quarta-feira, julho 25, 2007

Percursos

A propósito de tudo o que tem sido dito e escrito nos últimos dias, permitam-me voltar a um tema recorrente.

Existem, tradicionalmente, vários tipos de ciclistas dentro do pelotão. Há os que são conhecidos pela sua capacidade de sprintar, os trepadores puros, os que se destacam na luta "solitária" contra o relógio, aqueles que não sendo dos melhores em quase nada se pautam pela regularidade em todos os tipos de terreno, etc... Temos, no entanto, assistido a uma clara redução de territórios, nos últimos anos.

Para o "adepto médio" já não chega que alguém seja o melhor a subir, se depois perder muito tempo nos contra-relógios. Como se só a classificação geral fosse importante. Até o trabalhar-se para os colegas de equipa passou a ser marca de inferioridade. Fulano já não é um excelente équipier, é o que se limita a carregar com o líder porque "não dá para mais". A um bom rolador, que tenha um bom desempenho num contra-relógio plano (desses que, aparentemente, deixaram de ter tanto interesse, face à perspectiva de ter contra-relógios em montanhas que, por norma, recebem a classificação de "Categoria Especial") é pedido que vá muito mais além das suas capacidades físicas, é-lhe pedido que "engula" parte do seu corpo e suba as montanhas a par de quem tem metade do seu peso.

Vem isto a propósito de um dos corredores que, inegavelmente, marcou a década de noventa - Mario Cipollini. Ele podia ter todos os defeitos do mundo, mas há duas coisas que poucos lhe poderão negar: o carisma e a falta de hipocrisia. E, de repente, voltou uma dúvida que me assolou durante algum tempo. Teatro à parte, os adeptos habituaram-se ao papel mais ou menos regular do Super Mario na Volta a França - ele era o que aparecia com estilo, batia a concorrência ao sprint e, assim que a estrada empinava demasiado para o seu gosto, voltava para casa no mesmo registo em que tinha chegado. Vimos estas cenas durantes anos. Até que a organização a proibiu e afastou o velocista italiano da sua prova. Acusaram-no de falta de respeito para com a Volta a França. É verdade que ele nunca chegou ao fim da prova, é verdade que não se preocupava muito em fingir e não é menos verdade que o seu feitio também não terá ajudado. Mas é aqui que - voltando à questão - surge a minha dúvida: seria a sua forma de abandonar a prova apenas a evidência de falta de capacidade de sofrimento e vontade ou seria também uma forma de, calando, dizer que há limites?

E, não me alongando muito mais, deixo a questão. Será aceitável insistir-se em provas com etapas que contemplam duas ou três contagens de montanha de categoria especial, seguidas de etapas com cinco ou seis contagens de montanha de 1.ª e 2.ª categoria, seguidas de contra-relógios de mais de 40 quilómetros, seguidos de mais etapas de montanha, antecedidas de várias etapas cujas quedas massivas se deixam adivinhar mesmo por aqueles que não possuem bolas de cristal e isto tudo compactado em pouco mais de vinte dias? Será que é aceitável ou continuamos apenas a querer engarmo-nos a nós próprios e fingir que os hiprócritas são os outros?

1 comentário:

mzmadeira disse...

É, S.,... as pessoas declaram-se amantes do "Circo" mas no fundo, no fundo... e cada um rebusca o mais trabalhado dos argumentos... odeiam os "palhaços".

Sempre se riram a bandeiras despegadas dos valentes trambolhões que os pobres sempre deram para que eles... rissem.

Um dia havia de chegar em que, já mais espigadotes, perceberiam que o estalo (sempre sublinhado por um frenético bater de "pratos" na "orquestra") não era estalo a valer. Que os tropeções que os faziam... (ok, eu escrevo) mijar a rir, eram também a fingir. azia parte do número.

E deixaram de ir ao Circo.

Choram agora os "palhaços", que já não têm público. Mas choram também os trapezistas, os "homens-orquestra" que tocavam dez instrumentos ao mesmo tempo. Choram os domadores de leões. Choram os contorcionistas.
Chora o Circo.

Porque, quando descobriram que as "palhaçadas" eram a fingir... deixaam de ir ao Circo. E o Circo acabará por fechar.

Mas os trapezistas, os "homens-orquestra", os contorcionistas, os engolidores de fogo, os domadores de feras... A MAIORIA dos artistas do Circo nunca fingiram. Abraçaram aquela vida de alma e coração. Muitos nasceram debaixo do chapitô. Não sabem fazer mais nada. Falharam a escola, falharam a juventude. Tudo por amor à causa. Um verdadeiro amor. Uma paixão.

E porque os antigos amantes do Circo deixaram de achar graça aos palhaços... ignorando todo o trabalho de todos os outros artistas, artistas verdadeiros, puros... levaram o Circo a ter que encarar um futuro sombrio. Provavelmente a morte.

Que será do futuro dos que nunca fingiram? Dos que fazem o que fazem por amor. Por devoção...

Será justo olhar para o Circo apenas sob a perspectiva das pantominas dos palhaços?