sábado, junho 23, 2007

608.ª etapa


MAIS UM EXERCÍCIO TEÓRICO PARA
QUE SEJA... COMPREENDIDO

Decidi, de há algum tempo para cá, assumir aqui, no VeloLuso e em relação à tendência generalizada na opinião pública, uma posição de “Advogado do Diabo” – pelo odioso que a expressão representa, não que os meus… “constituíntes” sejam encarnações do Belzebú – no que respeita à “etiqueta” certa que devemos “colar” nos Corredores profissionais de Ciclismo. Na esmagadora maioria dos Corredores.

Porque, e vou relembrando aqui curtas passagens do “diálogo” que travei com um outro grande apaixonado pela modalidade, que também tem um blog – é o Pedaladas, e que pode, de facto, ser apresentado como o espelho daquilo que a maioria das pessoas pensam – eu não sou, nem acredito que alguém tenha pensado isso, apologista do doping ou “branqueador” dos casos conhecidos, levados à Justiça Desportiva e considerados culpados.
Não!

Se se lembram, há já alguns meses que tentei lançar uma discussão em redor do doping mas, a dada altura, confessei-me incapaz de classificar o que é que será, afinal de contas, o doping. Curiosamente, e é apenas a minha leitura, vale o que vale, creio que persiste, pelo menos em relação à maioria das pessoas, a ideia das “pastilhas”. Coisa dos anos 60 do século passado.

Continuo sem saber definir exactamente o que será “doping”, nos dias de hoje.
Nos meros testes ao hematócrito, se um atleta – porque não são só os Corredores que são testados – apresentar um nível de 48% é considerado apto e fica-se por aí. Esse número é natural ou foi induzido? Nunca se saberá. Ao mesmo tempo, outro que acuse 51% de taxa de hematócrito é dado como inapto. Repito a pergunta: esse número terá de ser necessariamente consequência do uso de alguma substância proíbida ou… é natural?

E o caso dos atletas que, apresentando um simples atestado médico – não é que esteja a desconfiar dos médicos –, lhes é permitido o uso, chamado de terapêutico, exactamente dos mesmos produtos que estão vedados aos demais? Como classificamos isto?

Como continuo a arrumar os meus recortes de jornais, mantenho a esperança de encontrar a tal notícia de que aqui já falei. Que nos JO de Sydney houve um número anormalmente alto de atletas que se fizeram acompanhar de atestados médicos que provavam serem… asmáticos. Logo, por causa da tal terapia, terem de recorrer a medicamentos em cuja composição há produtos proíbidos e vedados a todos os outros.

Prevalecerá aqui a Verdade Desportiva? Responda-me, se puderem ou quiserem.

Em relação aos testes ao hematócrito, entretanto houve um avanço com a adopção do chamado “Método Australiano”. E o que é que este método traz de novo? “Mede”, para além da percentagem do número de glóbulos vermelhos (teste de hematócrito) e, tomando o todo da percentagem de hemoglobina recolhida, detecta nesta o número de reticulócitos comparando-o, através da fórmula encontrada pelos especialistas australianos, com o número de hematócrito.

O que é o reticulócito? “Grosso modo” é um glóbulo vermelho jovem. Acabadinho de ser produzido – naturalmente (porque a renovação de células é automática) ou “acelerado” pela indução de produtos ilícitos?

Definiram esses especialistas que, estando na presença de uma renovação normal, produzida pelo nosso corpo, a proporção entre hematócrito e reticulócitos terá de ser proporcional e o número a que os cientistas chegaram é de 133. Número máximo limite.
A fórmula – e eu sei que estou a dar de mão beijada uma informação que muitos até já se vangloriaram de ter mas da qual não fazem, de facto, ideia – é esta: a hemoglobina (em gramas/litro) menos 60, vezes a raíz quadrada do número de reticulócitos… não pode dar mais de 133.
Se der, PARTE-SE DO PRINCÍPIO que o aumento de glóbulos vermelhos, “denunciado” pelo número de reticulócitos e segundo aquele fórmula, foram aumentados de forma induzida.
Não é endogéneo.

Mas o uso de uma Câmara Hipobárica, ou um estágio em altitude também levam à produção “acelerada” de reticulócitos!

Este é apenas um exemplo e serve para sustentar a minha tese de que… não há método 100% fiável e o que está a acontecer é que, no caso de dúvida… castiga-se.

E isso foi rapidamente “absorvido” pela opinião pública com um défice gritante de informação.

O espaço nos jornais não estica e – uma vez mais – eu sei bem o que isso é. Mas, e como disse no tal “diálogo” com o Pedaladas, a verdade é que sendo curto ainda é mal aproveitado. Dei um exemplo: houve imprensa que noticiou o facto de alguns corredores – em Portugal – terem incorrido em ilícito, à luz da legislação vigente, por não terem sido encontrados nos locais previamente indicados à FPC e, por esta ao CNAD. Mas a Lei prevê um prazo de 48 horas para que os “infractores” se disponibilizem aos testes e isso aconteceu com todos.
Não houve consequências.

A Imprensa deu a primeira parte da notícia (que não tinham sido encontrados) mas “esqueceu-se" da segunda… que se tinham sujeitado aos testes e que não houve consequências.
Assim, a opinião pública reteve apenas aquilo que lhes foi fornecido.
E daí à “conclusão” de que há “batoteiros” vai um nadinha.

O que eu tenho tentado demonstrar, ao longo já de muitos artigos, é que NÃO PODEMOS condenar levianamente TODOS os Corredores.
E, se no meio de 99 “batoteiros” houver UM inocente, eu ficarei do seu lado e batalharei pelo seu direito à presunção de inocência. Sem concessões.

Depois, e como escrevi no Pedaladas, assistimos a uma insana perseguição a TUDO o que é Corredor. Ontem no sítio espanhol todociclismo li uma notícia que hoje vi transcrita (sem ser citada a fonte) em pelo menos um “desportivo” nacional.
Alexandre Vinokourov está a treinar no sul de Espanha e um jornal… francês (!???) “descobriu” que ele, em vez do azul marinho do equipamento da sua equipa, anda na estrada vestido de negro. Dedução imediata: “Está a esconder-se das brigadas da UCI”.

Caramba!... primeiro, não é o Chico das Bicicletas… é o Alexandre Vinokourov.

Depois, tenho que admitir aquilo que jamais quereria escrever e que se resume a isto: “Teoria da Conspiração.”

Até porque se escondem - prepositadamente? - permissas que teriam SEMPRE que ser tido em conta.
Antes de acusarem o homem de se “travestir” de Joe Berardo, deviam tentar saber se ele comunicou, ou não, às autoridades competentes que ia estar a treinar no sul de Espanha.
E em que hotel está, e a que horas pode ser encontrado.

Se ele fez isto… pode, e como ele diz, não sem que se perceba um pouco de raiva nas suas palavras, ir para a estrada treinar em… cuecas!

Repito: é insana esta “cruzada” que alguns media – e, como escrevi no Pedaladas, sempre com a mesma origem! – encetaram CONTRA O CICLISMO.

Só uma coisa me dá “volta aos miolos”.
Sou consumidor compulsivo de jornais. Saio, vou dar a minha voltinha, páro, muitas vezes nos mesmos sítios onde, naturalmente – moro aqui há 35 anos! – sou confrontado com notícias que os jornais trazem e com a pergunta “sacramental”. São todos uns dopados, não são?
Àquelas três, quatro, cinco pessoas, tento explicar que não…

E, regressado a casa, sento-me aqui e, porque senti disso necessidade, venho a multiplicar os artigos em defesa dos Corredores.
Porque não! Não são TODOS UNS DOPADOS.

O Pedaladas é bem escrito – muito bem escrito – e tem a sua própria audiência, mas quando o seu autor afina exactamente pelo mesmo diapasão que o empregado de mesa que me serve a bica… fico preocupado.

Aceito que TEM que se “orientar” pelo que lê. Mas custa-me, sendo uma pessoa extraordinariamente bem formada – sem bajulações – que aceite sem se interrogar, tudo o que lê. Por isso tentei mostrar-lhe que, infelizmente, só se lê parte de uma “estória” bem mais urdida.

Isto não é uma “resposta” ao Pedaladas.

Essa deixei-a lá, com a devida autorização do seu proprietário intelectual.

O que quero reforçar é que assumi aqui a defesa de uma esmagadora maioria de atletas, Corredores de ciclismo, no caso, porque acredito neles. Porque acredito nos métodos e porque sou capaz de perceber que, se os regulamentos estabelecem limites, deixam implícito que, dentro destes limites, se pode trabalhar a nível clínico.

Aliás, a obrigatoriedade de as equipas Profissionais Continentais e do ProTour indicarem médicos titulares e responsáveis, só por si quer dizer alguma coisa.
Para quem, ainda assim não perceba, eu “traduzo”:
Façam, mas façam-no sob a orientação de quem está habilitado para tal.
Percebem agora?

De resto, acho que o público em geral – sem que queira condicionar ninguém a deixar de ter a sua própria opinião – se devia preocupar com outras coisas.

Há umas semanas escrevi que o público, genericamente, também pode ser responsabilizado pela situação em que o Ciclismo caiu. Ao exigir dificuldades. Mais… ao reconhecer que as etapas “chatas” não têm interesse e que os fazem mudar de canal – quando são transmitidas pela televisão – mas não negam que sofrem de estimulantes subidas de adrenalina quando os corredores são obrigados a, muitas vezes em condições desumanas, deixar couro e cabelo em etapas onde as dificuldades são potenciadas.
E fiquei satisfeito quando uma outra pessoa, também daqui, deste mundo da internet, acabou por confessar que, a partir do que eu escrevera, ia passar a olhar essas etapas de outra forma.

O Ciclismo profissional, ao seu mais alto nível, é já algo mais do que desporto.
É espectáculo.
Um espectáculo que só é rentável se for vendível e só é vendível se levar o espectador à tal “alta de adrenalina”.

As televisões são auditoradas ao segundo. Os gráficos de audiências e de quotas no share são estudados e estabelecem-se níveis abaixo dos quais o investimento deixa de ser rentável. Para ser rentável é preciso pôr os Corredores a sofrer…

Então não ponham nestes todo o odioso que há na hipótese do recurso a produtos ou métodos proíbidos. Sendo que não estou a pedir que os perdoem, quando o fazem.

Termino com mais uma referência à resposta que deixei no Pedaladas
Contra o dopingsempre!

Agora, se numa floresta se detectar uma dúzia de árvores doentes, que se cortem; que se arranquem pela raíz, se tal for necessário.
Não faz sentido é que, para eliminar essa dúzia de árvores se puxe fogo a TODA a floresta.

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