sexta-feira, julho 20, 2007

703.ª etapa


SE É PARA BEM DO CICLISMO...
EM FRENTE, MARCHE!...

Não tenho dúvidas em como era esta, de facto, a ideia inicial dos pais do ProTour e até adivinho que as coisas se ficaram pelo meio-termo porque, como as paredes têm ouvidos e as primeiras conversas terão acontecido nos corredores do vetusto edifício de Aigle, rapidamente o senhor Verbrugghe delas terá tido conhecimento e, entre um aperitivo, um almoço e o complementar digestivo, convenceu os idiotas – no sentido, jocoso, está bem… de quem teve a ideia – a avançarem sim senhor, mas sob a alçada da máquina de sorver dinheiro que é a União Ciclista Internacional (UCI).

Aliás, cândidamente muitos foram os que, logo ao princípio, ao tentarem explicar o que seria isso do ProTour avançaram com o exemplo da estadunidense National Basketeball Association (NBA). Uma Liga fechada onde só entraria quem garantisse chorudos lucros a serem, logicamente, absorvidos pelos grandes patrões. Ia quase a escrever… cappos!...

Depois, e como se teve pressa em avançar – quem é que não conhece a história da galinha dos ovos de ouro? -, ergueu-se o edifício sem antes se terem escavado os alicerces. Vai ruir. Mais dia menos dia… Já abana por tudo o que é lado.

E isso aconteceu exactamente porque, na ânsia de ter, o mais rapidamente possível, os tais ovos de ouro, se fez como na estória… matou-se a galinha para lhe abrir as entranhas e aproveitar os que já estavam feitos.
Esquecendo a moral da mesma história. Viva, a galinha continuaria ainda durante alguns anos a pôr o seu ovito de ouro diariamente. Certinho. Garantido.

E escrevo este artigo depois de ter lido (na Meta2Mil) que Johan Bruyneel – na fase que descambou nesta confusão toda tinha sido Manolo Sáiz – defende para o ciclismo de topo um esquema semelhante ao da NBA.

Para os que não sabem, a NBA é uma instituição àparte de qualquer federação nacional. Nela mandam os grandes tycons economicamente independentes e com poderes quase ilimitados. É um clube privado onde o direito de acesso é mais difícil de conseguir do que acertar no primeiro prémio do Euromilhões.
E é uma instituição poderosa. Tão poderosa que, quando a poderosa AMA arriscou a sugestão de se fazerem testes anti-doping aos seus jogadores foi literalmente pulverizada. Chutada para canto. Reduzida a nada. E não voltou a tentar meter-se no assunto.

Mas o que é que diz o Bruyneel?
O mesmo que Manolo Sáiz quereria ter dito, antes de aceitar que não seria má opção ter a UCI como parceira.
O futuro do Ciclismo espectáculo só é viável… fora das estruturas federativas existentes. UCI incluída.
Um sindicato – à americana, que significa União de Patrões e não de trabalhadores, as unions, por terras do Tio Sam – de capitalistas que suportem o número necessários de equipas e crie o seu próprio calendário, com as suas regras e fora do alcance dos regulamentos standartizados das federações convencionais. Aposto que isso de a AMA aparecer a fazer controlos fora de competição será das primeiras coisas a riscar do mapa.

E o actual manager da Discovery Channel – o tempo que já leva de Estados Unidos abriu-lhe os olhos – até avança com um nome para ca… (lá ia eu outra vez escrever cappo!!!) patrão dos patrões. Nem mais nem menos que Rupert Murdoch.

O resto é fácil de adivinhar.
Dezena e meia de equipas, suportadas por outros tantos sponsors tão poderosos que deitassem a língua de fora, numa careta divertida, à UCI, com regras próprias e que, como acontece, de facto, na NBA, fosse de terra em terra apresentando o seu circo a um público que não lhes faltaria. Logo, e só por isso, o retorno dos astronómicos investimentos que se adivinham também estavam garantidos.

Agora, perguntam-me vocês, estás de acordo com isso?
Eu sou realista, ou tento sê-lo. Não sou adepto da NBA, mas se, mesmo em Portugal, há canais televisivos que investem em dar os jogos às 2.30 da madrugada é porque têm audiências que justificam o investimento procurado junto dos anunciantes.

Concordo com a cisão, em relação à UCI?
Sinceramente… em relação a esta UCI, definitivamente mais preocupada em afirmar-se como clube de elite e que esquece os associados que vivem (muitos já vivem) nas ruas da amargura… confesso que me dava um certo gozo ver alguém fechar-lhes a torneira do dinheirinho fácil.
O que ia acontecer? Como em qualquer história de naufrágio… os ratos seriam os primeiros a abandonar o barco. Com um pouco de sorte abria-se lugar a quem, de verdade, quisesse fazer algo pelo Ciclismo.

E o que aconteceria ao Ciclismo? Ao Ciclismo como o conhecemos hoje?
Andava uma boa dezena de anos para trás… é verdade. Não tenho dúvidas. Mas seria isso bom… ou mau?

Depende dos pontos de vista.
Com uma ICA (International Clycling Association) fora das estruturas federativas, como as conhecemos, se calhar havia mais tempo e vontade para olhar para o Ciclismo… como aquele que temos em Portugal, actualmente.

A tal… ICA iria dominar o mercado televisivo? De certeza que sim. Mas a solução para o Ciclismo passa – esta é a minha opinião – pela sua regionalização.

Apesar da NBA, há basquetebol nos Estados Unidos (e no Canadá, que tem duas equipas no circo). A maioria não o sabia? Talvez não… Mas cada Estado – nos Estados Unidos – tem os seus próprios campeonatos esses terão espectadores mesmo que apenas a nível local. E há a Liga Universitária, que é pan-estadual e porta de entrada para a NBA… Isto é, há uma estrutura hierarquizada na qual os melhores praticantes estão protegidos.

A grande diferença, em relação ao actual ProTour – e volto ao Ciclismo – é que a federação internacional fica de fora daquilo a que posso chamar “cabeças-de-cartaz”.

A carreira de um Corredor – um corredor qualquer – estava sempre em aberto e só dependeria dele a velocidade a que treparia os vários degraus.

O Johan Bruyneel parece-me ser um bocadinho mais esperto que o Sáiz e, definitivamente, não inventou esta coisa porque está no risco de ficar sem emprego. Foi o que aconteceu com o Sáiz. Perante o abandono da ONCE, e para conseguir um patrocinador, lançou-se de olhos fechados. Avançando para a tal construção de um novo edifício (o ProTour) sem ter tempo para cavar os seus próprios alicerces. Porque se eu sempre me manifestei contra o ProTour foi em relação a ESTE ProTour. Porque, no fundo, acho que a existência de uma super-divisão poderá ser a derradeira hipótese de o Ciclismo não morrer.
Este ProTour é que, não era preciso ser muito esperto, nasceu torto. E lá diz o povo, quem torto nasce… Pois! Exactamente.

Agora, termino chamando a atenção para uma coisa. A NBA deverá ser – é-o, quase de certeza – a mais exigente competição desportiva a nível mundial.
Uma equipa da Califórnia, os LA-Lakers, por exemplo, pode jogar na segunda-feira em Nova Iorque, com Knicks, a seis mil quilómetros; na quarta em Los Angeles – nova viagem de seis mil quilómetros – e na sexta com os Raptors, de Toronto, a sete mil quilómetros… E todos sabem a que ritmo se disputa um jogo de basquetebol na NBA… E todos percebem porque a AMA foi chutada porta fora… Embora todos, cândidamente, se recusem a admiti-lo.

Mas a questão – e para terminar, por agora – é esta… com essa verdadeira SuperLiga… o que sobrava para o resto do pelotão?
Aceito sugestões. Com a promessa de que voltarei ao assunto.


(*) - Já li, e ouvi - mesmo na televisão (e não foi naquele "recreio" que parece ser o que ouvimos na EuroSport) - serem levantadas dúvidas em relação ao termo ProTour.
Fico pasmo, mas também temos que ser condescendentes. Uma das aleivosidades que ouvi foi... se é pró-Tour, porque é que nem todas as equipas são aceites (embora a questão Unibet seja outro caso...).
Então é assim. Tour, é o nome da corrida francesa. Mas é também utilizável, em francês, como Circuito. E o Pro... é uma abreviatura comum de... profissional.
ProTour significa... Circuito Profissional. E não tem nada a ver com o Tour de França.

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