terça-feira, julho 17, 2007

Volta a Áustria 2007

Agora que a festa acabou - e não valendo a pena estar aqui a tentar dissecar os resultados que se encontram disponíveis em diversas páginas -, gostava de deixar algumas notas sobre a prova. Há alguns detalhes que me parecem interessantes:

- a Volta a Áustria é corrida durante a primeira semana da Volta a França. Será, de facto, uma desvantagem. No entanto, os austríacos têm sabido contorná-la e oferecer o melhor espectáculo possível ao público. Não me parece que fosse desejável procurar alterar as datas: antecipá-la uma semana/uma semana e meia não traria cá mais ninguém (i.e., não traria os grandes corredores que se preparam para a Volta a França), realizá-la em Agosto seria insensato. E não esqueçamos que, tal como em muitas outras modalidades, também no ciclismo se procura mais desenhar um calendário transnacional (entre os principais países cuja língua oficial é o alemão, ou seja, Alemanha, Áustria e Suíça) do que nacional: alarga-se o mercado e facilita-se a vida das equipas;

- por outro lado, há sempre quem não vá à Volta a França. E, assim, os austríacos têm conseguido - ano após ano - ter sempre um ou outro nome sonante. São corredores que até podem não fazer nada de especial, mas que têm "nome". Este ano falou-se do Oscar Sevilla e do Fabio Baldato. Lembro-me de, em 2005, se terem começado a encher várias páginas de jornais "à pala" da vinda do Zabel e isto desde muito cedo;

- outro aspecto que não deve ser ignorado é o horário das etapas. É verdade que, este ano, a organização acabou por ter a sorte do seu lado e o S. Pedro absteve-se de lhes estragar a festa. Se as temperaturas continuarem, ano após ano, a subir, se calhar daqui a uns anos alguém irá sugerir que se repensem os horários, mas - no momento - está é, de longe, a melhor solução. E até dá para matar dois coelhos de uma cajadada só: o facto das etapas terminarem relativamente cedo evita, por um lado, que possa vir alguém resmungar contra o corte de alguma estrada mais movimentada na hora de ponta (mesmo durante o verão, o maior fluxo automóvel na Áustria começa normalmente entre as 16 e as 17 horas) e possibilita, por outro, que quem quiser ainda tenha a possibilidade de assistir ao final das etapas da Volta a França (que, não podemos esquecer, é o evento do ano do ciclismo);

- uma outra nota para as classificações. Porque nem sempre há corredores austríacos com hipóteses de discutirem a vitória até ao fim, a organização mantém, pelo menos, uma classificação que lhes garante sempre a presença de um austríaco no pódio: a camisola (branca e amarela) de melhor austríaco. E este não é apenas um prémio de consolação... porque há quem leve isto muito a sério e se aplique a valer. Da mesma forma que, para todos os corredores austríacos, a conquista do título de "rei do Großglockner" (o ponto mais alto da Áustria) e a vitória no Kitzbüheler Horn são pontos de honra. Quando a Volta passa num desses locais, não basta ser o primeiro austríaco a chegar lá: é preciso ser o primeiro de todos! E isso ajuda a manter o público da casa interessado;

- a Volta a Áustria não tem uma caravana publicitária do outro mundo, nem uma "vila" à chegada que seja suficiente para os adeptos se perderem. Mas a falta de dimensão é largamente compensada pela interacção existente. Eu só conheço a Volta a França da televisão e tudo o que vi da sua caravana publicitária foi através das imagens do EuroSport. No entanto, já assisti a várias chegadas da Volta a Itália e posso-vos garantir que achei mais piada ao formato escolhido pelos austríacos. Na Áustria, procurou-se - assumidamente - copiar o final da Volta a França: um circuito final, com a meta num ponto emblemático da capital.
Os italianos fazem (quando não se lembram de outras coisas) algo semelhante, mas em Milão e... numa qualquer rua da cidade, ou quase. O que se passa durante esse circuito final é muito simples: os primeiros corredores passam pela meta, o público festeja, os últimos desaparecem na curva ao fundo da rua, o público espera pela próxima volta e continua a conversa anterior até reaparecerem os batedores da polícia. Pelo meio, o speaker lá debita algumas informações sobre as distâncias a que ninguém liga muito.
No passado domingo, o final da Volta a Áustria foi ligeiramente diferente. Estava bastante calor, o vento nem sempre era suficiente para ajudar a resistir, mas o speaker conseguiu manter o público (é verdade que não era muito, mas era o possível para uma chegada de uma prova de ciclismo, em Julho, em Viena) atento e activo. Assim que assumiu o controlo do microfone (pouco tempo antes da primeira passagem dos ciclistas pela meta), lá foi fazendo o papel do costume: relembrar o percurso da Volta, os vencedores, os patrocinadores, os corredores em destaque, as equipas, as "vedetas", enfim... o habitual. Mas assim que a corrida se aproximou da Câmara Municipal (onde estava instalada a meta), começou a organizar-se uma espécie de coreografia para o final da etapa. Como havia pouca gente, ele lá foi avisando que era preciso que os presentes fizessem mais chinfrim do que é costume... para parecerem muitos na televisão! E nem foi preciso muito. Assim que se aproximaram os primeiros carros e motas da polícia austríaca, o speaker informou que os primeiros agentes (para aí metade dos efectivos da cidade...) eram de Viena e pediu aplausos. Este foi o momento em que eu pensei que, se estivessemos em Lisboa e face às polémicas em que a polícia tem estado metida por cá, toda a gente ia começar a assobiar. Mas os austríacos têm um estranho respeito pela autoridade e aplaudiram entusiasticamente. Os agentes retribuiram. A partir daqui, o espectáculo foi crescendo volta após volta. E eu quase me atrevia a dizer que cinco dos últimos elementos da polícia (de Salzburg e Alta Áustria) que antecediam o pelotão foram quase tão aplaudidos quanto o vencedor da etapa (mas, também, fizeram por merecê-lo). E até no plano desportivo o espectáculo correu bem: as primeiras voltas foram - como de costume - animadas por um pequeno grupo de fugitivos. Sorte das sortes, entre os três ciclistas que seguiam na frente estava um austríaco e o Steffen Wesemann (cujo currículo serviu p'raí para uma meia hora de conversa). O speaker foi incentivando-os e o público seguiu o exemplo. À passagem do pelotão - e a acompanhar os aplausos do público -, os corredores iam sendo informados do número de voltas que faltavam... em alemão, inglês, francês, italiano... O tempo "morto" entre as últimas voltas - quando, como esperado, o pelotão já estava reagrupado - foi "ressuscitado" por um dos patrocinadores. Sabendo que muita gente que vai assistir às chegadas de provas de ciclismo anda numa verdadeira "caça ao brinde", a Tschibo resolveu oferecer alguns sacos-prémio (que, ao que parece, continham lotes de café, chavenas e afins). Em troca destes sacos, os espectadores tinham que responder a algumas questões simples do speaker (nome de dois vencedores de etapas, locais de finais de etapas, líderes das classificações, distância da etapa, local de partida da prova, etc., etc., etc.). E assim, muito de repente, toda a gente que estava na zona se chegou para junto das barreiras: e, entre vencedores dos prémios, motas da polícia e corredores, foram três voltas de aplausos contínuos (com direito à onda, aquando da passagem do carro da rádio oficial da prova, e às tradicionais bandeirinhas dos patrocinadores, aquando da passagem da corrida). Não foi nada de especial, mas foi eficaz!

Estes são só alguns dos detalhes que, às vezes até se tratando de pequeníssimas coisas, não fazem - por si só - a diferença, mas ajudam a melhorar uma prova que ainda tem muitas falhas e que não dispõe do orçamento das grandes voltas.

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