segunda-feira, agosto 14, 2006

202.ª etapa



PRÉMIO MERECIDO E DUAS RECORDAÇÕES DE SINAL DIFERENTE


Com 36 anos cumpridos no último dia 30 de Julho, Carlos Pinho, que se estreou entre os profissionais há 16, conseguiu hoje o feito mais relevante da sua longa carreira ao vestir pela primeira vez a camisola amarela numa Volta, prova na qual não ganhou nunca qualquer etapa. É um prémio justíssimo para este corredor pequenino e levezinho, o que o caracteriza como aquilo que é, um dos melhores trepadores do nosso ciclismo na última década e meia, tendo ganho por duas vezes, em 1993 e 1994, o prémio de “rei” da montanha na principal corrida do nosso calendário.
Trabalhador abnegado, sofredor, muito reservado, quase sempre arredado das luzes da ribalta, Carlos Pinho merecia este prémio. É dos poucos corredores do nosso pelotão que ainda lá se mantém desde que eu comecei a fazer ciclismo. Somos “do mesmo ano”. Ele a pedalar, eu a escrever. Talvez por isso tenha “sentido” de uma maneira muito especial aqueles momentos em que ele, no pódio, envergava a camisola amarela.
Já ontem o tinha destacado aqui, hoje renovo o forte abraço e deixo expressa a minha alegria por ter podido ver o ciclismo, num ano em que a Volta correu à rédea solta, permitir que este homem de uma dedicação extrema e profissionalismo intocável ver, desta forma, sublinhada a sua carreira.

E nem de propósito. Passam hoje exactamente dez anos – foi a 14 de Agosto de 1996 – que também testemunhei a única vitória numa etapa de outro grande corredor, enorme no seu papel de sempre, que foi o de ser, mais do que um trabalhador de equipa, o homem de confiança do seu chefe-de-fila. Curiosamente, sempre o mesmo durante praticamente toda a sua carreira de muitos anos também sobre a bicicleta. O corredor em causa é o José Rosa, e o chefe-de-fila o Joaquim Gomes – actual director de corrida - que nunca abriu mão de o ter a seu lado nas diversas equipas que representou.
Era a 10.ª etapa da Volta’96, longa de 214 quilómetros, corrida entre Abrantes e Sintra. A dada altura, José Rosa viu-se numa fuga juntamente com dois italianos – que por esses finais da década de 90 vinham a Portugal para ganhar quase tudo.
A história dessa fuga, na sua parte final, foi o próprio Joaquim Gomes que ma contou. Habituado a estar sempre ao lado do seu “chefe”, José Rosa não sabia muito bem o que fazer e foi Joaquim Gomes quem “teve” que ordenar-lhe que ganhasse a etapa.
Assim aconteceu. Aproveitando a marcação individual que os italianos se faziam, mutuamente, José Rosa arrancou a poucas centenas de metros da linha de chegada e deu à então recém criada LA Alumínios uma vitória importantíssima na Volta, E uma vitória que, à imagem do que aconteceu hoje com Carlos Pinho, consagrou toda uma carreira.

Do Zé, a última vez que pude falar com ele soube que estava radicado em Viseu. Espero que esteja tudo bem com ele. É um dos muitos amigos que fiz no pelotão.

Fala-se no pelotão, fala-se em amigos, recuei dez anos no tempo para lembrar este momento de glória para o Zé Rosa e… lembro que estão quase a cumprir-se dez anos sobre a morte de um outro grande corredor, técnico e jornalista com o qual, em todas estas vertentes, tive o privilégio de contactar.

Nessa mesma Volta, quatro dias depois, ao princípio da madrugada e quando regressava ao hotel, em Faro, onde pernoitava a equipa de reportagem de O JOGO, José Santiago encontrava, prematuramente – tão prematuramente!!! - a morte.

Conheci-o como corredor… do Tavira (ele há coisas!). Da então Bom Petisco-Tavira, treinada por João Marta, com José Marques como director-desportivo e ainda com o engenheiro Brito da Mana em boa forma.

(A propósito, são jovens, eu sei, se calhar alguns nem o conhecem, mas não o podem esquecer: ainda não ouvi nenhum corredor do Tavira a dedicar uma das suas vitórias ao PAI da equipa, ao homem a que ela deve a existência e o não ter acabado pelo caminho, ao ponto de hoje ser a mais antiga do Mundo. Vidal Fitas, Jorge Corvo… não se esqueçam do engenheiro Brito da Mana!)

Mas, escrevia, conheci o Zé Santiago como corredor da formação algarvia. Já na altura escrevia uma coluna de opinião n’O JOGO.

Em 1993 arrancou com o projecto da União Ciclista da Maia, de quem foi, em 1994, o primeiro director-desportivo para, no ano seguinte se dedicar apenas ao jornalismo, como colaborador, nos quadros de O JOGO.

Enquanto corredor, aos 19 anos sagrou-se, em 1985 - ao serviço da Selecção Norte - pela primeira vez, “rei” da montanha na Volta a Portugal. Título que recuperaria em 1987 para depois o conquistar também em 1988, 1989 e 1990, quatro anos seguidos – o que ainda é recorde – estes ao serviço do Boavista.

Nesse ano de 1996, quis o destino, ficámos sempre nos mesmos hotéis, quando da Volta ao Alentejo, aquela que teve Miguel Induráin como grande protagonista, e foi nesses fins de noite, em conversas sempre interessantes para a minha formação enquanto jornalista de ciclismo, que estreitei laços de amizade com o Zé Santiago que depois reencontrei noutras provas, até à Volta a Portugal.

A última vez que o vi foi na escola secundária (ainda não tinham sido inventadas a C+S) de Loulé, no final da 13.ª etapa. No dia seguinte era o contra-relógio final, mas a Volta tinha o vencedor há muito encontrado, era o Massimiliano Lelli.

Na manhã do dia 18, saí do hotel, na Quarteira, entrei no carro conduzido pelo meu fiel amigo José Correia, liguei o rádio e ouvi o Rui Almeida, de voz embargada, a dizer que o Zé tinha morrido. Gelou-se-me o sangue. O Carlos Florido e o João Araújo ficaram muito maltratados no mesmo acidente de viação, na famigerada EN 125 e passaram vários dias hospitalizados no Hospital Distrital de Faro. Nessa mesma tarde, na Sala de Imprensa o ambiente era de um enorme pesar pela perda de um companheiro. De um amigo. Cumprem-se dez anos, na próxima sexta-feira. Dez anos de enorme saudade. Mas o Zé Santiago será sempre lembrado como uma das figuras mais proeminentes do nosso ciclismo, como ciclista, como mentor de uma Maia que chegou onde chegou e como jornalista, crítico contundente mas, acima de tudo, grande conhecedor da modalidade.

Até sempre Zé.



(Nota: Ao contrário do que escrevera, de memória (ou com falta dela???), Carlos Pinho venceu duas vezes o Prémio da Montanha na Volta a Portugal. Eu escrevera que nem isso ele conseguira na prova maior do nosso calendário. Estava errado. Ao Carlos Pinho, e aos que, entretanto, já tinham lido este artigo e sido levados "ao engano" pela minha burrice... peço desculpas. O texto já está emendado.)

2 comentários:

Antonio Dias disse...

Lembro-me desse Domingo como se fosse hoje. Era míudo, conhecia algo do José Santiago, mas pelo impacto que teve - a cerimónia do pódio foi bem contida, como te deves lembrar - abalou-me bastante. Não sei se já houve, mas um "Prémio José Santiago" era algo que se impunha claramente. Passo-te a palavra.

Abraço

mzmadeira disse...

De certo que sim, António.

A única homenagem de que foi alvo fo-lhe prestada pela Junta de Freguesia de Santa Marinha (Gaia), de onde era natural. Foi dado o seu nome a uma pequena praça, numa cerimónia que contou com a presença de grande parte da "família" do ciclismo, até porque no mesmo dia se realizou ali ao lado, em Espinho, o almoço convívio promovido pela Associação Portuguesa de Corredores Profissionais.

Um Grande Prémio, ou mesmo só um Prémio José Santiago seria de todo pertinente. Até porque naquela zona também se gosta muito do ciclismo.