quarta-feira, maio 23, 2007

547.ª etapa


COMO AGRADAR A TODOS?
OU… “A PESCADINHA DE RABO NA BOCA” (I)


Hoje tive de madrugar. Mais análises… mais um exame para diagnóstico. Com tantos exames que já fiz, dava para uma batelada de diplomas na UnI (opsss!... NÃO era uma piada ao senhor PM! – se fosse funcionário público, e alguém me denunciasse, como ao outro (e concordo com o que o prof. dr. Jorge Miranda diz hoje no DN, ter havido um delactor ainda é o mais triste de toda esta situação), lá vinha um processo disciplinar…

Mas recomeçando. Do mal, o menos... ainda cheguei a casa a tempo de assistir a mais uma etapa do Giro, etapa essa que foi corrida em ritmo de cicloturismo. Curiosamente, no dia em que o Paulo Renato Soares – um abraço, companheiro – toca, na rubrica que assina no Record, num dos pontos mais sensíveis neste tandém em que o Ciclismo se está a transformar, com desporto e doping montados na mesma bicicleta.

Concordo com o Paulo. Mas o texto dele lança-me de imediato a ideia da tal “pescadinha de rabo na boca” – ou círculo vicioso, se preferirem.

Todos, a começar pelos espectadores, anseiam por espectáculo. As organizações – que cada vez mais vivem dos acordos com a televisão – empenham-se em desenhar corridas que possam proporcionar o tal espectáculo e logo aqui as coisas se começam a enrolar.

As organizações precisam da televisão, esta não se interessaria pelas suas provas se todas as etapas, de todas as corridas, fossem como as de hoje, no Giro (eu próprio castiguei esta tarde, mais do que o normal, o pobre do telecomando, em sucessivos zappings porque a corrida ia sem interesse), as organizações introduzem mais dificuldades, em nome do tal espectáculo, os corredores não se negam, na parte que lhes cabe, mas depois corre-se o risco de apanharmos jornadas como esta, quando as etapas são longas e sem as tais dificuldades.
Mas já estou a misturar os dois assuntos que aqui queria tratar.

Primeiro, vamos às etapas de alta montanha (espectáculo) mas com quilometragens a raiar o desumano. Que, no entanto, o pelotão encara com garra. E, como o Paulo sublinha, malgrado os 250 quilómetros da tirada de ontem, e de ser uma etapa de montanha, rolou-se a uma média de 40 km/hora. Durante quase seis horas e vinte minutos! E é por aqui que normalmente se pega quando se procura um motivo para o crime. O recurso a produtos e práticas proíbidas.

Mas então, voltemos um pouco atrás.
Quem é que exige etapas espectáculo?
Quem é que, comodamente sentado no sofá, vibra com o sofrimento dos profissionais? É este, de facto, o seu ganha-pão!
Quem é que só compra o produto, que difundirá na perspectiva de, com a publicidade que faz, retirar os dividendos suficientes para pagar às organizações e ainda recolher os óbvios lucros?
Quem é que, não podendo – não podem mesmo – abdicar dos dinheiros da televisão, tem que se preocupar em desenhar essas etapas-espectáculo?

E a última, mas a mais dolorosa das perguntas:
Quem é que, inevitavelmente, sai mal nesta foto de grupo? Desfocado. Riscado, descartado… Apagado, em muitas das situações?
(Este apagado vai com o significado de posto de fora e leva implícito o estigma que marca para sempre os que são detectados e punidos com suspensões que, não raro, são mesmo um fim de carreira. Uma saída inglória do Ciclismo.)
Pois é!...

Visto sob esta perspectiva – lá vem uma das minhas comparações estapafúrdias… –, imagine-se que, “a bem do espectáculo”, quem vai a um circo acha muito mais emocionante o número do trapézio se não houver uma rede que proteja o artista, em caso de queda. Mas, se este cai e se espatifaa culpa é só dele.

Portanto – esta conclusão é minha – aceitando, mais do que isso exigindo etapas de dureza sobrehumana, o adepto (e os jornalistas e comentadores) torce o nariz quando os Corredores as cumprem com sofrimento, sim, mas também com denodo e profissionalismo.
E do torcer o nariz à suspeita, ainda que na maioria das vezes não confessada, de que “aquilo só pode ter sido à custa de qualquer coisinha…” vai um passo de anão.

Se, e como aconteceu na etapa de hoje – outra vez a rondar os 200 quilómetros – o pelotão cumpre dois terços a uma média de pouco mais de 30 km/hora… não faltam os “andam a brincar às corridas…”, “parece um grupo de cicloturistas…”, “são profissionais deviam levar isto mais a sério…”

Sem falar nos arrepelões de cabelos autoinfligidos pelos responsáveis televisivos – que sentiam espectadores a fugir para outros canais – e do organizador seriamente preocupado com uma fonte de receita da qual não pode prescindir.

Numa situação torce-se-lhes o nariz – à prestação dos Corredores –, na outra põem em causa o seu profissionalismo.

Nem o Mourinho conseguiu contrariar o velho ditado.
Queriam prendê-lo por ter um cão… prenderam-no porque afinal não tinha.
Vocês conhecem a história...

1 comentário:

Nuno Inácio disse...

Caro Manuel,
Podes não ter ganho uma "batelada de diplomas", mas um honoris causa pela dedicação ao ciclismo já merecias...

Um abraço,