quarta-feira, agosto 02, 2006

178.ª etapa



ÍDOLOS: ADMIRAMO-LOS OU INVEJAMO-LOS?



Aproveitando os tempos livres, que têm sido muitos, nos últimos meses, vou, devagarinho, arrumando o meu arquivo de recortes de jornal. E devagarinho porque, a todo o instante acontece que descubro mais qualquer coisa interessantíssima que me faz parar para a reler. Assim se
“queima” o tempo.

Tenho aqui a meu lado, devidamente agrafadas, quatro folhas da primeira revista
SÁBADO, que andou nas bancas pelos anos 80/90 do século passado (assim ainda dá mais ideia de “velharias”) folhas da edição do dia 19 de Agosto de 1989 (está a fazer 17 anos que as tenho guardadas!) por onde se estende um trabalho sobre… o jornal A BOLA, assinado por Rogério Rodrigues que, se não estou a confundir nomes e pessoas, foi o último director da “minha” A CAPITAL, cujo derradeiro número, antes de fechar, saiu para as bancas há cerca de um ano (tal como aconteceu com o COMÉRCIO DO PORTO, outro título histórico da nossa Imprensa).

O trabalho de Rogério Rodrigues faz, sintetizadamente, a história de
A BOLA (na altura com 44 anos, ainda quadrissemanário e, nas palavras citadas do então Director, Carlos Miranda, já falecido, «recusava publicidade que faria a felicidade de muitos jornais») e complementa-a com o “retrato”/testemunho dos seus jornalistas mais emblemáticos – Vítor Santos, Carlos Pinhão e Carlos Miranda (todos já falecidos) mais Aurélio Márcio, Alfredo Farinha e ainda Vítor Serpa, na altura chefe de redacção-adjunto.

Para falar o sucesso do jornal, sublinha-se a estreita ligação entre este e os seus leitores explicando-se assim o fenómeno:
«Os desportos de massas (futebol, ciclismo, atletismo) têm n’A BOLA a sua Magna Carta. Os ídolos são geralmente jovens oriundos das classes economicamente mais débeis e socialmente desprotegidas. E grandes camadas populares reflectem-se neles, identificam-se com eles, no “transfer” do sonho. Carlos Lopes é o beirão obstinado, é o emigrante que não-chegou-a-ser, vencedor em Lisboa e no Mundo; Joaquim Agostinho é o saloio de enxada que pedalou o sucesso em estradas quentes e reinvestiu o emigrante no orgulho de ser português. São estes fenómenos sociais de que A BOLA se faz porta-voz.»

Nesta parte do trabalho a que estou a referir-me, foi muito vincado o papel de
A BOLA como elo de ligação entre os emigrantes e o País, referindo-se que Paris era, na altura, a terceira cidade onde mais se lia o jornal.

No entanto, o que me deixou mesmo a pensar foi aquela explicação do que eram os ídolos do povo.
«… oriundos das classes economicamente mais débeis e socialmente desprotegidas e as camadas populares reflectem-se neles e identificam-se com eles…»
Nem mais.

Andamos nós, hoje em dia,
“desesperadamente” à procura de novos ídolos, esquecendo aquela grande verdade. Tudo se transformou. Hoje os ídolos já não são aqueles que nos são iguais e são exemplo de que se pode chegar mais longe, com trabalho e persistência, mas são… aqueles que nós GOSTARÍAMOS de ser. Não nego que o trabalho e a persistência continuem a ser factores fulcrais para que cheguem onde chegam, mas, em definitivo, já não são nossos iguais em praticamente nada.

Admirávamos e idolatrávamos
«beirões obstinados e saloios de enxada na mão» e hoje seguimos milionários e figuras que o “jet-set” reclama para si.

No fundo, na nossa condição de simples humanos, já não os admiramos… invejamo-los. Principalmente pelo dinheiro que ganham, pelos grandes carros que conduzem… pelas mulheres que têm!

Carlos Pinhão refere, a dada altura, que havia ídolos que
«tratavam mal os putos que lhes pediam autógrafos» porque… com vergonha de o confessarem, não sabiam ler nem escrever.

De pensamento em pensamento, sou levado a outra questão que acho pertinente (desculpem a minha… impertinência).

No Cyclolusitano (que também tem coisas boas – mais do que as más, felizmente) ainda não há muitos dias se discutia a legitimidade de os organizadores incluírem nas suas corridas etapas como, por exemplo (foi dos mais citados), subidas ao Anglirú. Dividiram-se as opiniões, como está bom de ver. E ambos os lados terão a sua razão.

É desumano fazer os corredores sofrerem da maneira que sofrem nas grandes etapas de alta montanha, mas o público gosta é dessas, porque dão espectáculo.

Há espectáculo no sofrimento humano?

Se pensarmos que não fazemos mais do que acorrer para ver um grupo de milionários a sofrer a bom sofrer – eu sei que os milionários são uma pequena minoria no pelotão, mas não me estraguem a
“imagem” – se calhar está explicado porque gostamos das grandes etapas de alta montanha. Principalmente se for para as seguir confortavelmente sentados no nosso sofá.

Esta ideia, confesso, retirei-a de uma anedota que li há já não sei quantos anos. Dizia um fulano ao amigo:
«Mas tu vais ao futebol? Ainda acreditas naquilo?», ao que o outro, com um rasgado sorriso, respondia: «Estás enganado, mas que outra oportunidade tenho eu de assobiar e vaiar um “bando” de milionários?...»

Pois!...

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