhidos pelos vários seleccionadores serão os melhores dos respectivos países – mas de percepção, aquele feeling muito especial que os grandes contra-relogistas têm de, mesmo não conhecendo o percurso, adivinhar os pontos onde se marcarão diferenças, adivinhar onde os adversário poderão ter uma hesitação e ter a coragem de arriscar aí mesmo. É assim que se ganham preciosos segundos.

Muito se fala – exagerando, às vezes, porque eles sabem o que estão a fazer (o problema é quando algum que não sabe se intromete…) – do pouco de louco que um sprinter tem que ter. O mesmo acontece com os contra-relogistas, principalmente nos percursos muito técnicos, com muitas curvas… Aquelas tangentes milimétricas aos lancis, o ir à berma da estrada quase acariciando os rails de protecção… é de louco, mas é aí que se ganham os tais segundos.
Depois, claro, tal como os sprinters, tem que se nascer contra-relogista.
É precisa uma força mental enorme, acreditar piamente nas suas faculdades e, mais ainda, acreditar sempre que pode ir um pouco mais além. No querer, na entrega, no dar o que se tem e mais o que nem se imaginava pudesse ter.
E é preciso correr pelo menos meia dúzia de contra-relógios por época.
Ah, pois é!

Os resultados dos dois portugueses que correram esta prova não foram bons nem maus, antes pelo contrário… Todos acreditamos que deram o melhor de si, não sabemos – até porque não acredito que a televisão tivesse mostrado as suas corridas – se poderiam ter ido um pouco mais além. Em 2008 serão já ambos elite e, sendo muito difícil que corram a Volta a Portugal, farão um ou dois cronos em toda a temporada… Pedir-lhes mais o quê?

Estendi-me!...
Serei mais breve em relação aos elites.

Começo pelo contra-relógio. Foi para o fraco a prestação do Ricardo Martins e, mesmo já tendo lido o que arranjei para ler, não descobri a razão porque não correu o Hernâni Brôco. No dia da prova, em A BOLA lá estava “Hoje, ás não sei quantas horas, contra-relógio elites com os portugueses Ricardo Martins e Hernâni Brôco”. No outro dia nem um amém sobre a ausência do corredor da rebaptizada Liberty Seguros-Würth. Nem qualquer outro jornal se referiu a isso. Estava mal, fisicamente? Mas foi o último a desistir, ontem, na prova de fundo! Há coisas que nós não precisamos saber… Deve ser.

Quanto à corrida de ontem… Alinhámos com cinco corredores e só um chegou ao fim. Nuno Ribeiro foi 37.º, a menos de um minuto do grupo da frente, que discutiu as medalhas… Cumpriu. Refiro-me ao Nuno Ribeiro!

Já em relação à Selecção, em si – sem pretender beliscar o orgulho de seja quem seja – subscrevo o que o Jorge escreveu no artigo imediatamente anterior a este. Não teremos que repensar estas participações nos Mundiais?

Claro que muitas outras selecções terão terminado só com um corredor, algumas não terão mesmo conseguido levar um que fosse até ao fim… Mas sabendo-se com a antecipação (dois anos) dos traçados, sabendo que em Portugal se fazem três ou quatro etapas acima dos 200 quilómetros por ano... terminando a nossa temporada em meados de Agosto, não seria um bom investimento agarrar nos seleccionados e com eles fazer durante um mês um trabalho específico e claramente direccionado para os Mundiais?

Outra questão, nos Mundiais a quilometragem é exageradamente alta – sem nenhuma necessidade, porque haveria espectáculo mesmo que tivessem sido menos duas voltas e o resultado final o mesmo, quase de certeza – mais parece um exercício de puro sadismo por parte da UCI. A selecção dos melhores já é feita, país a país pelos respectivos seleccionadores, não é preciso esticar a corrida de forma a que só um terço dos inscritos chega ao fim. E a explicação é essa mesmo, a de fazer a selecção dos melhores para, de entre estes, se apurar o melhor.
Aliás, esta fórmula para se encontrar o corredor que durante um ano vai ser o Campeão do Mundo está errada desde o princípio.

E termino com o que aconteceu com o José Rodrigues. Só fixei uma frase e já nem sei em qual dos jornais a li: “A responsabilidade é do Corredor…”
Pois! Não viverei o suficiente para ler, ou ouvir um responsável dizer o contrário. Assumindo, solidariamente, for qual for a falta cometida.
O Ciclismo arrasa por completo, anula-a e torna ridícula a tradicional frase-feita de que... a culpa morre solteira.

Classificações dos portugueses
Elites
Prova de fundo (267,4 km)
1.º, Paolo Bettini (Itália)
37.º, Nuno Ribeiro, a 49 segundos
Hernâni Brôco, abandonou
Bruno Neves, abandonou
Hugo Sabido, abandonou
Ricardo Martins, abandonou
José Rodrigues, não alinhou

Elites
Contra-relógio individual (44,9 km)
1.º, Fabian Cancellara (Suíça)
57.º, Ricardo Martins, a 5.51 minutos

Sub-23
Prova de fundo (171,9 km)
1.º, Peter Velits (Eslováquia)
15.º, Rui Costa, m.t.
35.º, Vítor Rodrigues, m.t.
50.º, Nélson Rocha, m.t.
77.º, César Fonte, a 5.32 minutos
100.º, José Mendes, a 11.12 minutos

Sub-23
Contra-relógio individual (38,1 km)
1.º, Lars Boom (Holanda)
26.º, Rui Costa, a 2.36 minutos
40.º, José Mendes, a 3.25 minutos

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