quarta-feira, outubro 25, 2006

Neutralização

UMA AULA DE JORNALISMO


A convite de um amigo, professor, estive numa aula de uma turma cuja maioria dos estudantes mostra vontade em, chegados à Universidade, virem a tirar o curso de Comunicação Social. Querem ser jornalistas.
Já ia preparado para isso, porque previamente informado, e, tentando ser honesto, disse-lhe que não há mercado de trabalho para as três ou quatro centenas de formados que saem, em cada ano, dos cursos que lhes podem permitir isso, nas diversas faculdades, pelo País fora. Isso não os desanimou e passámos às generalidades.

O que é uma notícia?
Notícias são factos que o jornalista transcreve. Não há maneira de o contornar, muito menos de o adornar. É um facto. Aconteceu. O jornalista relata exactamente o que aconteceu eximindo-se de quaisquer “toque” pessoal.
Por exagero, daquilo que pode ser uma notícia eu disse: “Caiu um avião com 200 pessoas a bordo, não houve sobreviventes”. É isto a notícia. Notícia, no seu estado mais puro, é uma coisa que dispensa quaisquer adornos. Que interessa saber o nome da companhia aérea? Caiu um avião e morreram todos os que lá iam. Número apenas serve para dar maior ou menor força à notícia. De onde levantou o avião e para onde se dirigia… É importante, sim senhor, mas estreitámos consideravelmente o alvo da notícia. Isso só interessa a quem tinha alguém de família, ou conhecido, que poderia ter embarcado nesse vôo. Nada altera à notícia em si.
A notícia ideal tem três, quatro linhas.
É evidente que jornais e televisões vão ao mais pequeno pormenor que puderem atingir. Mais, fazem comparações entre esse desastre e outros anteriores. Façam um exercício: se o acidente acontece num país estrangeiro, longe até das rotas habituais dos nossos vôos diários e, se a pessoa foi “presa” pela notícia, por mais que se "estique" o assunto, ouvindo pessoas, ou comparando o acidente com outros do género, no ouvido da pessoa, ou na cabeça, se for lida, só uma coisa fica “gravada”. Exactamente: “Caiu um avião e não há sobreviventes.” O resto é acessório e é usado pela CS para “encher”.

Da notícia passámos ao comentário.
É muito raro um comentário acrescentar seja o que fôr a uma notícia. Na melhor das hipóteses, o comentador, sendo especialista – e dei o exemplo da economia – dá-nos a leitura que faz. Todos os economistas perceberam a notícia. Mas nem todos somos economistas, por isso, a leitura que um especialista faz vem sempre acrescentar, até com exemplos, dados que não acrescentando nada à notícia, ajudam os leigos em economia a percebê-la.

Mas qual a diferença entre um comentário e uma opinião?
O comentarista, mesmo que “estenda” o seu depoimento, nunca foge ao corpo da notícia.

E a opinião?
A opinião é outra coisa e são muito poucos os jornalistas que podem exprimi-la. Não é censura. É que, numa opinião não basta “comentar” usando um ou outro conhecimento que escapa ao grande público.
O opinador tem que ser ainda mais especialista que o comentador. E tem que, para além de dizer o que na sua opinião não está (ou esteve) certo, que adiantar as soluções. Quer dizer, o opinador tem que saber fazer melhor do que o alvo criticado. Se a opinião for contra. Se for favorável, tem que mostrar, por A+B que outra coisa não poderia ter sido feita.

Mas as opiniões são quase sempre contra.
É verdade. Até porque é mais fácil apontar erros alheios, principalmente se não fôr possível – seja porque razão fôr – fazer o opinador trocar de posição com o alvo da sua opinião.

Então os opinadores são menos credíveis que os comentadores…
Não necessariamente. Mas é por isso mesmo que há menos opinadores que comentadores. Porque chegar-se ao nível de opinador, na CS, significa ter-se passado por muito, ter, pelo menos, tentado pôr-se no lugar do alvo da sua opinião e, para ser honesto, ter a certeza de que faria melhor.
E é por isso que, seja em que suporte for, na rádio, na televisão ou na imprensa, qualquer espaço de opinião é perfeitamente identificável. Com separadores, nos dois primeiros casos, ou num grafismo que não deixa margem para dúvidas, no terceiro.

Mas não pode acontecer que um jornalista na mesma peça dê a notícia, comente e opine?
Claro que é possível, mas, mais do que incorrecto, é deontologicamente – aqui tive de fazer uma pausa para tentar explicar o que é a deontologia –, errado. Mais do que errado, é condenável porque induz o ouvinte, ou leitor, em erro, confundindo-o com o que é só a notícia e com o que será o “seu” comentário e, ainda mais grave, “com a sua opinião”.
Achei por bem dar um exemplo da vida... vida: "As opiniões não se dão, pedem-se!"

Claro que tive que "cortar" caminho e tentar faze-los entender que na CS não se pode esperar que TODOS os ouvintes ou leitores peças a "sua" opinião. Seriam milhões! Por isso se avança por iniciativa própria, partindo sempre do presuposto de que... alguém nos está a perguntar.

Persistiam dúvidas.
A notícia não é discutível. O comentário pode ajudar à sua explicação. A opinião fica de fora disto. É algo à parte. Porque, seja qual fôr o comentador que se convide, o desenvolvimento que faz não vai nunca fugir ao essencial. Isto já não é aplicável ao opinador. A notícia pode ser visível de vários ângulos, mas cada um deles - da dela, a notícia -, tem uma perspectiva diferentes. O que for dito, ou escrito, por um opinador ficará indelevelmente marcado com o seu nome. E não sendo provável – nem seria viável – que se encontrem opinadores que abrangessem todo o espectro em que a notícia se pode desmúltiplicar, haverá sempre ouvintes/leitores que não vão rever-se no comentário produzido. Por isso, nunca! jamais! uma opinião pode integrar o corpo da notícia. Isso é deontologicamente inaceitável porque, sem haver lugar ao tal famoso contraditório, uma opinião pode passar travestida de notícia. Ou dizendo de outra forma, a notícia pode sair ferida de credibilidade porque leva a opinião apenas de um dos muitos lados pelo qual pode ser vista.

No fim, parece que todos compreenderam o essencial.
Então, na notícia o jornalista não pode por a sua opinião!

Nem mais!... É isso mesmo.

3 comentários:

Xplink disse...

O tipo de jornalismo (principalmente nas televisões e chamada imprensa sensacionalista), que temos hoje em dia altera essa regra.... Há que "encher chouriços" nos noticiàrios correndo o risco de adjectivar demasiado e opinar, porque a concorrência tb ainda está a emitir e está-se em directo em noticias que nem justificam, ou "levar a crer que...", na imprensa sensacionalista. Será informação, ou opinação?

Irrita-me os noticiarios mostrarem nos últimos dias horas e horas de casas inundadas, e de gente afectada pela tragédia e sem nada mais a acrescentar à notícia. No meio disto tudo, parabéns à RTP2 pela sua informação!

Xplink disse...

Por isso poucos seres humanos são "BONS" profissionais....nem todos conseguem separar as águas!

mzmadeira disse...

Caro Nuno, espero que nunca venha a justificar aquele ditado do "bem prega frei Tomás; faz o que ele diz e não o que ele faz..."

Até hoje, creio, não há ponta por onde pegar no meu trabalho. Nem na pequena notícia, nem nas grandes entrevistas que já as fiz para 3 páginas d'A BOLA...