sábado, outubro 07, 2006

255.ª etapa


NÃO SABER VALORIZAR QUEM MERECE

Recebi hoje uma mensagem de um grande amigo, ele sim, homem do ciclismo, onde, nas entrelinhas, li uma tremenda desilusão. E mais, um sentido toque de amargura para com o que é obrigado a testemunhar de um local vazio de significado apesar de ELE lá se sentar.

Não é fácil, sei-o por extrapolação e salvaguardando as devidas diferenças, o papel que ele desempenha hoje.

Que ele desempenha hoje, porque este amigo fez, quando tinha que fazer, mais do que aquilo que seria “obrigado” a fazer.

É um jornalista, sénior – para evitar a palavra que ele não se importaria de ver aqui escrita que é velho (no sentido de com muita experiência) – que se vê esquecido a um canto, como se nada mais tivesse que dar ao jornalismo.

Não sei. Se calhar a ESTE jornalismo pouco podia acrescentar, mesmo que quisesse. Eu sou um bom bocado mais novo e já me interrogo sobre o mesmo problema.

Um jornalismo tipo “chiclete” que é de mastigar e deitar fora. Um jornalismo feito – pasme-se! – por mangas de alpaca numa época em que só a sua existência já seria de espantar.

Não é o primeiro a passar por isso, amigo. Não será – embora tenha a certeza de que isto não lhe vai agradar – o último.

Mas estou a falar de um homem que se dedicou de corpo e alma ao ciclismo. E um homem que, enquanto os outros esperavam para ver… ele fazia.

Não vou aqui dizer – agora – o seu nome. É um bom e velho amigo. Uma das minhas referências enquanto jornalista de ciclismo.

Não gostei, sou sincero, de perceber o quanto ele desacredita neste momento.
Não podemos desacreditar.

O carreirismo volta a impôr a sua lei dentro dos jornais. Não se é, nem digo premiado… digo reconhecido pelo muito que a ele (ao jornalismo) se deu. As administrações, na sua visão apenas economicista do problema, movem homens como se de peças de xadrez fossem. Vivemos uma época áurea para os “yes man”. E somos, na nossa profissão, cada vez mais autofágicos. Alienamos convicções em troca de uma posição. E deixamos, reduzidos ao seu pequeno canto, quem nos poderia ajudar com o seu saber, um saber construído de vivência. Nada de teorizações, mas muita, muita prática no terreno.

Isso parece interessar cada vez menos.

Mas este amigo, em particular, sente-se apenas “tolerado” na redacção do seu jornal. Jornal que ajudou a crescer e a afirmar-se no mercado.

Mas – ele não falou nisso na mensagem que me enviou, mas falo eu – tem de sentir-se também esquecido pela família do ciclismo. Ele que organizou provas, que escreveu toneladas de papel sobre ciclismo, sempre tentando não parecer que era sequer crítico porque ama demais esta modalidade ao ponto de o seu maior objectivo ser o de preservá-la, está, em relação ao mesmo ciclismo, na mesmíssima situação em que está na sua redacção. É apenas tolerado.

Mas não será bem assim, amigo. Não, enquanto eu e mais um punhado (pequeno, que cabe numa só mão fechada) de outros amigos por cá andarmos.

Um grande e sentido abraço, e fique com a certeza que este seu “discípulo” não permitirá que tudo o que você fez pelo ciclismo seja assim, de repente, esquecido. Não enquanto eu viver.

2 comentários:

Antonio Dias disse...

Se for quem eu estou a pensar, é mais uma grande machadada no jornalismo de qualidade que ainda há em Portugal. Triste sociedade em que se consideram os "velhos" inúteis e incapazes.

Manuel, deves estar recordado de uma crónica do Rodrigo Guedes de Carvalho no "Expresso" de há 15 dias salvo erro. Pois bem, o Rodrigo escrevia que hoje, em Portugal, é quase impossível ter uma carreira de jornalista, sobretudo porque a partir de certa idade - os quarenta - parece que já está tudo acabado...

mzmadeira disse...

Ser jornalisa ainda é uma paixão, para alguns. Não esperamos - porque me incluo neles - qualquer acto de reconhecimento por parte dos nossos pares. Escolhemos - hoje em dia poucos podem dizer isto, com a mesma propriedade - ser jornalistas e fazemos, no dia-a-dia, o melhor que podemos e fazemos.

Não ERA uma profissão como outra qualquer, isto de ser jornalista.

Hoje está desvirtualizada.
Eu sei o peso de cada uma das minhas palavras.

Há muitas profissões nas quais, ser-se "velho" é capitalizado a favor da pessoa. Porque ser-se "velho" só quer dizer ter-se mais experiência. Experiência real, vivida...
Ninguém, mesmo que se dedique 25 horas por dia à pesquisa na internet, na busca de dados e resultados pode reivindicar saber mais do que um profissional com 50 anos de profissão. Podemos ler as "estórias" de há 30, 40 anos... mas há quem as tenha vivido de perto. Nenhum de nós chegará a saber tanto quanto ele.

Por acaso (não sei porquê porque compro o Expresso) não li o artigo a que te referes, mas tenho que concordar.

A máquina trituradora em que se transformou o jornalismo dos dias de hoje é mesmo implacável.

Eu, que aprendi - porque se trata, de facto, de um processo de aprendizagem - a renegar o futebol dos nossos tempos fui, um dia, já no jornal onde trabalho, posto perante este "facto"... "optas pelas modalidades e a tua carreira acabou".

Os jornais - e não só, atente-se ao caso concreto e bem próximo de nós, no tempo, do Carlos Daniel, na RTP - fazem-me lembrar aqueles treinadores que, mudando de equipa não só fazem questão de levar os seus adjuntos como três ou quatro jogadores-chave da equipa que treinaram anteriormente.

É um sinal de pura fraqueza. De que, sem os amigos incondicionais não são capazes de tomar conta do "barco".

Na imprensa de hoje é a mesma coisa. Sobem na hierarquia e logo se rodeiam dos tais "yes-man" que referi. Que vêm de todo o lado menos do mesmo jornal onde já havia pessoas a trabalhar antes de eles lá chegarem.

Isto para explicar a impossibilidade de se construir uma carreira, o que não é o caso do amigo de quem falo. Ele fê-la e ninguém lha pode sonegar.

Agora, e sublinhando que não terão que ser os seus iguais a reconhecê-lo, onde eu queria chegar é que há instituições e nichos da realidade social do Pais que, neste caso muito concreto, lhe estão a dever muita coisa.

Eu estou a ficar farto de escrever epitáfios.
As pessoas - aquelas que fizeram alguma coisa pela sociedade, no sentido lato da palavra - devem ver o seu trabalho reconhecido em vida.

Badamerda para as palavras de circunstância ditas em frente de um caixão.

Tenho um imenso orgulho em poder dizer que sou amigo dele. Se ele pensar como eu, e acho que pensa, não aceitará "homenagens" de favor.
Mas, como lhe prometi no artigo que motiva estes comentários, enquanto eu viver uma voz, pelo menos, não deixará de ser "incómoda" reclamando a mais que justa homenagem.
Agora!