segunda-feira, outubro 23, 2006

289.ª etapa


EM CAUSA O "CÓDIGO DE ÉTICA"


Recebi hoje, através da Associação Profissional de Corredores Portugueses (APCP), um comunicado da Associação Profissional de Corredores (APC). Pela sua importância, e porque é, também, objectivo do VeloLuso contribuir para a discussão do ciclismo no seu geral, como, aliás, está em epígrafe, transponho para aqui o essencial desse documento.

A APC, em assembleia-geral (AG) reunida no passado sábado, dia 14, em Como (Itália) reiterou a sua oposição em relação ao Código de Ética adoptado pela Associação Internacional de Equipas Profissionais – AIGCP.
Os acontecimentos das últimas semanas confirmaram efectivamente
[que nele existem] lacunas graves: arbitrário, incoerente e inaplicável, o Código de Ética permitiu que alguns corredores estejam a ser perseguidos apenas na base de [meros] indícios e suposições, [isto] enquanto outros, sendo objecto de procedimentos disciplinares, poderem seguir normalmente a sua actividade.
Desejando que todas as autoridades actuantes na luta contra o
doping (COI, AMA, UCI e laboratórios nacionais) consigam finalmente coordenar os seus esforços, pondo de lado desentendimentos e rivalidades, a AG da APC pede à AIGCP que suprimia do Código de Ética, antes do início da nova temporada, todas as disposições e normativas que actualmente permitem suspender um corredor, incluindo a figura de autosuspensão por parte das equipas.


O meu comentário:
De facto, e na sua essência, o Código de Ética revelou-se, antes de tudo, como uma ferramenta de punição dos Corredores. Decidido pelas equipas, serviu, antes de mais, para que estas, tal Pilatos, “lavassem as mãos” fingindo-se virginalmente atingidas por um mal do qual jamais seriam culpadas.
Esta situação tocou-nos bem de perto quando, ainda no primeiro terço da temporada passada, uma equipa espanhola suspendeu e apressou-se a anular o seu contrato, ao abrigo desse mesmo Código de Ética, um dos seus corredores, que por acaso era português. Corredor esse que, sujeito, nos termos e ao fim do prazo previsto pelos regulamentos da União Ciclista Internacional (UCI), a novos testes, saiu ilibado de toda a história. Ilibado mas sem contrato e atirado para o desemprego.
Em relação à Operação Puerto, e como já aqui referi, os resultados da investigação e, posteriormente, da acção policial levadas a cabo pelas autoridades judiciais e policiais não foram em vão. Serviram para que o grande público ficasse a saber que e utilizando uma expressão bem espanhola, “no creo en brujas pero, que las hay, hay!...”, isto é, não estou disposto a enterrar a cabeça na areia, como as avestruzes, e fingir que não sei nada, mas a Lei geral de Espanha – como a portuguesa, por exemplo – não contempla punições para o que poderia chamar de ilícitos no campo desportivo e as autoridades desportivas – tal como refere o Comunicado da APC – têm vindo a perder-se em questínculas entre si, sempre com o objectivo de, entre elas, medirem quem é que terá mais força, em termos de projecção pública, em vez de unirem esforços numa real luta contra o flagelo do doping e a verdade é que só quem não tem o mínimo de conhecimento de como funciona um Estado de Direito poderia querer usar em seu proveito aquelas provas que foram conseguidas como foram. Com escutas e vigilâncias, coisa que, naturalmente, está vedada a qualquer instituição que não seja a judicial que depois encarrega as polícias de o fazer.
A actuação das autoridades desportivas espanholas – neste caso – fazem-me lembrar a do aluno que se balda às aulas e depois quer apresentar como seu o “trabalho de casa” feito por quem teve a iniciativa de o fazer. Não pode e revela ser batoteiro.
Mas… - dir-me-ão – batoteiros são os que recorrem a produtos e métodos ilícitos. De acordo. Mas então que sejam aqueles que têm a responsabilidade de manter o desporto limpo que façam alguma coisa.

Claro que, olhando o problema pelo lado dos Corredores, sou obrigado – obrigado não, concordo plenamente com eles – a aceitar esta tomada de posição.
É que o Código de Ética, ainda e sempre por iniciativa das equipas, está à beira de sofrer alterações. Quer agora a AIGCP passar a ser juíz em causa própria, pretendendo que sejam as equipas a suspender os corredores eventualmente apanhados em casos de doping para “evitar que os outros colegas de equipa não sofram as consequências”. Isto é o que diz, mas o que deve entender-se é isto: “para que as equipas, apesar de poderem vir a ter casos de doping no seu seio, possam continuar a correr, utilizando os outros corredores". Em concreto, o que se pretende é culpabilizar apenas e só os Corredores.
Para que possam continuar como se nada se tivesse passado, para tentarem livrar-se do estigma e “livrar” o nome dos patrocinadores, para que não se vejam depois aflitas em arranjar quem pague, as equipas pretendem que o odioso da coisa recaia apenas sobre os nomes individuais. Querem que se deixe de dizer que a equipa ABCDE teve um caso de doping e passe a dizer-se que “Fulano de Tal” foi apanhado nas malhas do doping. Reconheço, pois, toda a legitimidade à APC para exigir que... assim, não!

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