terça-feira, agosto 12, 2008

II - Etapa 188

UM DIA EM ALPE D'HUEZ

Amigo Manel:
Outro dia escrevi este texto a correr e nem o reli. Confesso que não sabia que destino lhe poderia dar, a não ser arquivá-lo naquilo que virá a ser o meu espólio, fraco espólio, que valerá aquilo que entenderem dever valer. Mas, para que, aquilo que aqui escrevo não fique inteiramente ignorado, pensei que ficaria em boas mãos se tiver a bondade de o aceitar, bem como à estima e amizade que lhe dedico.
Um grande abraço do Guita Júnior.

* * * * * * * * * * * * * * * * * * *

EM MEMÓRIA DE BRUNO SANTOS
E DE JOAQUIM AGOSTINHO


Ao completar-se o primeiro ano sobre a morte de Bruno Santos, correspondente em Paris, do jornal "A Bola", ao longo de mais de três décadas, e para que não se perca a memória das coisas, é oportuno recordar a decisiva intervenção que ele teve para que fosse perpetuada uma homenagem a Joaquim Agostinho, um dos mais cotados ciclistas portugueses cuja carreira ele acompanhou de muito perto.

Refiro-me ao memorial que foi colocado numa das curvas da subida para o Alpe d'Huez, homenagem que fez parte do programa do centenário do Sporting.

Para que fique registado para a posteridade e não se preste a qualquer outra interpretação vem a propósito explicar as reais circunstâncias em que tudo aconteceu.


Tudo começou no dia da apresentação pública do livro "Fotobiografia de Joaquim Agostinho", editado pela Câmara Municipal de Torres Vedras. Nessa cerimónia a cerimónia da apresentação da obra esteve a cargo do Professor Doutor Eduardo Marçal Grilo, antigo Ministro da Educação e grande apaixonado do ciclismo, que na sua oratória deixou a sugestão ao Sporting de promover uma homenagem a Joaquim Agostinho relacionada com a sua brilhante carreira no 'Tour' de França.

Presente entre a assistência estava Bruno Santos que, face a tal sugestão, e para que ela não caísse em saco roto, entendeu chamar a si as diligências para a concretização de tal projecto, tarefa nada fácil reconheça-se.

Pese embora, o seu conhecido benfiquismo, Bruno Santos, mal regressou a França, com conhecimento e permissão do Sporting, começou de imediato a trabalhar no projecto, partindo do zero. Mostrava assim a sua grandeza de alma e sobretudo o sentimento de amizade que construiu durante anos ao lado daquele que ainda hoje é tido como o nosso maior ciclista de todos os tempos.

É difícil explicar as voltas que ele teve que dar, os numerosos contactos que teve de fazer, para levar a bom termo a tarefa que a si próprio impôs. O autor deste apontamento teve a feliz oportunidade de acompanhar a parte final das diligências, já em plena Volta a França de 2006, o seu último 'Tour', que foi o capítulo mais complicado da concretização do projecto.

A poucos dias da passagem da caravana do 'Tour' pelo Alpe d'Huez, as dúvidas e as incertezas que se levantavam momento a momento, pondo em risco todo o programa traçado causaram grandes inquietações a Bruno Santos, que, no entanto, como era seu timbre, nunca desistiu daquela batalha.

Foi o Bruno quem, com a devida antecedência se deslocou à cidade de Grenoble a fim de encontrar naquela zona um marmoreiro que tomasse a seu cargo a produção da placa com o baixo relevo da figura do saudoso ciclista e sua colocação no local.

Foi precisamente o local, que em princípio seria na curva 17 onde já existia uma placa com o nome de Agostinho, a assinalar a vitória que ele ali conquistou, foi precisamente esse local que representou a primeira grande dor da cabeça para o Bruno, pois o 'maire' da zona, para não ter problemas com um outro seu colega da área limítrofe, sugeriu à última hora (estávamos a quatro ou cinco dias da data programada, o dia em que o pelotão do Tour subiria para o Alpe d'Huez), que a placa fosse colocada mais abaixo, na curva nº 14.

Assim se fez para tranquilidade do Bruno que viveu nesse dia o acontecimento mais importante da sua vida, mais importante ainda, disse-me ele, do que a entrega na Embaixada de Portugal em Paris, da medalha de Mérito Desportivo que lhe foi concedida pelo Estado Português.

A cerimónia da inauguração do Memorial Agostinho, implantado na curva 14 (e não 17) teve o brilho e a solenidade que o Bruno tanto desejava, com a presença do Secretário de Estado e do presidente do Sporting, familiares do saudoso ciclista, antigos companheiros, amigos e jornalistas, e contou com a visita do director do Tour, Jean-Marie Leblanc, que se adiantou ao pelotão a fim de participar na cerimónia.

Não foi possível concretizar o projecto de ali voltarmos no ano seguinte. Aquela foi a última vez que estivemos na volta 14 da mítica subida para o alto de Alpe d'Huez, onde Joaquim Agostinho conquistou uma das suas mais extraordinárias vitórias.

Guita Júnior

Sem comentários: