quarta-feira, setembro 12, 2007

871.ª etapa


SERÁ QUE NOS FALTA MESMO
O TAL “BOCADINHO… ASSIM!”?

Introdução
Vem este artigo a propósito de duas coisas. Uma real, observável e inegável; outra mais subjectiva. Mas ambas ligadas por um nome em concreto. Cândido Barbosa. Por – outra vez – duas razões. O Cândido foi, de facto, o mais forte candidato português à vitória na Volta nos últimos três anos. Não conseguiu os seus objectivos. Não diria que falhou porque acho que não é verdade. Pior, seria injusto. Depois porque a equipa que representou nas últimas três temporadas anunciou que não lhe renovaria o contrato tudo indicando que, em 2008, a aposta de Américo Silva se centrará no homem quem fez segundo e terceiro (alternando, curiosamente, as posições com o próprio Cândido), o espanhol Hector Guerra. E já contratou outro peso pesado, Isidro Nozal. Outro espanhol. Entretanto, a Maia – com diversas designações ao longo dos anos – ganhou quatro das sete últimas edições da prova. Sempre com estrangeiros.

Será que aos corredores portugueses ainda falta mesmo o tal “bocadinho… assim!”, como diz um conhecido anúncio de televisão?

Desenvolvimento

Parte 1
Aparentemente falta ao Corredor português, e desde há uns anos a esta parte, qualquer coisinha ainda para poder ganhar a Volta. O quê?

Mas, antes disso, atente-se a este facto: este ano apenas terminaram – para além do Cândido, que foi segundo – mais dois portugueses no top-ten. José Azevedo, do Benfica, em sexto; e Pedro Cardoso, da LA-MSS-Maia, em décimo.

O ano passado, para além do terceiro lugar do Cândido ainda tivemos o João Cabreira, em quarto; o Bruno Pires, em sétimo (ambos da Maia-Milaneza); o Carlos Pinho, Barbot-Halcon, em oitavo; Ricardo Mestre (DUJA-Tavira), nono e Rui Sousa, Liberty Seguros, em décimo.
Seis lusos nos primeiros dez. Em 2007 esse número baixou para metade.

E volto à dispensa do Cândido, por parte da Liberty Seguros e a antecipável aposta da equipa, para o ano, seja em Guerra seja no mais velho dos manos Nozal numa aproximação evidente à política seguida – e com resultados extraordinários – pela Maia que sempre apostou em algum dos seus corredores estrangeiros.

E se Fabian Jeker (quando a cabeça andava limpa) era um corredor poderosíssimo, e se Claus Möller um atleta regularíssimo e dos nomes mais importantes que já passaram pelo nosso pelotão foram escolhas… pacíficas, sem querer, de maneira nenhuma, ser depreciativo… não havia portugueses ao nível de um David Bernabéu ou de um Xavier Tondo?

Parece que não, porque o Manuel Zeferino já demonstrou urbi et orbi que sabe o que faz.

Parte 2
Mas a questão não se põe apenas nestes últimos casos.
Repare-se, a DUJA-Tavira escolheu um estrangeiro para tentar ganhar a Volta, este ano e o Benfica ganhou a edição de 1999 também com um espanhol.
Depois disso, e nos últimos DEZ anos estão apenas dois nomes de corredores portugueses no registo dos vencedores e, ainda assim…

Bem, quanto ao triunfo de Vítor Gamito, em 2000, ele era, de facto, a grande – senão única – opção assumida pela Porta da Ravessa. Já vinha – cito de memória – com quatro segundos lugares, os anos somavam-se e era quase o tudo-ou-nada para o Corredor lisboeta, mas a verdade é que esse triunfo só foi desenhado numa etapa com uma história ainda para contar.
No seu livro biográfico Vítor Gamito conta parte dessa história.
Sinceramente – e nunca calhou falar disso com o Vítor – todos os que assistíamos à etapa ligámos aquele tal gesto brusco de arrancar o rádio que o ligava ao carro e deitá-lo para a valeta, ao mesmo tempo que, a partir daí sim, arrancou de forma imparável até à Torre pode ter tido como motivo outra estória que não a da falha nas comunicações.

E eu arrisco: ou uma grande indecisão, no carro, onde se levava demasiado tempo a dar indicações (o tal silêncio-rádio), ou uma outra estratégia que não agradou a Vítor que, cortando o cordão umbilical ao carro, assumiu por sua conta e risco as decisões finais e… saiu vencedor.

Curiosamente, três anos depois a Volta haveria de se resolver exactamente no mesmo local, mas também o triunfo de Nuno Ribeiro (LA-Pecol) tem uma história que nem todos saberão.

Na verdade, a grande – provavelmente única, à partida – aposta da equipa da Charneca era… o russo Andrei Zintchenko. E ao Nuno estava reservado o papel de fiel escudeiro, na subida para a Torre. O que aconteceu foi que o russo furou completamente das pernas e, peito ao vento, o jovem corredor do Sobrado (Valongo) fez quase como o Vítor, em 2000. Foi por ali acima não dando hipóteses a ninguém.

Ganhou a etapa, vestiu de amarelo e conservou o primeiro lugar até Viseu onde ainda teve forças para resistir ao derradeiro ataque de Claus Möller (Maia), no contra-relógio, Möller que, por acaso, era quem ia de amarelo, em 2000, quando o Gamito ganhou na Torre.

E pronto… nos últimos DEZ ANOS só constam estes dois nomes de corredores portugueses na lista dos vencedores da Volta a Portugal.

Parte 3
Mas, já que tenho espalhada toda a papelada aqui à minha volta, cavemos um pouco mais fundo. Nos últimos VINTE ANOSMAIS QUATRO PORTUGUESES GANHARAM A VOLTA.

Joaquim Gomes, em 1989, pela Sicasal, e em 1993, pelo Boavista; Fernando Carvalho, em 1990, pelo Feirense; Jorge Silva, em 1991, pela Sicasal (e remonta a 1991 a última vez que três edições consecutivas da Volta foram ganhas por corredores portugueses); e depois em 1994 e 1995 aconteceram as vitórias de Orlando Rodrigues mas… ao serviço de uma equipa espanhola, a Artiach.
Em 20 anos, oito vitórias portuguesas apenas, em termos individuais, claro!

Por curiosidade, a 50.ª edição da Volta – exactamente a primeira deste bloco das 20 últimas – foi apenas a terceira ganha por um estrangeiro, o inglês Cayn Theakston, do Louletano-Vale de Lobo. Antes dele só o belga Antoine Houbrechts (Flandria), em 1967; e o espanhol Jesus Manzaneque, das Caves Messias, seis anos depois, tinham tirado portugueses do primeiro lugar. E no caso de Manzaneque até nem foi ele o consagrado como vencedor no final da prova, mas sim Joaquim Agostinho, mais tarde desclassificado.

Em 49 edições da Volta a Portugal apenas dois estrangeiros haviam vencido... nas últimas 20 somaram-se-lhes mais 12.
Curiosamente, num espaço de tempo em que o Ciclismo português evoluiu claramente.

Ok… destes 12 triunfos de corredores estrangeiros, nos últimos 20 anos, sete foram conseguidos com eles integrados em formações nacionais, e aqui voltamos ao princípio… o que é que falta aos portugueses? Será o tal “bocadinho… assim?”.

Já gora, apenas por curiosidade e sem querer comparar os níveis das competições, nos últimos 20 anos o Giro foi ganho por 13 italianos – há 11 anos consecutivos que vencem corredores da casa –; e em Espanha estão como nós, nas últimas 20 edições só ganharam espanhóis por oito vezes. Terminada a edição presente, o colombiano Lucho Herrera (ganhou em 1987) sairá da lista mas, para já, ainda é um não espanhol quem lidera a corrida deste ano e é apontado por todos como o principal favorito pelo que tudo deverá ficar na mesma.

E o Tour? Pois é!
A última vitória de um francês na sua corrida data de… 1985.

Já passaram 22 anos desde que Bérnard Hinault ganhou aquele que foi o seu quinto Tour. Depois disso… a azia. Principalmente em relação aos estadunidenses que ganharam 9… ou dez (falta ainda saber quem é o vencedor da edição do ano passado) das últimas 20 edições.

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