quarta-feira, agosto 02, 2006

177.ª etapa



O PONTO E A MANCHA



Separados apenas por oito dias
“estouraram”, na última semana, dois casos de violação das regras desportivas por uso de substâncias ilegais, “potenciadoras” de desempenhos dos quais os infractores terão tirado benefícios em proveito próprio.

(Repararam como eu evitei escrever a palavra doping? Ai... já escrevi!...)

Floyd Landis viveu dez dias loucos. "Caiu no buraco" de maneira que todos julgaram irrecuperável, para no dia seguinte atingir o cimo do Olimpo, de maneira ainda mais categórica; no alto, ainda conseguiu subir um pouco mais, ao topo do pódio, em Paris, para, poucos dias depois voltar a cair no abismo. Quase diria que nesse intervalo de tempo a vida do estado-unidense parecia decalcada do perfil de uma etapa alpina, sempre aos altos e baixos, um sobe-e-desce de arrasar.

É claro que, neste enquadramento, que quase parece o argumento de um filme de
"suspense", o seu caso chamou ainda mais a atenção de todos.

As pessoas que
"sentiram" o seu desfalecimento naquela etapa de La Toussouire e depois ficaram “encantadas” com a etapa que fez, com chegada a Morzine, logo no dia seguinte, ficaram incapazes de ser imparciais e Landis ganhou uma aura que só ilumina os grandes campeões. É disso que o povo gosta.
Por isso, o anúncio de que estava sob alçada disciplinar por ter revelado um positivo, num controlo anti-doping, “doeu” mais. Foi muito difícil de digerir.

Ainda por cima, porque a confirmar-se o positivo – e creio que deixaram de subsistir dúvidas logo no dia seguinte, quando a própria equipa o
“entregou” – será a primeira vez na história que o vencedor oficial do Tour não vai ser o que chegou a Paris com menos tempo. Logo no Tour!, murmura-se. Porque, ninguém o contesta, a Volta à França em bicicleta é, a seguir aos Jogos Olímpicos e aos Mundiais de futebol, o espectáculo desportivo mais visto e que mais dinheiro gere.

Por tudo isto, o positivo de Floyd Landis alimentou páginas inteiras na Imprensa, recuperando para a ordem do dia os estilhaços deixados pela
Operação Puerto, em Espanha, que acontecera pouco tempo antes do início da Grande Boucle.

E o positivo de Landis rapidamente se alargou, alastrando, proporcionando a oportunidade que muita gente adora não perder para, metendo tudo e todos no mesmo saco, rapidamente concluir que o CICLISMO está
“perdido”, que no Ciclismo “é só dopados”, que era melhor o ciclismo “fechar para balanço”. É uma opinião muito mais generalizada do que se possa pensar, e os dois ou três escritos que pudemos ler dizendo-o clara e publicamente, não são casos isolados.

Mas, como escrevi logo no início, separados por uma semana – no tempo em que se tornaram públicos – aconteceram dois casos. O outro foi com o recordista mundial dos 100 metros (atletismo), Justin Gattlin, curiosamente também ele dos Estados Unidos.

Revendo o que na última semana foi escrito nos jornais desportivos sobre os dois casos, constato claramente o uso de bitolas diferentes na aferição de cada um deles.

Gattlin é reincidente – o que não acontece com Landis – e por isso será irradiado da prática do atletismo mas, apesar de não ser (nem de perto nem de longe) caso único naquela modalidade, nunca o tratamento jornalístico do seu positivo raiou para além da sua pessoa.

Isto é, para um observador acabado de chegar, fica quase
“provado” – pelo que leu – que Justin Gattlin é só um “pontinho” escuro no todo do atletismo, enquanto Landis é, claramente, parte de uma mancha suja que enegrece a imagem do ciclismo.

Por acaso, integrado num trabalho publicado ontem n’
A BOLA, exactamente sobre estes dois casos, aparece um quadro interessantíssimo. Refere os controlos positivos acontecidos nas últimas 10 edições dos Jogos Olímpicos, do México/68 para cá, portanto. No total foram 82, dos quais, quase um terço (25) em Atenas, há dois anos.

Quem me diz quantos destes casos foi no Ciclismo?

Sim, eu também acho que nenhum!

NOTA: Nunca neguei, nem poderia fazê-lo, que existe doping no Ciclismo. Nem pretendo "desculpar" os casos que são públicos, com o facto de noutras modalidades também os haver. Bato-me é para que se deixe de falar do doping como se fosse um "exclusivo" do Ciclismo.

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