quinta-feira, junho 07, 2007

579.ª etapa


“BATOTAS”… BATOTEIRAS, E OUTRAS
COMPLETA E IRREPREENSIVELMENTE… LEGAIS


Tenho estado, desde o final da tarde, entregue a uma tarefa que, pelo menos para mim, parece trabalho sem fim: tentar arrumar as “toneladas” de papel que me “atascam” a casa.
Começo por guardar os jornais inteiros, depois, e chegado à conclusão que não há espaço que chegue, estreito a malha da rede e só guardo as páginas onde há noticiário de Ciclismo mas, mesmo assim, lá chega o dia em que me vejo obrigado a mergulhar de novo nas pilhas e pilhas de recortes na tentativa de descartar alguma coisa.

É que não há mesmo espaço para tudo.

É uma tarefa que tem tanto de absorvente como de falso, no que respeita ao intuito inicial. Começa-se por folhear e reler calmamente a primeira pilha de jornais acumulados, considerando não alienáveis nem as pequenas “breves” para, vencido pelo cansaço, apressar o trabalho e, das duas uma, ou guarda-se de novo porque sim… ou descura-se a “inspecção”, mesmo correndo o risco de, daqui a umas semanas, me vir a roer todo porque “tinha aquilo guardado e deitei fora”.
Mas tem de ser.

Nas últimas horas passaram pelas minhas mãos as histórias da Operação Puerto, as listas – ou ameaça delas – de nomes implicados, editoriais, opiniões, gráficos e explicações de como funciona a EPO… até que, para aí à décima vez que, molhando a cabeça do polegar virava uma página, voltei a dar de caras com a mesma coisa. Um anúncio. Este que publico aqui.

E, já cansado, olhando sem ver, vendo já sem me interessar o devido, resolvi parar por hoje. Talvez pelos próximos dois ou três dias. Contudo, este anúncio – que me deixara a pensar, confesso – deu-me o mote para este artigo.

Ainda ninguém sabe, ao certo, se a Operação Puerto acabou ou não. Aliás, o artigo imediatamente anterior a este faz querer que não. E a OP – adaptemos a designação… descomplicativa que os espanhóis são capazes de fazer, mas que nós, às vezes, não compreendemos – cinge-se, na prática, às transfusões sanguíneas. Com, mas não necessariamente, o “enriquecimento” do sangue através da adição da versão sintética daquela hormona (a EPO).

Trafulhice! Bradamos todos.
Batota!

E que me dizem então deste anúncio?
Que me dizem dos intocáveis, nos seus propósitos e resultados, estágios em altitude?

É que, como se lê no anúncio, a geringonça publicitada serve para… reproduzir, em qualquer lado, os efeitos de um estágio em altitude.
Ou seja… pela rarefacção do oxigénio levar o organismo a produzir um maior número de glóbulos vermelhos os quais, aumentados no número, proporcionam um maior e melhor transporte do oxigénio, nomeadamente através dos músculos, o que permite levar o atleta um pouco mais além, no esforço e, acima de tudo – e quando é o caso disso – uma muito mais rápida recuperação do esforço dispendido.
EXACTAMENTE a mesma coisa que a… EPO.

Deixemos de lado o factor “saúde pública”. Todos sabemos os riscos que o uso da Eritropoietina sintética acarreta, mas… pois!... é isso.
Há diferenças, claro que há – eu sei-as –, contudo, reduzindo tudo à mínima fracção… o resultado final é, ou não, o mesmo?

Este método – o da câmara hipobárica – não é proíbido. Como o não são os estágios em altitude. Não, não vou perguntar porque é que a EPO o é. Eu sei!
Fico é a magicar…

O Ciclismo é uma modalidade diferente de todas as outras.

Mais nenhuma obriga um atleta a esforços tão grande e, sobretudo, tão continuados.
Correr os 42 quilómetros de uma maratona, em atletismo, há-se ser um esforço a raiar o humanamente possível, mas quantas maratonas faz um atleta ganhador por ano?
Duas? Três?

Um corredor, com mesmo estatuto, não somará menos de cinco mil quilómetros/ano. Só de competição. Os treinos ficam de fora destas contas. Fica sem tempo para poder dormir numa coisa destas um mês, mês e meio, até um mês, três semanas antes de uma determinada etapa. Pois se as grandes corridas até têm três semanas de duração…

Onde eu quero chegar é aqui: é batoteiro, é sim senhor, aquele que recorrer a transfusões – enriquecidas ou não – e quando se fala em batota quer-se dizer que “jogam” com cartas diferentes das do “baralho” com o qual TODOS têm que jogar.

Mas – outra vez… – e todos têm possibilidade de dormir numa “tenda” destas?
E todos têm possibilidades de fazer estágios em altitude?
E quem os pode proíbir de fazer isso?

Então… concordamos ou não que, em termos meramente desportivos, há muitas maneiras de esconder um ou outro “trunfo” na manga sem que, por isso, se corra o risco de se ser batoteiro?

Contudo… será “jogo limpo” partir para uma competição já com vantagem sobre os adversários?

Aliás, uma das maiores figuras - se não A maior figura - do nosso desporto, actualmente (não, não é o Cristiano Ronaldo!), há coisa de um ano, em entrevista à televisão admitiu que usa esta coisinha do anúncio...

Eu sei, eu sei… o barão Pierre de Coubertain foi um lunático.
E não! Não reencarnou em mim.

4 comentários:

Antonio Dias disse...

Fazer um tratamento de EPO não é o mesmo que utilizar um aparelho de oxigenação hiperbárica ou uma tenda hiperbárica, pelo simples facto de que ao tomar EPO a pessoa está a potenciar a oxigenação do sangue de uma forma exógena, alterando e lesando o equilíbrio hormonal. Ao invés, um estágio em altitude (pelo menos 15 dias, a uma altitude superior a 2000 metros) ou a utilização de equipamento de oxigenação artificial são mecanismos que potenciam a produção endógena de eritropoietina (através dos rins).

Aliás, o teste anti-EPO leva em consideração este aspecto. Ou seja, o que o teste permite detectar é a administração/produção exógena da hormona. Exemplo, o caso de Roberto Heras. Nas amostras, foram detectados resíduos de EPO exógena, e não endógena. O mesmo se aplica à testosterona.

mzmadeira disse...

Nem eu disse que era, António... e notei que a questão da "saúde pública" não estava à discussão.

Falei em "truques" possíveis que levam ao mesmo resultado.

E logo no título creio que ficou tudo esclarecido: e a palavra batota vai entre aspas exactamente porque é perfeitamente legal e aceite passar quinze dias am altitude ou usar estas câmaras Hipobáricas.

O moto, hoje em dia, é "que ningum se dope" para que todos partam em igualdade de circunstâncias.

Vejamos a coisa sob este prisma, ok?
Então... ou todos teriam que ter hipóteses de passar uma temporada na Sierra Nevada - que tem um magnífico Centro Desportivo de Alto Rendimento -, ou todos teriam que ter uma "tendinha" daquelas.
O que me parece não acontecer.
Foi sob esta ângulo que escrevi este artigo.

Mas como as "discussões", assumidas com lisura, só podem ser benéficas, o que dizer das largas dezenas de atletas a quem, com um simples atestado médico, é permitido tomarem produtos que contem substâncias que estão interditas à esmagadora maioria, ainda assim?

Tudo isto para tentar fazer passar a mensagem de que o Ciclismo é uma modalidade única. E tem que ser aceite como tal.

De resto, voltando a tomar o exemplo da Eritropoietina, claro que sou contra o uso de TODOS os produtos e recurso a todos os métodos atempadamente listados como proíbidos.

Deixo ainda mais um dado para a discussão. NEM todas as transfusões podem ser olhadas da mesma maneira. Há as que, presumivelmente, é adicionada a hormona sintética... mas também é usual uma outra prática "limpa" desta nódoa. Aquelas em que os atletas - e não são só os do Ciclismo - depois dos tais estágios em altitude, quando foi potenciado o número de glóbulos vermelhos, "guardam" parte desse sangue que "recuperam", depois, quando se decide que é preciso "revigorar" o sangue em alturas convenientes. Nestas não se detectam - porque não existe - no sangue quaisquer aditivos.
Mas não deixam de ser proíbidas, recuperando a teoria de que é... batota. O tal facto de "jogarem" com cartas que o baralho usado por todos os outros não tem.

Antonio Dias disse...

Pois, e também ainda ninguém conseguiu explicar a avalanche de controlos positivos com nandrolona no início da década no futebol...

Batotas há muitas, métodos ainda mais; eu apenas me bato para que as ajudas médicas - que são essenciais no desporto de alta competição, entenda-se - tenham um quadro minimamente racional e que jamais sejam permitidos abusos como aqueles que vemos nas grandes redes de doping. Há equipas francesas em que levar uma aspirina para uma concentração é um delito, ou que produtos de aplicação intravenosa são expressamente proibidos. Não concordo, é um exagero.

Numa coisa estamos de acordo: neste momento, reina uma grande confusão, ninguém sabe dizer o que é e o que não é doping.

mzmadeira disse...

Obrigado António, acabas de me dar uma grande ajuda. É que tem sido esse, privilegiadamente esse, o meu problema.
Como tentar explicar - dentro do que sei - o que é, de facto, doping.

Se até a EPO o pode não ser... pois o processo arranca com a contabilização da percentagem de glóbulos vermelhos e se se for capaz de manter esta nuns mais ou menos fixos 48/48,5... nem se vai mais longe, procurar seja o que fôr.

Nas últimas análises que fiz (faço de três em três semanas) "acusei" uns miseráveis... 40%. Daqui a pouco estou anémico!