segunda-feira, agosto 07, 2006

186.ª etapa



AI, AQUELA ESTRADA TÃO INCLINADA!!!



A 2.ª etapa desta Volta foi, uma vez mais, uma jornada de boa propaganda para o ciclismo e veio confirmar algumas situações que aqui deixara mais ou menos previstas. Os "gloriosos malucos das fugas" não esperaram muito para se mostrarem e logo aos dez quilómetros já um grupo de seis unidades se isolara e, paulatinamente, ganhava tempo. E ninguém, é bom de ver, pensou sequer em saltar para a frente do pelotão. A equipa do líder que se preocupasse. De tal forma que Cândido Barbosa, descaíndo até ao seu primeiro carro de apoio conferênciou durante alguns momentos com Américo Silva. Presumivelmente para acertarem estratégias. Se ninguém ajudasse lá na frente, provavelmente a LA Alumínios-Liberty abandonaria a pretensão de, sozinha, assumir a perseguição.

Todos sabemos que, seja através do "passa-a-palavra" entre corredores, no pelotão, ou via rádio, entre os directores-desportivos, se trocam sempre impressões. Terá acontecido isso e foi quando a Carvalhelhos-Boavista apareceu na frente do grande grupo. Não vou dizer que não se estranhou serem os boavisteiros a dar uma mãozinha à equipa da Charneca, mas no fundo até se percebe: afinal José Santos tem na equipa um jovem que podia bater-se pelo triunfo, na chegada. Manuel Cardoso, claro, que já no GP da Costa Azul não teve receio de medir forças com o "grande" Robbie McEwen...

Mas já vamos à parte final.

Voltemos aos fugitivos que, embora, a partir da passagem por Vila Franca tenham visto a sua vantagem a ir diminuindo progressivamente, lá iam resistindo na frente, até que as forças começaram a faltar e, um a um, foram ficando para trás deixando apenas Luís Bartolomeu (DUJA-Tavira) na frente da corrida. E como o jovem algarviu lutou para chegar sozinho a Lisboa!

Mas o pelotão, entretando com os espanhóis da Kaiku a assumirem a marcação do ritmo - que foi de tal modo elevado que suscitou até "avisos" por parte de alguns adversários para "terem mais calma" - recortou distâncias e quando Luís Bartolomeu entrou nos últimos mil metros trazia já o grande grupo na cola. Foi quando presenciámos a primeira das coisas "estranhas" da etapa, agitada na sua parte final. Com Bartolomeu a gastar as últimas energias para manter-se na frente, surge na cabeça do pelotão, a puxar até "morder a língua", um corredor da... DUJA-Tavira!!! Não sabia que o companheiro de equipa ainda seguia isolado ou, ciente de que ele não conseguiria chegar na frente, "aquilo" era já trabalho para preparar a chegada de Martin Garrido? O facto de, pouco depois ter "aberto" e ficado claramente para trás faz-me inclinar mais para a primeira hipótese.

Abreviando: Bartolomeu foi apanhado com a meta à vista, o pelotão apresentou-se bem compacto para a discussão da chegada e foi quando aconteceu "aquela coisa chata" de a estrada se ter inclinado tanto para a direita que, "resvalando", o pobre do Cândido Barbosa só não foi cair ao Rio Tejo porque estava lá o argentino Martin Garrido que o "emparou" no seu ombro esquerdo...

Cândido ganharia a etapa sem grande dificuldade, creio que ficou claro, mas aquela "varredela" de estrada, duma berma à outra, valeu-lhe a desqualificação. Sem discussão, creio eu, de tão evidente a falta.

Diz-se que as dificuldades de uma etapa são os corredores que as fazem. Ontem foi a organização que se encarregou de arranjar um "caso"... Tratou-se de uma precipitação e podia não ter acontecido.
Para quem não tem acesso aos bastidores de uma etapa, explico que, muitos poucos segundos depois de os corredores passarem a meta, a pessoa encarregue do "photo-finish" disponibiliza a classificação da etapa. Para isso servem os "transponders" que os corredores levam nas bicicletas. Ao passarem a meta o sinal emitido pelo "transponder" é captado pelo sistema electrónico instalado na linha de chegada, a informação enviada a um computador e este encarrega-se de transformar os sinais em números e nomes. Automaticamente sai na impressora a lista dos primeiros 15 e o computador faz as contas com aqueles dados e alinha uma primeira versão da classificação geral individual.

Mas a apreciação técnica e disciplinar de uma chegada é feita por humanos. O computador "não sabe" as regras do ciclismo. Por isso aquelas classificações são provisórias. Apesar de a irregularidade do Cândido ter tão clara que toda a gente a viu, talvez - digo eu, que não o sei com certeza - o Colégio de Comissários tenha decidido visionar a chegada para sustentar aquela que já seria a opinião do juíz de meta e passaram alguns minutos até que a decisão de desqualificar o camisola amarela por sprint irregular fosse tornada pública. Entretanto, alguém decidiu avançar de imediato com a cerimónia do pódio, pelo que Cândido Barbosa subiu ao grande palco, recebeu a faixa de vencedor da etapa e, só não vestiu a nova camisola amarela porque a decisão do colectivo de juízes até foi rápida...

Foi... "chato". As pessoas não gostam e o "tribunal" popular não costuma ser complacente nestas situações, mas é preciso que deixe aqui uma ressalva. Não é inédito - nem sequer raro - seja em que corrida fôr, mesmo nas maiores do Mundo, que, por necessidade, muitas vezes estreitamente ligada a compromissos, nomeadamente, com transmissões televisivas em directo, que a cerimónia do pódio não possa demorar. Acontece amiúde nas grandes etapas de montanha, nas corridas como o Tour, a Vuelta ou o Giro, nas quais o líder da classificação por pontos, quase sempre um sprinter, vem muito atrasado, às vezes com mais de meia hora de atraso. A cerimónia do pódio avança logo que haja condições para se saber quem é o novo (se for o caso) camisola amarela, ou este chegue à meta.

Apesar de "nós" termos visto e "termos a certeza" da existência de uma falta passível de ser penalizada com desqualificação, não é OBRIGATÓRIO que a cerimónia protocolar espere pela decisão do Colégio de Comissários. Não consta dos regulamentos. E às vezes o colectivo de juízes demora até chegar a uma decisão.

Parece que estou a "dar uma no cravo e outra na ferradura", mas não. Acho importante que as pessoas que seguem o ciclismo saibam destas coisas. Por isso, embora tenha classificado de precipidada a decisão de se avançar com a cerimónia de pódio, não quero deixar de chamar a atenção de que, muitas, mas mesmo muitas vezes, a decisão dos juízes só chegar muito mais tarde, mesmo quando o povo já desmobilizou e terminou o espectáculo. Já me aconteceu inclusivé ter de refazer toda uma crónica porque há alterações na classificação. Por isso...

Mas falta falar do homem que, no final foi mesmo declarado vencedor da etapa e, mercê da colocação de Cândido Barbosa como último do pelotão passou a liderar a classificação geral no desempate pelos pontos de chegada.
Foi Manuel Cardoso, da Carvalhalhos-Boavista. É um dos grandes jovens valores que o pelotão nacional apresenta este ano e, recordo, já na véspera, em Beja, ousara enfrentar, ainda de longe, o consagrado Cândido Barbosa. Manuel Cardoso, na sua primeira participação na Volta logrou, não só vencer uma etapa como chegar à camisola amarela.
É bom. É bom para ele, claro, mas também para os outros (muitos) jovens do pelotão. Todos terão ontem sentido que os seus mais secretos sonhos são possíveis.

E é muito importante valorizar o triunfo de Manuel Cardoso e o facto de ter subido à liderança. Muito mais do que vincar a desqualificação de Cândido Barbosa.

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