sábado, outubro 07, 2006

254.ª etapa


PORQUE NÃO GOSTO DO PROTOUR...

Pediu-me um dos mais recentes companheiros de “tertúlia” – era assim que eu queria que se sustentasse o VeloLuso, como uma tertúlia de amigos que se juntam para discutir sobre um tema que os une, e que neste caso é o ciclismo –, mas dizia; pediu-me um dos mais recentes membros desta tertúlia que eu me referisse ao ProTour.
Sinceramente, Zecic, já não me lembro se escrevi alguma coisa sobre o tema, se não.
Mas aqui vai.


Não gostei da forma como foi feito; não gostei da forma como foi parido e não gosto dele.
Não gosto e não tenho muitas dúvidas acerca do mal que veio trazer a todo o ciclismo, com a excepção dele próprio e, ainda assim, tenho dúvidas que seja bom para ele mesmo. Leia-se: para as equipas nele engajadas.

Recordo que nasceu da junção da “fome” de alguns “managers” e da “vontade de comer” da UCI.
Depois de muitos anos confortavelmente sentado na “almofada” da ONCE, quando esta se retirou, e depois de intermináveis meses à procura de substituto à altura, o senhor Manolo Sáiz percebeu que não se “governava” com contratos de um ano ou dois. Mas como conseguir um suporte que garantisse à sua equipa continuar no mais elevado patamar do ciclismo? Como garantir poder ter um super-plantel como sempre tinha tido com o apoio da ONCE? Como manter no seu plantel algumas estrelas se não lhe podia oferecer mais do que um ano de contrato se o apoio do sponsor não desse para mais?
Esta era a “fome” do Manolo Sáiz.

Entretanto, como membro – presidente, na altura – da Associação de Equipas e da Comissão de Discussão do Ciclismo profissional na UCI, muitas conversas há-de ter tido pelos corredores da mega-sede desta instituição, na Suiça, e aí terá encontrado a “vontade de comer” mostrada por Hein Verbrugghe e demais altos responsáveis.

Transformavam-se os clubes desportivos em Sociedades Desportivas (tem muito em paralelo com as SAD do futebol), criava-se um super grupo de equipas e um calendário próprio com as principais corridas, o que serviria para aliciarem (sem a carga perjurativa do termo) os melhores corredores e, usando esse argumento, chegar a melhores e mais estáveis patrocinadores. Que são, afinal de contas, quem paga tudo.
Pelo lado da UCI, criando essa figura do ProTour, onde, pensava, ia ter sem qualquer resistência as três Grandes Voltas, arvorava-se a si própria como mega-organizador.
(Já repararam que os adjectivos vão quase todos num superlativo reforçado.)

Ora, como organizadora, responsável pela montagem do circuito ProTour (que, contudo, não deixava de ser apenas o somatório da várias corridas que já tinham o seu próprio organizador e assim iriam manter-se), a UCI reclamava para ela o direito de negociar e administrar as receitas geradas com ele, ProTour.

Foi quando as três principais empresas organizadoras abriram os olhos. Ora, se já montavam as corridas, se tinham os seus próprios parceiros e o negócio estava a dar dinheiro, porque raio teriam de continuar a cuidar das “galinhas” e deixar depois que fosse a UCI a ficar com os “ovos”?

E ante este despertar dos três grandes organizadores, a única maneira de fazer o ProTour ir em frente foi pô-lo de imediato na estrada quando, antes, se falava em dois ou três anos de transição.

Se aquelas três entidades torceram o nariz à ideia – e ainda andam a esgrimir razões para não darem de mão beijada os lucros que são elas que gerem – é evidente que às equipas mais fortes a ideia interessava. Mas toda a história da humanidade foi assim construída e continua a ser. Os mais ricos juntam-se para ficarem ainda mais ricos, deixando mais pobres os que já eram pobres.

Se os primeiros passavam a ter melhores hipóteses de conseguirem melhores, e mais poderosos financeiramente, patrocinadores, os outros, TODOS os outros passariam a ter que se contentar apenas com os “restos”.
Ficavam com os corredores que não cabiam nas tais, inicialmente 22 (mas depois só 20 e agora parece que vai baixar para 18) equipas e só podiam correr nas provas que não fossem “coutada” dos ricos.

Mas o grande mal nem foi esse. O grande mal foi que os organizadores que ficaram de fora do ProTour passaram a ter dificuldades em arranjar financiadores para as suas corridas nas quais não iam participar, nem as equipas mais famosas, nem as maiores estrelas do pelotão. Foi por aqui que o ciclismo começou a tremer e podemos hoje constatar que, mais do que a falência de algumas equipas, é a falência de muitos organizadores que está a comprometer o futuro do ciclismo.

Claro que, sem poderem entrar no grupo restrito do ProTour, e cada vez com menos corridas para correr, a esmagadora maioria das equipas começou a perder peso.
Se o argumento de que, com mais uns milhares de euros podiam construir uma equipa mais “jeitosinha” e até, quem sabe, correr o Giro, a Vuelta ou o Tour; ou mesmo um Paris-Nice ou um Dauphiné Libéré, uma Volta à Lombardia ou um Tour da Romândia, as equipas que ficaram de fora do “circo” passaram a ter mais dificuldades, também elas, em encontrar financiadores. E a “queda dos dominós” começou, com equipas e organizações a caírem umas atrás de outras, cada uma delas em consequência directa da outra.

E tudo isto aconteceu precisamente na altura em que, parecia, estava encontrado o modelo ideal. Um grupo da I Divisão, com as mais fortes, uma II Divisão, com as “remediadas” mas que mantinham como objectivo chegar à I Divisão e uma III Divisão com equipas que deveriam ser formadas com os corredores mais jovens, servindo de plataforma giratória entre os elite e os profissionais. Quase perfeito.

E tudo isto foi “destruído” em dois anos.

Sem comentários: